A UNITA e o Bloco Democrático, partidos da oposição angolana, manifestaram hoje “preocupação” com alegadas investigações relativas a altas figuras do Governo angolano, incluindo o Presidente da República, reveladas por uma consultora, admitindo que “muitos dos dados sejam verdadeiros”.
“Nós tomamos contacto, naturalmente [com a informação citada]. Conhecendo o Expresso como conhecemos, é um jornal que seguramente não se limitou a publicar, investigou, no mínimo preocupa”, afirmou o presidente da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto Costa Júnior, quando questionado pela Lusa sobre a notícia.
A Pangea Risk (antiga Exx-Africa, especializada em análise de gestão de risco em África e no Médio Oriente) refere num relatório datado de 15 de fevereiro que vários dirigentes angolanos, incluindo o Presidente João Lourenço, estão a ser investigados nos Estados Unidos da América (EUA), o que pode comprometer o financiamento multilateral e restruturação da dívida do país lusófono.
O documento a que a Lusa teve acesso e citado pelo jornal Expresso indica que o novo Presidente dos EUA, Joe Biden, vai dar fôlego às investigações, que envolvem João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e vários parceiros de negócios e empresas.
“Qualquer observador do cenário interno sabe, e reafirmamos, que o combate à corrupção em Angola é dirigido”, comentou o líder da UNITA, frisando que “basta ler os conteúdos da lei da Procuradoria-Geral da República (PGR) onde a mesma precisa de ser autorizada pelo Presidente da República para fazer determinados processos de averiguações”.
“Isto é uma restrição enorme”, apontou Costa Júnior, em Luanda, durante uma conferência de imprensa conjunta com o presidente do Bloco Democrático, Justino Pinto de Andrade, e o coordenador do PRA-JA Servir Angola, Abel Chivukuvuku.
Na ocasião, Adalberto Costa Júnior deplorou as modalidades da contratação simplificada no país, considerando-a de “escandalosa”, pois “em três anos de governação de João Lourenço constata-se que mais de 90% da contratação pública é por negociação direta entre os amigos”.
“Não se fazem concursos públicos, com danos extraordinários para os interesses nacionais, e a presidência de João Lourenço é um exemplo prático negativo de incentivo à corrupção através da contratação pública”, considerou.
Já o presidente do Bloco Democrático considerou que as informações da consultora e retomadas pelo Expresso foram alvo de uma “investigação cuidadosa” da publicação.
“Não acredito que tenham caído no erro de fazer sair uma informação daquela sem qualquer investigação prévia, portanto vamos aguardar, até agora há um completo silêncio da parte do poder”, respondeu Justino Pinto de Andrade à Lusa.
“Acredito que muito daquilo que ali está é verdade e todos nós sabemos que muito daquilo que está naquele documento é verdadeiro, portanto não foi com espanto que li a notícia publicada no Expresso”, sustentou.
Desde que chegou ao poder, em 2017, João Lourenço lançou uma intensa campanha anticorrupção que muitos consideram visar essencialmente a família do seu antecessor, José Eduardo dos Santos, sobretudo a filha, Isabel dos Santos, alvo de vários processos que correm os seus trâmites em Portugal e Angola.
A consultora adianta que este posicionamento ajudou Angola a beneficiar de um reforço do programa de assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como facilidades de crédito e apoio de vários parceiros internacionais.
Por outro lado, Angola tornou-se elegível para receber mais de 2,6 mil milhões de dólares (2,14 mil milhões de euros) no âmbito do alívio do serviço de dívida previsto na Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), que o país negociou com os credores internacionais, o que representa 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) angolano e um terço do “alívio” para África.
A Pangea indica que os EUA estão a investigar João Lourenço e membros da sua família por uma série de alegadas violações da legislação sobre práticas de corrupção no estrangeiro (FCPA), transações bancárias ilegais, fraude bancária para compra de propriedades nos Estados Unidos e tentativa de defraudar o Departamento de Justiça norte-americano.
Entre as investigações em curso destacam-se alegações de pagamentos de subornos e comissões ilegais pagas pela brasileira Odebrecht a empresas detidas por João Lourenço, a sua mulher e seus parceiros de negócios mais próximos, bem como alegadas transações suspeitas e fraudulentas feitas por outras companhias controladas pelo Presidente, como a Simportex, ligada ao Ministério da Defesa, bancos e empresas de construção.
A Pangea Risk aponta também o envolvimento com a empresa de ‘lobbying’ e relações públicas Squire Patton Boggs (SPB), a quem terão sido pagos 1.042 milhões de dólares (856 milhões de euros), parte dos quais direcionados para a ERME Capital, sediada em Malta, gerida por Pedro Pinto Ferreira e Maria Mergner, amigos do ex-presidente Manuel Vicente, que a consultora diz ser “um aliado próximo do Presidente Lourenço e rival político e empresarial de Isabel dos Santos”.
Segundo a Pangea, a rede que está alegadamente envolvida na apropriação indevida de fundos do Estado angolano em benefício das suas empresas privadas, bem como financiamento da campanha eleitoral do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, partido do poder) inclui empresas como a Gefi (Gestão e Participação Financeiras), “há muito implicada em contratos opacos com o Estado”.
A rede de João Lourenço inclui um círculo próximo de familiares, incluindo a mulher Ana Dias Lourenço — “que controla a agência de comunicação Orion, que ajuda a financiar o partido e o enriquecimento da família – filhas, sobrinhos e sobrinhas, irmãos e irmãs”, adianta o relatório.
Um segundo círculo inclui empresários proeminentes, ministros e responsáveis públicos, e os “conselheiros de maior confiança como o antigo vice-presidente Manuel Vicente, implicado em vários escândalos em Angola e internacionalmente”.
As investigações incidem também sobre empresas como a construtora Omatapalo, que a Pangea diz estar ligada a João Lourenço e que ganhou em 2019 três contratos com o Estado, superiores a 450 milhões de dólares (370 milhões de euros).
A empresa norte-americana SPB, contratada pelo Governo angolano, disse hoje à Lusa desconhecer qualquer investigação da justiça norte-americana em curso às autoridades de Luanda, incluindo o Presidente, João Lourenço.