ANGOLA: O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO “COMBATE À CORRUPÇÃO”

A elaboração deste tema vem na sequência da solicitação da Organização da 6ª Assembleia geral das Instituições Supremas de Controlo da CPLP.
 
Pela finalidade pretendida, foi elaborado um texto conciso, julgamos igualmente preciso, sobre o Papel dos Tribunais de Contas no Combate à Corrupção. Na abordagem do tema, começamos por analisar o estado da situação, ou seja, do fenómeno corrupção e do seu combate como matéria de competência dos Tribunais: é o que se trata no primeiro ponto deste trabalho. Em segundo plano, julgamos por bem apresentar a definição conceitual e etimológica do termo. Por razões de exposição, tratamos aqui, com a brevidade que o trabalho requer, das consequências da corrupção. O ponto número 3, chamemo-lo o cerne do tema, fala do Papel dos Tribunas de contas no combate a corrupção.
 
Aqui, tratamos em essência dos recursos de que os Tribunais dispõem quer nos processos de visto como nas auditorias para contribuir na luta contra a corrupção. A magna conclusão tirada deste trabalho é que o combate à corrupção passa sobretudo pela criação da cultura de transparência e prestação de contas (accountability), que numa só palavra informam o conceito de boa gestão do erário público.
 
Não obstante à dimensão do trabalho, foram observados o rigor e a metodologia científica, pelo que julgamos corresponder a expectativa pelo que o trabalho foi proposto.
 
Tribunal de Contas
 
O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO COMBATE À CORRUPÇÃO
 
  • 1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
 
O Papel dos Tribunais de Contas no combate à corrupção é um tema de actualidade e importância capital nos dias que correm.
 
Como sabemos, ainda que se vislumbre alguma luz no fundo do túnel, vivemos numa era de recessão económica devida, além das próprias políticas económicas mal aplicadas e, talvez concebidas, da corrupção de que enfermam, em maior ou menor escala as nossas sociedades. Se o estudo e reavaliação das políticas macroeconómicas a aplicar é tarefa acometida aos políticos, executivos e especialistas nos diversos níveis a que lhes compete contribuir, o combate da corrupção nas suas várias manifestações é tarefa acometida aos Tribunais (latu sensu, das Instituições Supremas de controlo), dentro das competências especificas que os Diverso ordenamentos jurídicos lhe reservam para o efeito.
 
A afirmação segundo a qual o combate à corrupção é tarefa atribuída às Cortes de Contas, numa análise preliminar, não é inteiramente pacífica.
 
De facto, descortinados os elementos em que a corrupção se revela ( furto, uso de influências, nepotismo, fuga ao fisco, preterição de procedimentos legais de carácter imperativo, abuso de confiança, peculato, entre mais), o seu combate extravasa a medida de dizer o Direito atribuído aos Tribunais de Contas, que grosso modo se circunscreve em fiscalizar a actividade financeira do Estado e de outros Entes designados por Lei.
 
Em boa verdade, os vários predicados de um acto ou conduta corrupta representam matérias prosseguidas em sede de fóruns criminais, dali que sejam os Tribunais Penais e os órgãos de polícia as instância de combate a corrupção.
 
De qualquer modo, uma análise mais profunda leva-nos a convocar o tratamento desta matéria para as Cortes de Contas e a reconhecer o papel relevante destas instituições na matéria.
 
  • 2. O CONCEITO E ETIMOLOGIA DO TERMO
 
Antes de entrarmos na consideração profunda sobre o papel dos Tribunais de Contas no combate a corrupção, impõe-se nos uma análise conceitual da palavra corrupção e suas consequências.
Etimologicamente, a palavra corrupção deriva do latim corruptus que, numa primeira acepção, significa quebrado em pedaços e numa segunda acepção, apodrecido, pútrido. Por conseguinte, o verbo corromper significa tornar pútrido, podre, degenerar.
 
Entre as várias noções que têm sido dadas, variando de acordo a prespectiva de abordagem do tema, a noção que nos parece mais abrangente, define a corrupção como “o uso ilegal – por parte de governantes, funcionários públicos
 
1 e agentes privados – do poder político e financeiro de organismos ou agências governamentais com o objectivo de transferir renda pública ou privada de maneira criminosa para determinados indivíduos ou grupos de indivíduos ligados por quaisquer laços de interesse comum – como, por exemplo, negócios, localidade de moradia, etnia ou de fé religiosa”
 
2, o que implica que as leis e as políticas de governo são usadas para beneficiar os agentes económicos corruptos e não a população do país como um todo.
 
Chamamos aqui o conceito de funcionário na abrangência definida pela Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção: Por “funcionário público” se entenderá:
 
i) toda pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial de um Estado Parte, já designado ou empossado, permanente ou temporário, remunerado ou honorário, seja qual for o tempo dessa pessoa no cargo;
 
ii) toda pessoa que desempenhe uma função pública, inclusive em um organismo público ou numa empresa pública, ou que preste um serviço público, segundo definido na legislação interna do Estado Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado Parte;
 
iii) toda pessoa definida como “funcionário público” na legislação interna de um Estado Parte.
 
pt.wikipedia.org/wiki/Corrupção_política, acesso em 10 de Setembro de 10.
 
 
Como consequências imediatas do fenómeno, temos as distorções económicas no sector público ao serem afectados sectores da economia e da sociedade, como a educação, saúde e segurança. Além disso, a falta de transparência que caracteriza a corrupção leva os agentes privados e públicos a aumentar a complexidade técnica dos projectos de investimento e, com isso, o seu custo. Isto distorce ainda mais os investimentos. Por esta razão, a qualidade dos serviços e das infraestruturas diminui.
 
“Em contrapartida, a corrupção aumenta as pressões sobre o orçamento do governo. Em seguida, esta pressão se reflecte sobre a sociedade com o aumento dos níveis de cobrança de impostos, taxas e tributos”
 
 
 
  • 3. DO PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
 
O quadro acima traçado demonstra a gravidade do fenómeno corrupção e as suas nefastas consequências sobre o Orçamento Geral do Estado, e da economia no seu todo. Eis a razão porque os Tribunais de Contas enquanto órgãos jurisdicionais de controlo das finanças publicas são convocados a contribuir para o combate a corrupção. E este será efectuado através dos modos tradicionais em que se efectiva a fiscalização por si realizada aos entes sob sua jurisdição : processos de visto, auditorias, inquéritos, prestações de contas, averiguações, e a efectivação de responsabilidade financeira.
 
 
  • 3. 1. O COMBATE DA CORRUPÇÃO NOS PROCESSOS DE VISTO
 
Comecemos por analisar o combate da corrupção nos processos de visto. Aos Tribunais de contas assiste uma oportunidade impar para contribuir para o combate à corrupção nos processos de visto ou fiscalização preventiva latu sensu. A fiscalização preventiva, citando a Lei angolana, tem por finalidade verificar se os actos e os contratos a ela sujeitos estão conforme às leis vigentes e se os encargos deles decorrentes têm cabimentação orçamental.
 
A corrupção nos moldes já definidos nesta sede estará presente nos processos, cujos contratos não obedeceram aos requisitos legais ( falta de concurso público ou preterição de algumas das suas formalidades, o que ao fim e ao cabo têm o mesmo efeito, aposição no contrato de cláusulas prejudiciais ao Estado, fixação de Down paymments superiores ao Legalmente estabelecido, a não prestação de caução e, entre mais, a celebração de contratos com empresas sem as habilitações exigidas para o efeito).
 
Na linha do exposto, a Convencerão das Nações Unidas Contra a Corrupção, no artigo 9º, Sobre a contratação pública dispõe sobre a necessidade de os Estados partes adoptarem medidas com vista a prevenirem os aspectos acima referidos, que grosso modo, configuram a corrupção :
 
1. Cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, adoptará as medidas necessárias para estabelecer sistemas apropriados de contratação pública, baseados na transparência, na competência e em critérios objectivos de adopção de decisões, que sejam eficazes, entre outras coisas, para prevenir a corrupção. Esses sistemas, em cuja aplicação se poderá ter em conta valores mínimos apropriados, deverão abordar, entre outras coisas:
 
a) A difusão pública de informação relativa a procedimentos de contratação pública e contratos, incluída informação sobre licitações e informação pertinente ou oportuna sobre a adjudicação de contratos, a fim de que os licitadores potenciais disponham de tempo suficiente para preparar e apresentar suas ofertas;
 
b) A formulação prévia das condições de participação, incluídos critérios de selecção e adjudicação e regras de licitação, assim como sua publicação;
 
c) A aplicação de critérios objectivos e predeterminados para a adoção de decisões sobre a contratação pública a fim de facilitar a posterior verificação da aplicação correcta das
regras ou procedimentos;
 
d) Um mecanismo eficaz de exame interno, incluindo um sistema eficaz de apelação, para garantir recursos e soluções legais no caso de não se respeitarem as regras ou os procedimentos estabelecidos conforme o presente parágrafo.
 
Podendo os Tribunais de Contas, em sede da fiscalização preventiva verificar a legalidade dos actos e contratos que lhes são submetidos, temos de concluir que pende sobre estas instituições uma grande responsabilidade no combate à corrupção.
 
Não obstante à consagração legal do poder de controlo reconhecido aos Tribunais de Contas, o controlo efectivo da corrupção passa pela capacitação institucional dos Tribunais, com a formação dos recursos humanos e com a adopção das tecnologias modernas, mormente as tecnologias de comunicação e informação.
 
  • 3.2. O COMBATE À CORRUPÇÃO EM SEDE DA SUCESSIVA.
 
A fiscalização sucessiva efectiva-se através da verificação de contas (interna e externa), inquéritos e da efectivação de responsabilidade financeira. Atenhamo-nos às auditorias5, enquanto acções características de todas as Cortes de Contas, latu sensu, das Instituições Supremas de Controlo, analisando os seus objectivos:
 
 
O conceito auditoria na sua globalidade. Embora os Tribunais de Contas, pela sua natureza, se propendam para a realização de auditorias financeiras e, sobretudo, de regularidade, fundadas na verificação da pratica de actos e celebração de contratos dentro dos marcos legais, ou seja, observância das normas sobre os actos, a prática revela que este âmbito clássico da concepção das auditorias seja alargada para a verificação da eficiência, eficácia e economicidade. Estaremos no universo das auditorias de desempenho ou Value for Money, no conceito do Westminster.
 
 
O objectivo de uma auditoria, segundo as normas internacionais de Auditoria é, exprimir uma opinião sobre o relatório financeiro da entidade baseada na certeza de que o mesmo relatório está livre de falhas devidas a erros ou fraudes. Embora não se possa afirmar que o objectivo da auditoria é a detecção de erros e fraudes, a emissão de uma opinião com base na certeza de que o Relatório financeiro está livre de fraudes e erros materiais, elementos que conformam a figura da corrupção, leva-nos a considerar que pelas auditorias os Tribunais de contas dispõem de um instrumento de combate à Corrupção.
 
Mais: independentemente das constatações de auditoria, que terão um efeito repressivo, as recomendações feitas melhoram a gestão prevenindo–se futuros actos de má gestão.
 
Havendo matérias para a efectivação da responsabilidade financeira reintegratória ou sancionatória em fase jurisdicional, os Tribunais de Contas desempenham um duplo papel no combate à corrupção: a repressão, na condenação ao pagamento de uma multa, ou na reposição dos valores indevidamente utilizados, e a prevenção quer geral, quer especial, na medida da condenação.
 
  • 3.3. A CULTURA DA BOA GESTÃO DO ERÁRIO PÚBLICO
 
Com o esforço conjugado de todos as Instituições públicas e privadas, o combate a corrupção passa pela criação nos agentes públicos de uma cultura de transparência, prestação de contas, em suma, boa gestão do erário público. Para este efeito, o papel pedagógico dos Tribunais é importante. É neste sentido, citando um exemplo local(Angola), que o Tribunal tem promovido para os gestores públicos (abertos a todos os interessados) Seminários e Workshops sobre a boa gestão, compreendendo matérias de várias ordens, como a prestação de contas ao Tribunal, a instrução dos processos de visto, os processos de contratação para o Estado, admissões e promoções na função pública, entre mais. É ainda de realçar o Programa televisivo “Transparência” através do qual o Tribunal informa e forma o público em geral sobre as funções do Tribunal de Contas e os modos pelos quais os particulares/administrados podem contribuir para a gestão do erário público.
 
De tudo o que ficou dito, concluímos no seguinte:
 
1. Sendo a corrupção um mal que destrói e ameaça a economia, com reflexos sobre a sociedade no seu todo, é imperioso que os Tribunais de Contas, dentro do escopo de actuação que se lhes reserva cada Ordenamento Jurídico, devem aperfeiçoar a sua actuação para combater este mal.
 
2. O combate a corrupção não é tarefa acometida exclusivamente aos Tribunais de Contas. Trata-se de uma matéria transversal, pelo que, no seu combate, deve haver a articulação com outros órgãos do Estado;
 
3. O melhor papel que os Tribunais podem desempenhar para combater a corrupção é criar na Sociedade a cultura de boa governação, bem como incentivar o controlo social.
 
4. Para o sucesso da missão urge o reforço da capacidade institucional, munindo-se de meios e recursos à altura das actuais exigências.
 
 
BIBIOGRAFIA
ANGOLA, Lei n. 13/10, de 9 de Junho, Lei do Organização e do Processo do Tribunal de Contas; Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção;
NATIONAL Audit Office(NOA), International Training Course Financial Audit September 2005;
ORGANIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE CONTROLO INTERNO DA CPLP, II Assembleia Geral, Luanda, 6-8 de Novembro de 2002, Centro de Estudos e Formação, Lisboa, 2004;
OXFORD UNIVERSITY PRESS, Oxford Advanced Learner´s Dictionary 7ª
Ed. , Oxford, 2006
de 2010.
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