Angola: Alternativas para estatuto jurídico da Frente Patriótica Unida (FPU) com “desafios que podem levá-la à rejeição” pelo Tribunal Constitucional

As alternativas para o estatuto jurídico da pretensa Frente Patriótica Unida (FPU) colocam-na perante vários desafios, muitos dos quais podem levá-la a ser liminarmente rejeitada pelo Tribunal Constitucional

“Nem carne, nem peixe”. Esta expressão é atribuída ao líder fundador da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) ao referir-se a um dos seus delfins e ao levantar dúvidas sobre o alinhamento deste às posições estratégicas da direcção partidária de então. Era Abel Chivukuvuku, hoje um dos principais rostos da Frente Patriótica Unida (FPU), iniciativa política e eleitoral cujo formato deve ser anunciado já nesta terça-feira, 05 de Outubro.

O sentido das dúvidas outrora levantadas por Savimbi fazem-nas emergir agora face à iniciativa política em vias de surgimento. Qual o seu estatuto jurídico, o de partido político ou o de uma coligação?

Uma pista, entretanto, emerge do mar de secretismo em que, até nos dias de hoje, está envolta a natureza orgânica da Frente Patriótica Unida (FPU). Fica descartada a possibilidade de ser constituída em novo partido político, restando, na sequência, duas alternativas: (1) a incorporação das demais forças na UNITA; e (2) a constituição de uma coligação de partidos.

Ademais, um dos seus principais impulsionadores, o líder do maior partido político na oposição, Adalberto da Costa Júnior, mencionou que o passo a seguir ao anúncio público da constituição da Frente seria uma ida ao Tribunal Constitucional para a formalização da agremiação. Essa declaração descarta, desde já, a hipótese 1. Não tendo Adalberto levantado em concreto o véu sobre o rosto da Frente, a referência que fez ajuda a criar uma espécie de retrato robot e, por conseguinte, a desvendar o mistério. Muito provavelmente, a Frente Patriótica Unida (FPU) assumirá o rosto de uma coligação de cariz político eleitoral.

Todavia, esta, que aparentemente se posiciona como uma solução, constitui, no fundo, um manancial de problemas para o cenário político angolano. O primeiro deles estaria relacionado com a própria UNITA, enquanto maior partido político na oposição. Se optar por concorrer coligada, tal implicará ao partido, histórico, a obrigação de abdicar dos seus símbolos. Não importa quem venha a ser o líder da Frente, o facto é que, como coligação partidária, terá de ser formalmente constituída, dotando-se, de entre outros aspectos, de símbolos e siglas próprias, em nada semelhantes com as de formações já existentes, incluindo daquelas que a incorporam.

A Lei dos Partidos Políticos estabelece a liberdade de coligação entre os partidos políticos, mas impõe, para o efeito, algumas condições. Desde a dotação de símbolos e siglas próprias para a coligação, por um lado, cada uma das forças integrantes, no caso, os partidos políticos, terão, por outro lado, de fazer aprovar a sua integração pelos órgãos representativos competentes. No caso específico da UNITA que constitui, no fundo, o motor para a Frente, os seus estatutos a definem como uma organização “independente de qualquer outra agremiação política”, conforme se atesta no artigo nº 2, pelo que concorrer atrelada a uma coligação fere, de certo modo, essa determinação estatutária dos maninhos.

As exigências legais impõem, à partida, essas duas dúvidas existenciais para os promotores da Frente. Estariam, todas as organizações integrantes, dispostas a abdicar dos seus símbolos e a perder, digamos, a sua independência a favor de um novo ente? A ver vamos.

As coligações partidárias devem, do mesmo modo, deixar claro, nos documentos a submeter ao Tribunal Constitucional, o seu âmbito, finalidade e duração específica. Em comunicação escrita para o Tribunal, os partidos políticos integrantes têm a obrigação de expressar de modo inequívoco a decisão de coligação, sequenciando-se, obviamente, à validação da intenção pelos órgãos representativos competentes. Ora, numa UNITA assombrada pelo fantasma da divisão, antevêem-se discussões acesas ao redor do tema.

Sendo estas as dores de cabeça que a UNITA deverá, necessariamente, curar para poder obter conforto dentro da Frente, as demais formações têm também maleitas por sarar. O Bloco Democrático, por exemplo, terá necessariamente de ultrapassar as mesmas barreiras, embora, neste caso específico, com maior facilidade dada a sua pequenez enquanto partido político e pelo seu histórico de ligação a uma coligação. Tal histórico, entretanto, constitui a maior fraqueza da formação agora liderada por Filomeno Vieira Lopes. Ou seja, a lei dos partidos políticos, no seu artigo nº 35, proíbe a participação de um partido político em mais do que uma coligação de partidos políticos. Publicamente, os dirigentes da agremiação já manifestaram vontade de adesão à Frente Patriótica Unida (FPU) e de abandono do grupo político a que se encontram coligados. A própria CASA-CE anunciou a suspensão do Bloco Democrático. Mas nem uma, nem outra organização indicou um passo concreto dado no sentido da desagregação do Bloco, o que constitui uma condição essencial para a apreciação do Tribunal Constitucional.

Temos, por fim, as questões relativas ao projecto político PRA-JA Servir Angola. Este não passa disso mesmo. De um projecto. Depois de apeado da CASA-CE, o líder da iniciativa, Abel Epalanga Chivukuvuku, decidiu-se pela criação de um novo partido que, entretanto, não conseguiu cumprir as exigências do Tribunal Constitucional. Ora, não sendo formalmente um partido político não se pode coligar aos demais. Afinal, estabelece a legislação em vigor, as coligações são feitas entre partidos políticos, pelo que restará a Abel e seus pares andar à boleia dos grupos legalmente estabelecidos.

Quando na próxima terça-feira, 05 de Outubro, for formalmente anunciada pelos seus promotores a criação da Frente Patriótica Unida (FPU), ficará, finalmente, claro, qual o seu estatuto jurídico. Se é carne ou se é peixe, pouco importa. Seja qual for o caminho a escolher estará prenhe de escolhos e as forças integrantes terão de se debater entre os problemas internos de cada um e o cumprimento das obrigações legais, que a ameaça a ser liminarmente rejeitada pelo Tribunal Constitucional.
Há, definitivamente, um novo tango dançando na cena política angolana: um passo para a Frente, vários passos para trás.

Coligações de partidos na história angolana: Quem de dez tira uma?

Dez coligações de partidos políticos foram criadas, ao longo da história angolana, com o fim específico de participar nas eleições. Mas apenas uma, que nasceu em 2012, mantém-se em funções, entretanto em meio a constantes crises de liderança.

A criação de coligações de partidos políticos no cenário angolano não constitui, necessariamente, um fenómeno novo. E a prática demonstra que regra geral são mal sucedidas. A história político-eleitoral registou o nascimento e a morte de pelo menos 10 coligações, sendo que, até ao momento, apenas uma sobrevive, tendo as demais 9 sido extintas por não lograrem alcançar os mínimos eleitorais previstos nos pleitos em que concorreram.

A Convergência Ampla de Salvação de Angola, Coligação Eleitoral (CASA-CE) é a congregação sobrevivente. Tendo sido criada para concorrer às eleições de 2012, mantém-se, entretanto, activa e autorizada pelo Tribunal Constitucional, pese os conflitos internos e as consequentes alterações na liderança, evoluindo de Abel Chivukuvuku, seu ideólogo, para André Mendes de Carvalho e, agora, para a liderança de Manuel Fernandes.

As demais congregações foram, simplesmente, consumidas pelo tempo. A primeira registada nos anais da história angolana foi o Conselho Político da Oposição (CPO). Liderada, inicialmente, por Anastácio Finda, a coligação viu posteriormente a liderança alternada entre Eduardo Miguel Zua, primeiro, e, depois, João Mateus Jorge, até a sua extinção.

Nova Democracia União Eleitoral (ND) é a designação de uma coligação de partidos políticos igualmente extinta, cuja liderança esteve a cargo de Quintino Moreira. Este grupo logrou eleger dois deputados à Assembleia Nacional, na sequência das eleições de 2008, mas tal proeza não pode ser repetida em 2012, terminando a coligação extinta.

Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA) era o nome de uma coligação de partidos políticos ora extinta. Foi criada por António João Muachicungo, dissidente do Partido de Renovação Social (PRS), de que foi vice-presidente, mas não teve fôlego suficiente para ir além das eleições de 2012.

Além destas que, de certo modo, foram as mais destacadas, dentre as coligações que já pairaram na política angolana registam-se ainda as designações União da Tendência Presidencial de Angola (UTPA), Conselho Democrático da Oposição (CDO), Coligação Voz Democrática (CVD), União Democrática – União Política Eleitoral (UD-CPE), Coligação Angola Unida (CAU) e Coligação Luz de Angola (LUA).

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