Armando Manuel, na sua primeira entrevista na qualidade de director executivo do Grupo Banco Mundial, partilha desafios ao assumir as rédeas e a voz de três países: Angola, Nigéria e África do Sul.
Foi eleito director executivo do Grupo Banco Mundial. Como se sente neste novo desafio?
Sinto-me desafiado ao estar na presença de mais uma oportunidade para servir com senso de missão. Depois das Nações Unidas, o Banco Mundial constitui a segunda instituição com maior índice de diversidade e inclusão, congregando quase todos os povos do mundo em torno de dois objectivos: o de aliviar a pobreza extrema e partilhar a prosperidade, por intermédio de produtos financeiros e por via da disseminação do conhecimento em áreas temáticas específicas. Certamente, é um desafio, mas também um prazer servir à escala mundial.
Qual será, em termos práticos, o seu papel?
O meu papel compreende dois grandes pilares. Um relacionado com a condução da vida fiduciária do Grupo Banco Mundial, GBM, procurando garantir o equilíbrio financeiro do balanço e o cumprimento dos mandatos do GBM (aliviar a pobreza extrema e partilhar a prosperidade na economia global). O outro pilar está centrado na representação dos interesses dos países que fazem parte da constituência que represento (Angola, Nigéria e África do Sul). Os directores executivos representam os interesses dos seus países em matéria de acompanhamento do portfolio junto do GBM. Nesta senda, conduzo os negócios do escritório de representação ANSA (Angola, Nigéria e Africa do Sul), função para a qual fui director adjunto nos dois últimos anos e um dos quais interinei a função de director executivo, em desvirtude do passamento físico do então nigeriano, Mohammed Aruna. De realçar que no exercício desta função, engajo-me bilateralmente com outros parceiros multilaterais em benefício não apenas dos países que represento, mas também do resto de África e sobretudo das economias de rendimento médio. Co-presido também o Comité do Orçamento do GBM e sou membro do Comité dos Recursos Humanos do Banco. No demais acompanho as tarefas do Comité de Auditoria, não sendo membro do mesmo.
Qual é a visão que o Banco Mundial tem de Angola?
O GBM encara Angola como um país com um enorme potencial. O Banco e o FMI reafirmam abertura e apoio ao país com propósito de reequilibrar as contas públicas, melhorar o ambiente de negócios de modo a estimular o investimento privado e devolver a economia na trajectória de crescimento acelerado. Também é visão do GBM que Angola precisa de um crescimento económico inclusivo, capaz de gerar mais empregos nos diversos estractos sociais, de tal maneira que reduza as desigualdades sociais. Uma prioridade de destaque deve ser dada na melhoria do desempenho da governação, canalizando atenção no fortalecimento do capital humano pela via do aperfeiçoando dos processos e elevar os resultados na educação, na saúde e no saneamento, sem menosprezar a importância da redução do alargado défice de infra-estruturas essenciais, como o acesso à eletricidade, às estradas, às telecomunicações para concretizar os dividendos da revolução digital e servir de apoio para a aceleração da produtividade. Nestes domínios descritos, o Banco Mundial dispõe de condições para, de modo continuado, reforçar a parceria com Angola, não apenas com recursos financeiros, mas sobretudo com conhecimento, buscando as melhores experiências de gestão pública e privada experimentadas pelo mundo e adequando-as à realidade do país.
Qual a sua visão da economia angolana hoje?
Angola hoje é um país de rendimento médio baixo, infelizmente o seu PIB caiu quase 46% entre o período de 2014 e 2020, o seu rendimento per capita recuou quase 12 anos, posicionando-se próximo aos níveis do rendimento nacional per capita de 2007, isto devido ao efeitos da pandemia e muito mais da recessão económica causada pela baixa dos preços das matérias-primas de exportação em 2014, tendo-se agravado depois com as sucessivas quebras na produção petrolífera e a imposição de quotas pela OPEP. Este ambiente de ausência de crescimento económico vem sendo vivido também noutros países como a Nigéria e a África do Sul, com grande incidência naquelas economias fortemente dependentes de um leque reduzido de matérias-primas de exportação e com um limitado nível de transformação económica.
Então qual seria o modelo económico mais ajustado para Angola?
Em vários meios académicos e no GBM tem-se discutido sobre a necessidade da adequação do modelo de crescimento económico até então empregue, procurando por um modelo anti-cíclico que garanta um crescimento inclusivo acelerado pela via de um processo de transformação económica, que alargue as demais cadeias de valor, expandindo mais empregos na periferia, aumentando o rendimento per capita e reduzindo as assimetrias no mosaico populacional de tal modo que a economia se torne cada vez mais resiliente dos choques externos. Angola desfruta de um conjunto de vantagens comparativas, todavia torna-se necessário refinar o papel regulador do Estado, precisa emagrecer o tamanho do Estado, reestruturar um conjunto de corporações públicas detentoras de um balanço de activos colossal, porém operando em níveis de ineficiência pura, criando passivos para o Tesouro que, por sua vez, constitui um elevado custo de oportunidade por via do crowding-out do financiamento que é requerido pelo sector privado, para a geração de empregos e para o aumento da oferta. Entretanto, a aplicação deste receituário não se resume em curtas linhas de um texto ou não se limita na prescrição sequenciada de simples passos predefinidos.
Fale-nos do portfolio do Banco Mundial com Angola e das perspectivas de apoio à economia angolana?
À presente data, o portfolio do Banco com Angola, soma compromissos líquidos de 1.850 milhões de dólares, distribuídos em 87.1% pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento(IBRD), 8.5% Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA) e 4.4% com a Corporação Financeira Internacional (IFC). Destes 905,3 milhões de dólares estão por desembolsar. Enquanto que o nível de exposição (desembolsados & pendências) soma 1.247,4 milhões de dólares compostos por 461.9 milhões de dólares com o IBRD, 546.1 milhões de dólares com o IDA, 21.3 milhões de dólares e 218.1 milhões de dólares com a Agência Multilateral de Garantia de Investimento (MIGA).
A carteira está concentrada em projectos no domínio da Administração Pública, Proteção Social, Saúde e Água. Historicamente, já foram concluídos 97 projectos, representando um volume de compromissos na ordem de 2 biliões de dólares. Como perspectiva de curto prazo, Angola deve beneficiar, para o OGE 2021, de um apoio orçamental no âmbito das reformas em curso; seguindo-se de outras acções no domínio do empoderamento de jovens do género feminino. Recentemente entrou em vigor a garantia do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento na ordem de 500 milhões de dólares com capacidade de alavancar recursos acima do dobro do seu valor, tendo como fim financiar o projecto de aumento da distribuição de água em Luanda, a partir do Bita. Destacar também que o Grupo Banco Mundial aprovou um pacote global de 12 biliões de dólares para apoiar os vários países membros no financiamento e aquisição das vacinas da pandemia Covid-19, tendo para o efeito o GBM encaminhando já uma carta à ministra das Saúde de Angola, Sílvia Lutucuta, para preparar o programa de necessidades de Angola e submeter a candidatura ao GBM.
Paralelamente, a grande expectativa vai para a consolidação da presença do IFC em Angola, até então vem sendo feitas operações de trading finance, esperando-se que num futuro próximo se tenha uma presença mais activa, estabelecendo parcerias com o sector privado, na atribuição de empréstimos e na prestação de serviços de consultoria. A recente divulgação do diagnóstico do sector privado, permitiu elencar seis sectores prioritários, a saber: Energia, Agronegócio, Telecomunicações e Tecnologias de Informação, Educação, Transportes e o Acesso aos Financiamentos. Entretanto, para a concretização desta agenda, as autoridades angolanas devem conduzir reformas específicas com propósito de mitigar determinados riscos ao investimento.
Dos países que tem em mãos – Angola, Nigéria e África do Sul – qual considera o mais exigente?
Estas economias partilham de características comuns, mas cada uma delas tem as suas especificidades. Neste contexto, a nível do Conselho de Administração do GBM, tenho doseado a minha voz, explorando a dimensão e particularidades de cada uma das economias que represento.
Antes de integrar o GBM, esteve no FMI, fale-nos um pouco da sua experiência internacional.
Meses depois de ter deixado as funções de ministro das finanças de Angola em 2016, recebi o convite para integrar o Fundo Monetário Internacional na qualidade de expert em assuntos fiscais. Inicialmente, trabalhei com os países africanos de expressão portuguesa, provendo assistência técnica em Gestão das Finanças Públicas. Nesta altura, encontrava-me baseado em Luanda e apenas viajava para as missões de serviço em Maputo, São Tomé, Praia e Guiné-Bissau. Foram períodos interessantes, poder assessorar os Governos destes países nos vastos temas da Gestão das Finanças Públicas, compenetrar-me na profundidade dos desafios de África, dos problemas comuns e das realidades especificas de cada país. Um ano depois fui convidado a instalar-me em Washington DC na sequência de uma vaga contratual de conselheiro residente, no Departamento de Assuntos Fiscais. Nesta altura o meu portfolio manteve-se o mesmo, com os países africanos, porém passei a acompanhar também os programas de Assistência Técnica da Nicarágua, da Guatemala e Comores.
Também acumulou a vida académica com a vida pública… Iniciei a vida profissional muito cedo, quando comparado com o padrão ordinário da nossa sociedade.
Tinha eu 16 anos quando ingressei no Ministério da Educação na qualidade de professor. Pela contagem dos anos não fico distante da reforma. Ora, a academia é certamente um porto destino potencial para continuar a partilhar as experiências do saber com a nova geração. Por último, estamos a entrar em 2021, como pretende que o seu legado seja lembrado nesta instituição? Fazendo um bom trabalho é tudo quanto almejamos. Estou convicto de que num mercado altamente competitivo, fazendo um bom trabalho permite abrir portas a outros servidores africanos, a outros cidadãos angolanos, nigerianos e sul africanos. Isto requer que tenhamos de labutar com dedicação e, acima de tudo, com um abnegado espírito de entrega, dando o nosso melhor, mas também procurando aprender mais e mais.
Forbes Angola