Até onde vai o nosso conhecimento, apenas o Novo Jornal olhou “com olhos de ver” a última pesquisa da Marktest em Angola, que coloca a ZAP Novelas no topo das audiências televisivas no país. Resultados esperados
O estudo citado pelo NJ refere que a TV Zimbo perdeu a liderança para o canal de novelas de Isabel dos Santos.
Líder das audiências nos últimos três estudos de mercado, a estação televisiva de Talatona foi destronada sem apelo nem agravo. No estudo, a ZAP Novelas acolheu a simpatia de 20,6 dos inqueridos, ao passo que a TV Zimbo couberam 17% das preferências.
Com toda a naturalidade, o principal canal da Televisão Pública de Angola ficou-se pelo terceiro lugar, com desonrosos 8,8% das preferências dos telespectadores.
Perturbadoras nessa pesquisa de mercado, não são, apenas, a fulgurante ascensão de um canal de novelas, mas, sobretudo, as razões e a indiferença dos que vão cedendo terreno.
A TV Zimbo reagiu com olímpica indiferença.
Já acostumada a ser preterida, a Televisão Pública de Angola por certo que nem deu pela realização do estudo.
Há motivos bastantes para encarar os resultados da pesquisa da Marktest com inquietação.
O crescente divórcio do público com os canais televisivos tutelados pelo Estado tem e deve merecer reflexão.
Alguém, seja na Presidência da República, seja na sede do MPLA, tem de levar às mãos à cabeça para reflectir sobre as causas desse divórcio.
No editorial que escreveu a propósito no Novo Jornal, Armindo Laureano, tcp Salambende Mucari, foi indulgente. No essencial, ele atribui a queda da TV Zimbo e TPA ao excesso de informação sobre a pandemia da Covid-19.
“A TPA 1 e a TV Zimbo colocaram a informação na chamada linha da frente, ajustaram conteúdos, tendo a Covid-19 como uma espécie de Alfa Ómega de quase toda a informação> (…) As pessoas ligavam a televisão e era-lhes logo dada informação sobre a Covid-19, número de infectados, doentes recuperados e mortos. Ainfodemia (termo que a Organização Mundial da Saúde adoptou para caracterizar informações inverídicas sobre a pandemia da Covid-19) afastou as pessoas e, em determinado período, elas decidiram ‘desligar a ficha’, foram procurando conteúdos alternativos, foram atrás de uma programação menos ‘cinzenta’ e mais ‘colorida’”.
Evitando pôr o dedo na ferida, Armindo Laureano “ancorou-se”, contudo, numa explicação que não resiste à comparação com realidades que bem conhecemos.
No Brasil, apesar da extensa programação que dedica à pandemia da Covid-19, sendo, indiscutivelmente o “carro chefe” nesse domínio, a TV Globo não perdeu terreno em audiência. Pelo contrário. A informação sobre a Covid-19 baseada na ciência e a denúncia do negacionismo de Jair Bolsonaro renderam àquela estação televisiva muito mais admiração dos brasileiros.
Em Angola, não é a Covid-19 que afastou os telespectadores da TV Zimbo e da TPA 1.
Desde que passou para a esfera “pública”, a TV Zimbo deixou de ter qualquer preocupação com a audiência. Os biliões de Kwanzas que o Executivo, por via do respectivo departamento ministerial, injecta mensalmente na Zimbo retiraram aos seus gestores inquietações de toda a natureza. Com os salários e todas as despesas operacionais assegurados pelos cofres públicos, aos gestores da Zimbo é apenas exigido a adequação diária da estação ao propósito para o qual foi “arrestado”: servir de caixa de ressonância do Executivo e do partido que o apoia.
No “novo paradigma” estabelecido para a TV Zimbo não entram preocupações com a audiências e menos ainda respeito e consideração pelos telespectadores.
Nenhuma estação televisiva com preocupações de índole comercial – e isso implica, inevitavelmente respeito pelos telespectadores – transformaria o seu principal noticiário da semana num palco em que dois sujeitos, sendo um populista metido a sabichão e outro permanentemente alheado de tudo, tagarelam sobre o papel da banana na formação do salário mínimo nacional.
Uma televisão que viva do seu “suor” não dá espaço semanal a dois “curandeiros” de política.
Igualmente focada no seu “core business”, que é o de lavar e ensaboar a encardida imagem do Executivo e do seu suporte partidário, a TPA partilha o mesmo desrespeito para com o telespectador. Por isso, transformou, também, o debate dominical num espaço em que dois “siameses” se repetem nas ideias e nas palavras.
Uma televisão que respeite os telespectadores não os submete ao martírio de “aturar” gente que faz da política a única escada para ascensão na vida.
Enquanto uma, TV Zimbo, e outra, TPA 1, não forem pressionados pela necessidade de gerar receitas continuarão a ser espaços de propaganda do Executivo e do seu partido de suporte. É através delas que o Executivo mostra “realizações” que nada levam à mesa do cidadão.
Transformadas em armas de arremesso político do Executivo, a TV Zimbo e a TPA fazem, elas também, por merecer a repulsa dos cidadãos.
Numa e noutra televisão há gente a fazer com muita convicção e entusiasmo o papel de mera caixa de ressonância. Gente que é reincidente.
Há, nitidamente, gente a aplaudir os resultados da pesquisa da Marktest. O crescente divórcio dos cidadãos da comunicação social pública atende desígnios estudados: quanto mais afastada de informação séria e credível, menos exigente é a sociedade.
A pouco mais de um ano das próximas eleições, a alguns sectores convém mesmo que a sociedade se aliene cada vez mais.
É que uma sociedade informada pode fazer exigências como boa gestão da rés pública ou eleições transparentes.
Para o nosso “ establishment”, os resultados da Marktest vieram mesmo a calhar, na medida em que traduzem a colheita do que foi plantado.
Vivendo ainda dos louros do passado, a TV Zimbo insiste, em alguns casos, em considerar-se a ” número 1″. Tem razão: quando se trata de enaltecer o Executivo e seus ( imaginários e verdadeiros) feitos, a Zimbo, em muitos casos, supera a TPA, ficando-lhe muito bem o primeiro lugar na bajulação.
Mais humilde, a TPA contenta-se com o seu papel de sempre: correia de transmissão de todos os detentores circunstaciais do poder. Ou seja, a maria que vai com tudo e todos…