Angola: ONG OMUNGA pronuncia-se “julgamento de ativista” detido em evento de promoção a leitura

Decorreu ontem 08 de junho de 2021, no Tribunal Municipal do Bocoio, o julgamento sumário do activista Rui Martelo, detido no dia 04 de Junho de 2021, no municipio do Balombo, quando participava numa actividade denominada “Feira do Livro” cujo objectivo é de promover o hábito pela leitura no seio dos munícipes; Dizer também que a referida feira do livro foi motivada em alusão as festividades da Vila Norton de Matos (Balombo).

Factos:

I
No dia 02 de Junho de 2021, três jovens estudantes pertencentes ao Movimento Estudantil de Angola (MEA) assinaram e endereçaram uma carta à Administração Municipal, com o intuito de informar sobre a pretensão da realização da feira, nos dias 03 e 04 de junho de 2021;

II

Os organizadores não tiveram a resposta da administração;

III

No dia 03 de junho, a feira foi organizada sob o olhar pávido e sereno das autoridades a nível do municipio, que até circulavam nos arredores do parque infantil onde decorria a actividade, que teve o seu início as 09 horas e terminou por volta das 18 horas.

IV

No dia seguinte, isto é dia 04, os organizadores voltaram no local para darem continuidade do evento, quando por volta das 10 horas foram surpreendidos por dois agentes da polícia nacional do departamento de educação moral e cívica, que pediram que os organizadores parassem com a feira e ao mesmo tempo se retirassem do local;

V

Por sua vez os organizadores da feira, tendo rebatido a solicitação dos agentes exigiram que os mesmos exibissem um documento que legitimasse a sua acção; documento este que deveria vir da administração municipal ou do comando municipal, uma vez que era o segundo dia que estavam a realizar a actividade; os dois agentes se retiraram e comunicaram imediatmente com o comandante municipal. Este por sua vez, decidiu tomar as rédeas do jogo. Passando alguns minutos se fez presente no local, também com o propósito de encerrar a feira do livro e pedir a retirada dos organizadores e dos leitores que se encontravam a ler;

VI

O activista Rui Martelo, mesmo não sendo um dos subscritores da carta endereçada à administração, era nele onde estava concentrada toda atenção das autoridades, foi assim que tão logo o Sr. Comandante se fez presente no local dirigiu-se a ele, com o intuito de o persuadir a abandonar o espaço, o mesmo negou por considerar que não havia legitimidade da parte do Sr. Comandante, em acto continuo surgiram cenas sobre a gravação ou não-gravação da conversa, a partir deste momento o Sr. Comandante ordena a detenção do activista Rui Martelo e consequentemente a apreensão de cerca de 100 livros e 12 cartilhas sobre temas diversos;

VII

Depois do incidente, o activista Rui Martelo foi compulsoriamente levado para o interior da viatura, onde por alguns minutos perdeu sentidos, ao ponto de merecer de uma intervenção médica;

VIII

O que é certo é que não ficou provado em Tribunal se houve ou não gravação da conversa, entre o Sr. Comandante municipal do Balombo e os organizadores da feira de leitura;

Olhando para os factos supracitados e sem querer entrar pelo mérito da questão, até porque estamos a falar de processo sumário, cujo julgamento ocorreu ontem no tribunal do Bocoio, onde por sua vez o Ministério Público acusou o arguido (no caso o activista Rui Martelo), nos crimes de desobediência e resistência contra os agentes da policia, pedindo assim uma condenação não inferior à seis meses nos termos do artigo 340º do codigo penal. Felizmente a pretensão do Ministério Público não procedeu, o Tribunal absolveu o arguido de todas as acusações.

Lições a tirar neste processo e o entendimento da OMUNGA e os respectivos enquadramento na perspectiva dos Direitos Humanos

Ficamos a saber que Administração Municipal do Balombo catalogou os jovens do município que constam na lista dos indiciplinados e o activista Rui Martelo pelos vistos encabeça a lista, razão pela qual toda e qualquer iniciativa que tenha o envolvimento do activista tem maior probabilidade de ser cancelada; o que não é bom para o crescimento e desenvolvimento do município, esta acção desencoraja as iniciativas da juventude, ao mesmo tempo viola o preceito constitucional mormente o artigo 81º nº 3.

Infelizmente a expressão “ordens superiores” ainda continua a ter muita força nos municípios do interior da província, o que vale dizer que os comandantes continuam reféns dos administradores, as decisões vindas de uma administração são para ser cumpridas, sem, no entanto, serem avaliadas as consequências.

Uma vez que a administração pública rege-se pelo principio da legalidade; com isto nos leva a necessidade urgente da realização das autarquias em Angola de modo a garantir um maior comprometimento entre os governantes e governados; autarquia já!

A grande preocupação consiste no facto de que em pleno século XXI, ainda temos governantes que inviabilizam a realização de uma feira de livro, que visa proporcionar a juventude o gosto e hábito pela leitura, isto prova mais uma vez que o governo angolano não tem a educação como uma premissa maior no sentido de proporcionar aos seus cidadãos o desenvolvimento intelectual que engradece a nossa democracia, diz o velho ditado “quem lê um livro, não é a mesma pessoa”, será que os nosso governantes têm receios de serem questionados? Será que têm receio de uma sociedade ou de uma juventude que exige os direitos e garantias fundamentais? As implicações que levaram a impedir a realização da feira no municipio do Balombo se calhar nos ajudam a esclarecer os tais receios.

Para terminar, gostaríamos de enaltecer a imparcialidade do Tribunal do Municipio do Bocoio que não se deixou levar pelas artimanhas do Ministério Público e julgou os factos de acordo a sua consciência e a lei, outra palavra de apresso aos advogados de defesa que souberam muito bem defender o seu constituinte no caso, o activista Rui Martelo.

Lobito, aos 09 de Junho de 2021

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