Angola: “Defendemos um salário mínimo de 150 mil kwanzas” – Filipe Makengo Segundo

Já foi entregue uma proposta para uniformizar o tecto mínimo dos vencimentos dos filiados do SNEBA (Sindicato Nacional dos Empregados Bancários): 150 mil kwanzas. Filipe Makengo justifica que se pretende acabar com as disparidades salariais. Ainda assim, considera não haver maus salários na banca. O líder sindical descarta responsabilidades dos bancários no ‘caso Lussati’, argumentando que “não são obrigados a saber para onde o cliente quer encaminhar o seu dinheir

 

Depois de 25 anos, o Sneba está sólido no cumprimento da sua função?

São 25 anos de turbulências e vitórias. Fazemos parte de um sector que, pelas suas características, interage com a sociedade. Todas as alterações no campo económico e social repercutem-se sempre no sector bancário e vice-versa.

Que resultados palpáveis aponta?

Tivemos ganhos na defesa dos interesses económicos dos associados. Podemos lembrar-nos da batalha que, em 2000, travámos com o Governo, quando estava em marcha o processo de liquidação da Caixa Agropecuária e Pescas (CAP). Naquele momento, notámos que a CAP tinha ‘pernas’ para continuar como banco, mas, por razões políticas, o Governo entendeu descontinuá-lo.

Provocou desempregos?

Felizmente, boa parte dos funcionários da CAP transitou do Banco Nacional de Angola. Foi uma luta que empreendemos no sentido de forçar o reenquadramento de uns no banco central e a indemnização de outros. Assim, conseguimos o retorno. Ou seja, todos os trabalhadores que tinham mais de 15 anos que não quiseram voltar ao banco de origem foram para a reforma antecipada e os que tinham menos de 10 anos, indemnizados. Portanto, ganhámos a contenda.

Mas, de lá para cá, o Estado encerrou mais bancos…

O sector também conheceu uma expansão frenética de instalação de bancos com condições e novas exigências impostas pelo regulador. Muitos destes bancos, com o andar do tempo, mostraram-se incapazes de honrar as regras prudenciais do banco central e, como resultado, houve a cassação das suas licenças, mandando os trabalhadores para o desemprego.

E o que o sindicato fez para proteger os interesses destes trabalhadores?

Fizemos a nossa parte. Como são processos que desembocaram nas barras dos tribunais, continuamos a aguardar. O BNA continua a assegurar os proventos até à liquidação total destes bancos.

Têm sido recorrentes as reclamações por causa da falta de ética e deontologia profissional dos bancários. O que se passa?

É uma condição intrínseca do ser humano. Em casa, na escola, na lavra, a ética conduz o nosso dia-a-dia. Quando estamos a falar de ética e deontologia profissional, no sector bancário, estamos a falar de pessoas que integram a classe e pertencem a um núcleo familiar e de convivência quotidiana. Temos de destrinçar pessoas que procuram emprego e oportunidades. O sindicato pode fazer essa destrinça. De facto, quem procura emprego tem a preocupação de cumprir com regras e normas.

E quanto à elevada insatisfação de clientes com bancos de topo, como o BPC?

Esta é uma outra preocupação do sindicato de tal sorte que temos também promovido acções ligadas à sensibilização e à moralização dos trabalhadores, para cumprirem com as suas responsabilidades, incluindo a do sigilo bancário.

Fala-se de fuga de responsabilidades no sector. Por exemplo, há trabalhadores despedidos por irregularidades num determinado banco, não são punidos e, de seguida, surgem noutras unidades bancárias…

Geralmente, os bancos trocam informações. Se, de facto, existirem situações desta natureza, talvez signifique um atropelo às regras. Pode ser que escape um caso ou outro.

Mas também se diz que isso acontece, porque, em muitos casos, os trabalhadores têm obrigações, como créditos, a que tentam escapar…

Tomar a decisão de um crédito desta natureza requer procedimentos e normas. Não é um trabalhador pequeno que, ‘per si’, contrai um crédito habitacional, por exemplo. Mas, quando há fuga, regra geral, o banco que recebe um trabalhador nessa condição é forçado a comprar a dívida.

Os bancários também têm sido acusados de abastecer o mercado informal de divisas…

O serviço bancário é feito com base em rigorosos procedimentos. Se existe este fenómeno, temos de condenar. Não podemos compactuar com isso. Mas a existir não pode ser de trabalhadores juniores. Tem de ser com a cobertura da super-estrutura. Não estou a ver um técnico bancário com capacidade de retirar do banco 20 mil dólares e injectá-los na rua e, no dia seguinte, receber balões de kwanzas.

A política remuneratória dos bancos satisfaz?

É uma situação que está na nossa agenda. Um dos primados do sindicato tem que ver com a melhoria da condição económica e social do trabalhador.

O sector bancário tem maus salários?

No sector bancário não há maus salários. Mas não se pode dizer que somos bem pagos.  O homem é insaciável. Pode ganhar agora 100 mil kwanzas, vai achar que é muito pouco, quando passar para 200 dirá a mesma coisa. O mais importante para o trabalhador é ter a preocupação de se aprimorar profissionalmente e a entidade empregadora deve reconhecer esse esforço. É preciso aperfeiçoar os seus conhecimentos para que exerça, com eficácia, o seu trabalho. O soldo dos bancários não está abaixo dos mal pagos no país. Aliás, se o trabalhador bancário é mal pago, então, o que se pode dizer no geral, onde o salário mínimo é de 30 mil kwanzas?

Os bancos repassam parte dos lucros aos trabalhadores?

Há bancos com maior arrecadação de receitas em relação a outros, daí também a tabela salarial diferenciada. Mas há outros subsídios que podem engordar o salário. Temos de reclamar, sim, porque o salário não é uniforme e o volume de negócios dos bancos também não é uniforme. Reconhecemos essa diferenciação. Naquilo que sobra, no princípio do mês passado, fizemos a entrega do acordo colectivo de trabalho ao BNA, um instrumento jurídico que, entre outros pontos, além de subsídios, propõe um mínimo de 150 mil kwanzas.

Como a pandemia tem impactado no sector?

O sector bancário não beneficiou de moratória como outras empresas. A banca não fechou. Hoje, porém, reduziu a capacidade de importação e exportação, portanto as transacções financeiras baixaram. Mas o banco vive das operações que os clientes realizam, quando não há uma economia funcional os bancos vêm também o volume de negócio diminuir.

Realizaram recentemente uma palestra sobre as transformações no sector bancário…

Hoje fala-se muito da banca digital. Significa automatizar as operações bancárias. Quer dizer que aqueles que não acompanharem a evolução tecnológica estão sujeitos a perder o barco, tanto as empresas, como os trabalhadores que podem perder o emprego. Também queremos com isso alertar para que isso não deva representar a dispensa do trabalhador, mas uma oportunidade para as empresas darem mais formação aos seus trabalhadores.

Além dos bancos, há outras entidades que entram na parceria do sindicato?

Temos como parceiro central o BNA. Tendo em conta as especificidades de um banco central, negoceia o salário mínimo à parte. A Abanc, que congrega os bancos comerciais, também já recebeu o ‘draft’ para discussão interna. Mas devíamos ter outras entidades financeiras na parceria, porque há bancos que têm seguradoras, casas de câmbios e gestão de fundos que não estão connosco. É um trabalho a curto prazo que queremos concretizar. Portanto, por enquanto, só temos os bancos.

Mas porque diz que o Sneba é uma entidade versátil?

O nosso sindicato deve avançar para outras estratégias para desanuviar o bolso do trabalhador. Por isso, há cerca de quatro anos, em resultado de experiências colhidas em outras geografias, temos estabelecido protocolos com empresas fornecedoras de bens e serviços. Estou a falar de comércio, farmácias, escolas de condução, colégios e universidades com os quais estabelecemos acordos de parceria para beneficiar com descontos os nossos associados.

Quantos associados?

Representamos um universo de 23 mil bancários, mas de forma efectiva só 75 por cento destes estão filiados e pagam quotas.

O que descontam?

Cada trabalhador desembolsa apenas um por cento do salário base.

Qual é a importância do plano ‘vantagens internacionais’?

Além de sermos um sindicato nacional, somos uma entidade aberta. Isso leva-nos a estabelecer uma cooperação com sindicatos do espaço lusófono com excepção da Guiné-Bissau. Dos brasileiros, recebemos apoio técnico e sindical, com as três congéneres portuguesas temos protocolos de saúde. Quer dizer que se um dos nossos associados for a Portugal, em tratamento médico, ou o seu familiar próximo, recebe assistência hospitalar com um desconto de 34%. Devo lembrar que, em 2012, fomos os promotores.

O país foi recentemente ‘sacudido’ com o caso do desvio bilionário, envolvendo o major Lussati, ex-funcionário da Casa de Segurança do Presidente da Republica. Isso veio demonstrar as fragilidades da banca?

A banca não deve ser crucificada. A saída de valores do banco respeita a autorização de débito. E o dinheiro não foi levantado no mesmo dia. Nós, os bancários, não somos obrigados a saber para onde o cliente quer encaminhar o seu dinheiro. É uma situação que transcende a esfera bancária. Temos que colocar o sector bancário como o mau da fita? Não. Ele é apenas fiel depositário dos dinheiros dos clientes. Como se usa o dinheiro, não é da sua conta.

O Governo recorreu ao FMI para impulsionar a economia. Foi uma boa opção?

Como sindicalista, devo dizer que a aliança com o Fundo Monetário Internacional é um casamento que não dá frutos, porque, da minha leitura em quase todos os países onde foram aplicadas as medidas do FMI, houve agravamento da situação económica e social.

Perfil

Sindicalista com longo percurso na banca

Natural de Maquela do Zombo, Uíge, há 63 anos, Filipe Makengo Segundo iniciou a carreira no BNA, em 1975. Cinco anos depois, passou para o Banco de Poupança e Crédito (BPC) do qual se reformou em 2017. Licenciado em Ciência Política e Administração Pública pela Universidade Agostinho Neto, está à frente do SNEBA há dois anos. Antes, foi, desde 2010,secretário-geral adjunto desta entidade que celebrou o 25º aniversário a 31 de Maio.

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