Vozes contestatárias em Angola sobem de tom. Sociedade civil convocou mais protestos para o dia 11 e diz que a democracia está em coma. Para conter contestações, governo deve cumprir promessa eleitoral de dialogar mais.
Branca António é uma jovem residente em Luanda. Em entrevista à DW África, queixa-se que a situação social está cada vez mais difícil. “As coisas estão sempre a subir. Dependo do meu marido e com o dinheiro que ele recebe, vamos comprando coisas, fazendo “sócias” [duas ou mais pessoas juntam dinheiro para comprar um determinado bem] das coisas”, conta.
Também José Gaspar, outro cidadão residente na capital angolana, vive de biscates para poder sobreviver. Conhecido nas lides musicais como José do Egipto, o jovem encontrava-se a pintar uma residência na periferia de Luanda quando a DW África o entrevistou.
“Tenho realizado sempre esses trabalhos. Um trabalho que tem rendido um valor significativo que já dá para fazer qualquer coisa nas nossas vidas. Quando não estou na música estou a fazer os biscates”, relata.
Angolanos insatisfeitos com João Lourenço
Os dados oficiais do último trimestre deste ano indicam que o desemprego Angola atingiu um índice de 34%.
Segundo um inquérito da consultora EXX África, dois em cada três angolanos estão profundamente insatisfeitos com a governação de João Lourenço e estão pessimistas em relação ao futuro do país.
As razões são a má gestão da pandemia de Covid-19, desemprego, subornos e corrupção, crimes e falta de segurança, bem como perda de confiança.
Para Kambolo Tiaka Tiaka, um dos organizadores da manifestação do dia 24 de outubro em Luanda, que resultou na detenção e julgamento de mais de 100 manifestantes, diz que o MPLA, o partido no poder, acomodou-se ao resultado folgado conseguido nas eleições gerais de 2017.
“Democracia em coma”
“O país tem uma democracia em coma, uma liberdade em coma, é um país que pode e tem tudo para dar certo. Mas, infelizmente, uma minoria de fato e gravata acovarda-se daquilo que conseguiu nas eleições para fazer trinta por uma linha e esquecendo-se, de facto, daqueles que realmente precisam”, critica.
As contestações em Angola não param de subir de tom. Para o próximo dia 11, data em que se comemora os 45 anos de independência angolana, está convocado mais um protesto.
O politólogo David Sambongo explica que aumentam as vozes contestatárias e sem medo de sair às ruas por causa do custo de vida agravado pela pandemia de Covid-19. “Falo de agudização porque já estávamos a viver uma crise económica e financeira pela má gestão do erário e também o petróleo oscila no mercado internacional. E isso fez com que, juntando a situação da Covid-19, as vidas das famílias fossem cada vez mais fragilizadas, cada vez mais muito difíceis.”
A não existência de uma data para realização de eleições autárquicas em Angola é também apontada pelo analista como outra causa do descontentamento social. Mas no seu discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente João Lourenço disse que as autárquicas “não foram adiadas porque nunca foram convocadas.”
Mais diálogo
Por onde passaria a solução? Por mais diálogo, responde o politólogo David Sambongo. “O governo conseguirá conter estas contestações se cumprir com a promessa eleitoral, se procurar dialogar mais”, lembra.
Mas esse diálogo deve ser com a chamada sociedade civil contestatária, “não aquela juventude selecionada pelo partido no poder ou pelo seu partido”, defende o ativista Kambolo Tiaka Tiaka.
“Deve conversar com aquela juventude que está preocupada de facto com o desenvolvimento do país. Essa juventude que tem saído às ruas, essa juventude que tem clamado pelo emprego, essa juventude que é a vítima dessa má governação”, conclui o jovem.