Angola: O que está por trás da “Turma do Apito”?

Políticos e ativistas alertam que a brigada de vigilância comunitária serviria para intimidar críticos do MPLA. Justiceiros teriam surgido de um projeto do político Tomás Bica, atual administrador municipal do Cazenga.

Só no distrito de Sambizaga, em Luanda, onde a primeira Turma do Apito nasceu há dois anos, contam-se mais de cem membros. Boa parte de seus integrantes é alegadamente composta por ex-criminosos que agora prendem e espancam os seus antigos comparsas.

Os milicianos são geralmente jovens que mal frequentaram a escola e lidam constantemente com desemprego. Ingressaram nas fileiras destas organizações com a promessa de que serão enquadrados na Polícia Nacional e no Serviço de Proteção Civil e Bombeiros.

A Turma do Apito ganhou novas células em Luanda depois de Tomás Bica assumir as funções de administrador do Cazenga, em dezembro de 2020. A existência do grupo divide opiniões. Alguns dizem que a milícia realmente combate a criminalidade, outros defendem a dissolução do grupo por “violar os direitos humanos”.

“A Turma do Apito só atua de noite, e seus integrantes veem mascarados. Como munícipe nem consigo identificar quem me interpela e com quem estou a lidar”, reclama Carlos Lupini, morador do distrito de Hoji-ya-Henda, no Cazenga.

Atuação controversa

Lupini diz que os milicianos não apresentam identificação. Costuma entram nas casas dos moradores dos bairros, espancar inocentes e até levar objetos das casas das pessoas. “Isso não é uma simples acusação. Digo isso com propriedade”, salienta.

A DW África conversou com um miliciano, que aceitou falar sob anonimato. O integrante da Turma do Apito confirmou que, durante averiguações, apropriam-se de bens do suspeito. “Eles não são pagos e ficam com os meios dos gatunos e os dividem”, esclarece.

Para o membro da Plataforma Cazenga em Ação (PLACA), Xitu Milongu, o grupo foi mal estruturado. O ativista entende que a Turma do Apito não é de todo má, mas “deve ser devidamente estruturada”.

“Da forma como está, é milícia. Eles usam armas brancas, como facas, catanas, pau de basebol, porretes… Ou seja, materiais contundentes para molestar os cidadãos”, constata.

Milongo entende que o grupo de “justiceiros” foi implantado no Cazenga para intimidar e ofuscar os jovens que exigem transparência na gestão dos fundos arrecadados pela administração municipal.

“Os revús têm que ter muito cuidado com a turma do apito. Pode dar-se o caso que esta massa contestatária pode estar a desaparecer gradualmente, porque a Turma do Apito foi criada para a manutenção do poder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Eles criam caos para depois aparecer com a solução dos problemas”, critica.

Para Milongu, os menos atentos dizem que a Turma do Apito veio para salvaguardar a segurança pública, mas essa seria uma visão errada da milícia. “Se você fizer uma ronda nas cantinas dos “Mamadus”, a opinião não será a mesma porque a Turma do Apito tem extorquido estas pessoas, alegando que prestam um serviço de segurança para a comunidade”, denuncia o ativista da PLACA.

O silêncio das autoridades

As autoridades angolanas não se pronunciam sobre a existência deste grupo. O porta-voz da Polícia Nacional em Luanda, Nestor Goubel, recebeu os questionamentos da DW África, mas não os respondeu.

Para o historiador Pick Ngundi-A-Nkazi, o assunto é do conhecimento do Presidente João Lourenço e o seu silêncio demonstra cumplicidade. Ngundi-A-Nkazi diz que os jovens são usados pelo partido no poder com a falsa promessa de emprego na Polícia Nacional. A finalidade disso seria uma espécie de cooptação para que os milicianos intimidem os críticos do regime.

Ngundi-A-Nkazi lembra que quase nove mil integrantes das Forças Armadas Angolanas (FAA) estão a espera de serem efetivados na Polícia Nacional. O historiador questiona como poderão os milicianos ingressarem na polícia com tamanha fila de espera?

“Isso é tráfico de influência. Ou seja, como Tomás Bica é um meliante do MPLA, não é militante apenas, é um meliante do MPLA, vai arranjar uma forma de enquadrar aqueles miúdos na polícia. A pergunta que se coloca: Será que eles têm instrução académica e pedagógica para dialogar com o cidadão? Não têm. Eles vão agir com arrogância”, antevê.

Oposição quer esclarecimentos

No princípio deste mês, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) formalizou na Assembleia Nacional a solicitação de audição do administrador do Cazenga, Tomás Bica, sobre a Turma do Apito.

O Parlamento, entretanto, ainda não atendeu a solicitação. Em declarações à DW África, o deputado da UNITA, Nelito Ekuikui, disse que a existência deste grupo interessa as autoridades angolanas.

“Acredito que o último fim desta milícia é eleitoral. É colocar medo, é controlar as pessoas, é restringir liberdades. As comissões de moradores dos bairros são seguidas com um elemento paramilitar, que são estas milícias, Turma do Apito, que não deviam ter lugar. Mas as autoridades estão interessadas nisso. É o controlo do poder”, frisou o parlamentar.

A DW África também procurou ouvir Bica, mas não teve sucesso.

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