Angola: A Independência e a Dominação Cultural em Angola

Após 45 anos da Independência, que foi celebrada no dia 11 de Novembro de 1975, parece-me que os nacionalistas angolanos não tiveram ainda a percepção exacta da História Pré-colonial do nosso país?

O que afinal de contas tivera inspirado cada povo na sua terra natal insurgir-se contra a dominação colonial portuguesa?

Será que um ou dois actos históricos tiveram sido os únicos que despertaram a consciência patriótica de todos povos, que hoje fazem parte do território angolano?

Será que os tais acontecimentos tiveram o alcance de atingirem toda gente nas suas terras de origem?

Será que a influência do regime colonial português tivera o mesmo alcance em todas as partes do território ocupado, que hoje se chama Angola?

De que modo as línguas angolanas e seus valores culturais foram encarados pelo colonialismo português e quais são as consequências?

Qual foi a postura de outras potências europeias perante a cultura africana? Esses são factos evidentes que muita gente não contemplam sobre eles no sentido de descobrir a realidade concreta de Angola de ontem, de Angola de hoje e de Angola de amanha.

Na verdade, os Preconceitos da era colonial, das décadas 40, 50, 60 e 70, ainda continuam intactos até aos dias de hoje, apesar do facto de termos andando pelo país inteiro e termos conhecido na profundidade os diversos povos que habitam neste território, que ficou designado por Angola. Pois, na época colonial haviam limitações de entrosamentos e de interação entre os povos de diferentes regiões do país. Os povos do litoral conheciam pouco o interior, e os do interior também tinham pouco acesso ao litoral. O país estava dividido entre o norte e o sul, cada esfera geográfica tinha uma noção diferente da realidade concreta de outras partes do território. As informações sobre os diversos povos eram escassas. Os que tiveram a oportunidade de estarem noutras partes do país tinham conhecimentos limitados e haviam obstáculos e manipulações da informação de tal sorte que era difícil obter uma imagem real, e disso poder interpretá-la fielmente. Pois que, o poder colonial tinha instrumentos e mecanismos eficientes para restringir a circulação da informação e do intercâmbio de conhecimentos entre os nativos.

Contrariamente à Grã-Bretanha e França, Portugal restringia o ensino da geografia e da história dos territórios ocupados. Ao passo que os povos colonizados eram obrigados a aprender de cor a geografia, a história, a demografia e a cultura portuguesa. Tudo que era angolano era ocultado e deturpado; incutia nas pessoas a grandeza do império português; enquanto encetava a campanha da lavagem do cérebro através da política da assimilação e do indigenato. A verdade é que, a doutrina colonial não assentava no princípio da aculturação. Porque a aculturação, em termos sociológico e antropológico, é adaptação e adotação dos valores culturais de outro povo com que esteja em contacto directo e permanente. Quem estiver no espaço cultural de outro povo e permanecer ai é que se adapta à esta cultura e finalmente adotá-la, e não é o inverso.

Paradoxalmente, não é isso que aconteceu nas colonias portuguesas; os colonizados é que tiveram que abdicar-se dos seus valores culturais e adotar a língua portuguesa como língua materna. A Grã-Bretanha, por exemplo, teve a política flexível de aproximação, identificação e assimilação das culturas africanas. Havia uma linha divisória entre a cultura inglesa e a cultura africana, criando um ambiente propício de integração, sem destruir as línguas e os valores culturais africanos. Portugal, pelo contrário, tinha uma atitude adversa e discriminatória perante a cultura africana. Acho que, a visão colonial portuguesa era da eliminação completa da cultura africana, este desiderato ficou consubstanciado na anexação das colonias através de transformar as colónias em, “Províncias Ultramarinas.”

A política colonial portuguesa torna-se mais fácil descortina-la através da sua postura quanto ao tráfico de escravos, quanto à abolição da escravatura e quanto à descolonização. Veja que, para terminar com o tráfico de escravos negros foi necessário a intervenção forte da Grã-Bretanha, exercendo pressão titânica sobre Portugal e Brasil. A escravatura no Brasil, por exemplo, continuou para além de 1888, comparado com a Inglaterra que aboliu a escravatura em 1830. Mesmo assim, parece que uma boa parte dos afro-brasileiros, nas comunidades pobres, continuam a viver na condição de semiescravatura. Tristemente, Portugal foi o último a deixar as colónias africanas, e isso foi necessário a luta armada. Logo, o Brasil era o protótipo do modelo da integração cultural que Portugal visava implementar em Angola. Aliás, já estava em marcha o programa do povoamento extensivo das zonas rurais através da criação de colonatos. As populações locais (indígenas) eram afastadas das suas terras e obrigadas a trabalhar (como servos) nas fazendas dos colonos portugueses trazidos da metrópole para ocupar e anexar o território.

No fundo as potências europeias partiam do princípio da superioridade cultural. Dentro desta doutrina cada país europeu tinha uma interpretação distinta do colonialismo e do modo de como relacionar-se com os povos colonizados. Assim sendo, notou-se nitidamente os métodos que cada um deles adoptou no decurso da colonização e da descolonização. Isso teve o impacto enorme sobre a mentalidade dos povos colonizados. Os seus resquícios são muito mais visíveis nos dias de hoje do que no passado; muitas coisas que observamos hoje na África subsariana são consequências da cultura colonial, como por exemplo, os conflitos internos, a má-governação, o subdesenvolvimento, a desorganização, a fragilidade das instituições, a corrupção, a pobreza extrema, a fome e o fluxo migratório – de África para Europa.

Note-se que, o impacto da dominação cultural variava de cada povo e de cada país, dependendo do grau da alienação cultural. Nas colónias inglesas e francesas os nativos africanos mantiveram as suas línguas e os seus valores culturais. Além disso, os nativos tiveram o acesso razoável à administração colonial e este processo de integração institucional refletiu-se na qualidade da governação da pós-independência. Nas antigas colonias portuguesas, inclusive Brasil, a qualidade de governação não é adequada. Compara o Brasil com Canada, e com os Estados Unidos da América. Onde pode observar isso nitidamente é na diferença abismal entre a qualidade governativa (precaríssima)de Angola, em comparação com os seus vizinhos, como a Namíbia, Botsuana e África do Sul.

O exemplo concreto disso é a problemática das cheias e das secas cíclicas que atingem regularmente a Província do Cunene, habitado pelo povo Cuanhama (Ovambo), que se expande para o Norte da Namíbia (Ovambolândia). Veja que, as condições climáticas e geográficas do Cunene e do Norte da Namíbia são idênticas, sem qualquer diferença. Note que, do lado da Namíbia o impacto das secas e das cheias tem sido muito limitado. O Governo Namibiano tem sido capaz de atender a sua população durante as crises, e tem estruturas e meios bem instalados nas áreas vulneráveis para fazer face aos desafios destes dois fenómenos. Infelizmente, do lado de Angola, em cada vez que a seca atinge aquela região sul de Angola provoca calamidades terríveis, com o povo e os animais domésticos (gado) a morrer da fome e da falta de água.

A outra questão que merece uma abordagem devida é a corrupção e a impunidade. Realmente, a corrupção é o fenómeno universal que afecta todos os países do Mundo. Contudo, o fenómeno angolano é bastante complexo e delicado, visto pelo grau da irresponsabilidade, da falta do patriotismo, da antipatia cultural, da xenofilia excessiva, da auto-negação e da dimensão da pilhagem do património do Estado, feito por dirigentes do Governo e do Partido no Poder. Os activos públicos (prédios, hotéis, condomínios, bairros, empresas, maquinas de construção, veículos pesados, autocarros, portos, minas de diamantes, poços de petróleos, serrações de madeira, navios de pesca, lagoas, fazendas, mercados, praças, lojas, supermercados, escolas, clinicas, fábricas, estações de Televisão e de Rádios, etc.) feitos com recursos públicos (do sector petrolífero) foram apoderados ilicitamente, deixando o Estado despido sem bens de realce. A impunidade tornou-se uma cultura do país, dizia-se: “não se meta.” O que acontece neste país é incrível, nunca uma coisa deste género foi vista, mesmo na Antiga Roma ou no Império da Macedónia, do Alexandre Magno, as pilhagens anárquicas de bens públicos nunca tinha-se atingido os contornos incontroláveis como em Angola.

Voltando ao assunto, constatou-se que em 45 anos da Independência Nacional a cultura angolana sofreu mais danos do que em 500 anos da colonização portuguesa. Em 1975, no rescaldo da proclamação da independência, a primeira coisa que se fez foi de lançar uma campanha sistemática contra as línguas e os valores culturais africanos; as línguas bantus foram banidas no ensino; os nomes africanos foram substituídos pelos nomes portugueses; as pessoas tinha o medo e o complexo de expressar nas suas línguas maternas; incutia nas mentes o complexo racial e étnico; muitos tiveram que mudar o local de nascimento; estava em marcha a lavagem do cérebro; a cultura luso-latina foi imposta a todo o custo.

Tudo isso visava a criação de condições necessárias para a edificação do «Estado Crioulo», de cariz elitista, neocolonial, do modelo brasileiro, assente no sistema monolítico, em que as pessoas abdicasse da sua identidade cultural. Felizmente, as coisas não terão corrido tão bem, e houve uma resistência titânica que prevaleceu, e despertou a consciência da sociedade. A derrocada da Dinastia JES é o fruto desta revolução cultural, que trouxe à superfície a angolanidade e a africanidade. A camada juvenil, que representa mais de 85% da população activa de Angola, é composta maioritariamente por jovens com formação académica superior, pré-universitária e média; muitos desses jovens andaram pelo mundo fora e têm a cultura universal bem acentuada.

O que quer dizer estamos no mundo globalizado no qual existe o intercâmbio de valores, de conhecimentos e da informação, veiculados por sistema integrado das telecomunicações através das vias satélites, que alimentam as médias sociais e os órgãos da difusão massiva. Ou seja, o mundo está em plena revolução digital e cibernética. Por isso, é impossível manter as pessoas no estado do obscurantismo como alguns sectores sonham. A instrumentalização das mentes, como era o hábito nas décadas 70, 80 e 90, hoje não é viável. É ridículo e absurdo manifestar esta mentalidade em pleno Século XXI. Para dizer que, temos uma sociedade culta, civilizada, esclarecida e exigente. Os cidadãos angolanos sabem o que eles querem; sabem os caminhos a percorrer; e sabem como chegar lá. O que falta no nosso país é ter uma liderança forte e democrática, bem estruturada, competente, esclarecida, realista e honesta, com capacidade de unir a sociedade, de estar acima das cores partidárias e de poder programar, realizar e distribuir bem a riqueza.

Portanto, o contexto que se vive hoje no país deve ser encarado com realismo e com honestidade. Após 45 anos do poder absoluto o regime caiu na decadência e tem dificuldades enormes de ajustar-se aos tempos modernos, que exigem a abertura, a cidadania, a democraticidade e a alternância regular do poder; há degaste da imagem e da credibilidade. Veja que, 45 anos é quase meio século do poder, exercido por mesmo Partido e pela mesma camarilha. Essa gente não têm soluções reais para Angola de hoje; estão mais preocupadas com a manutenção do poder e com a protecção das fortunas fabulosas que foram pilhadas durante este período das trevas. Este quadro melindroso deve merecer uma abordagem responsável e objectiva para descortinar os caminhos mais adequados que permitam a consolidação da democracia, em que os processos eleitorais sejam isentos e transparentes para garantir o exercício da cidadania e a alternância regular do poder.

Sem dúvida os tempos das dinastias vitalícias, da Idade Média, já passou. Somente a alternância democrática é que pode garantir a paz duradoira, a liberdade, a estabilidade, a boa governação e o progresso. Além disso, devemos saber que durante o Consulado longevo do Presidente José Eduardo dos Santos o nosso País foi alvo de infiltração de vários grupos extremistas que estão amplamente implantados em todo País, até nas localidades remotas. Durante este período da governação anárquica muitos jovens foram recrutados clandestinamente e levados para o Médio Oriente e ao Norte da África onde receberam Instrução e Doutrina Islâmica.

Aliás, os Ministérios do Interior e da Defesa têm o domínio absoluto desta situação. Sabemos que a admissão de Angola na OPEP estava condicionada com a entrada do Islamismo no território angolano para desenvolver livremente as suas actividades. Além disso, houve investimentos que Angola levou acabo no Norte do Iraque, na fronteira com a Síria, na mesma região onde o Estado Islâmico foi erguido e proclamou o Califado. Sobre este Megaprojeto não se sabe o que depois aconteceu e como ficou os investimentos. Portanto, é aconselhável que haja a responsabilidade e a contenção nos nossos actos no sentido de prevenir-se de qualquer aproveitamento do terrorismo internacional.

Infelizmente, no nosso país existe o hábito de ocultar as coisas, buscar bodes expiatórios e manipular os factos. Esta postura é antipatriótica e é perigosa, de tentar tapar o sol com a peneira. Em vez de assumir uma posição responsável, tomar medidas de precaução, juntar todas as sinergias, unir as forças vivas do país, encetar o diálogo construtivo, elaborar programas exequíveis, combater a fome e a pobreza, acalentar a juventude, criar postos de trabalho, buscar investimentos, dinamizar o sector produtivo, apostar-se na agricultura, e acompanhar de perto os conflitos que alastram no Continente Africano e tirar lições adequadas. Na gíria diz-se que, «quando vires a barba do teu vizinho a arder, põe a tua de molho».

Em síntese, o objecto desta Reflexão, como seu epicentro, é a «dominação cultural». Após 45 anos da independência não fomos capazes de dar um passo decisivo para frente, superar as nossas diferenças, acabar com a mentalidade neocolonial, sair do sistema monolítico e abraçar a cultura democrática, na qual o povo é que decide, e os processos eleitorais sejam transparentes, justas e verificáveis. Em que, na construção de uma Angola democrática e inclusiva o princípio da «alternância do poder» político seja aceite por todos, seja sagrado, seja democrático, e se torna o alicerce sólido e inabalável da Doutrina do Estado.

A cultura da exclusão cultural é o fruto da doutrina cultural luso-latina, que desarticulou a identidade cultural africana em Angola e dividiu a nossa sociedade entre os patrícios (donos da terra) e as plebes (súbditos). Nisso reside a política da acumulação primitiva de capitais. Enquanto esta mentalidade medíocre, da suposta superioridade cultural, manter-se intacta nas mentes de alguns sectores deste país, será difícil erguer o Estado Democrático de Direito, no qual todos angolanos sintam em casa, sejam iguais, e possam realizar-se livremente, sem quaisquer freios de índole político, cultural, étnico, género, racial ou geográfico.

Enfim, o acesso democrático ao poder, o acesso fácil à educação, o acesso adequado à saúde, o acesso global ao emprego e o acesso equitativo à riqueza, são pressupostos fundamentais do Estado Democrático de Direito. Isso é indiscutível e impreterível. É por isso, Nós os Angolanos, lutamos pela Independência deste País, que alcançamos com sangue, com sacrifícios e com suor. Angola é de todos Nós!

Luanda, 21 de Novembro de 2020.

Carlos Kandanda

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