Angola: Os limites da “liberdade de expressão nas redes sociais”

A combinação de direitos e garantias dos cidadãos não tem sido implementada nas redes sociais. Por isso, a liberdade de expressão nas redes afigura-se hoje como um direito desmedido, destituído de sentido ético e moral no seu exercício.

Sendo a internet o espaço virtual de socialização por excelência, tem-se assistido aí à proliferação de ataques, ofensas a outrem e incentivos a comportamentos irresponsáveis. A forma como o último presidente dos EUA, Donald Trump, utilizou as suas redes sociais ao longo de quatro anos de mandato nunca causou nenhum tipo de indignação ou de preocupação dos grupos que controlam as redes sociais.

Porque este afirmava-se continuamente como um sujeito de plenos direitos que exercia a sua liberdade e as redes sociais impunham-se como espaços sem regulação ou escrutínio. Somente com a invasão do Capitólio (sede do Congresso dos EUA) começou a sentir-se uma necessidade de contenção do seu discurso, o que ditou que as suas contas fossem banidas das redes.

Esta decisão mereceu muitas críticas por parte dos defensores da liberdade de expressão, que a qualificaram como um autêntico atentado aos direitos de liberdade do último presidente dos EUA. Negligenciando-se, no entanto, que a liberdade de expressão integra um sistema de direitos e de garantias fundamentais, no seio do qual não existem direitos absolutos.

Persiste, de facto, uma supremacia da liberdade de expressão, visto que este instrumento é utilizado para aferir se um determinado regime político pode ser tipificados como democrático ou não democrático.

Nos regimes democráticos, o exercício da liberdade alicerça-se no sentido de responsabilidade individual e colectiva, com maior sentido de responsabilidade dos órgãos de comunicação. Porquanto um órgão de comunicação social deve publicar matérias que não sejam susceptíveis de lesar os direitos de terceiros e primar pelo rigor deontológico.

Um cidadão sentindo-se lesado nos seus direitos pode, muito bem, exercer o seu direito de resposta. Mas, nenhum cidadão consegue recorrer ao mesmo mecanismo de resposta nas redes sociais, quando uma matéria ou publicação afecta o seu bom nome e imagem social. Nas redes sociais cada sujeito possui a sua própria conta e tem, ainda, o livre-arbítrio de fazer o que entender nesse espaço.

A combinação de direitos e de garantias dos cidadãos não tem sido implementada nas redes sociais. Por isso, a liberdade de expressão nas redes afigura-se hoje como um direito desmedido, destituído de sentido ético e moral no seu exercício, configurando-se, por conseguinte, num instrumento, por excelência, de arregimentação das tribos, difamação e insulto, sem se atender aos direitos de terceiros.

Este facto não parece preocupar nenhuma das empresas por trás das redes sociais. No entanto, quando se gera um efeito perverso quem faz a gestão destes espaços acaba por reagir, banindo contas e utilizadores. Nesses casos, o facto está consumado e os danos causados.

Torna-se, ainda assim, importante frisar que as redes sociais apenas adensam a problemática da utilização da liberdade de expressão sem limites. Por exemplo, o filósofo liberal Isaac Berlin, no século XX, considerava que a perspectiva de John Stuart Mill em defesa da liberdade sem limites geraria situações de risco. Visto que seria quase impossível detectar-se uma mentira em contexto de debate e a difusão desta mentira seria susceptível de ter um impacto nefasto na vida de uma pessoa ou de incentivar a ascensão de um regime político perverso.

De facto, a liberdade de expressão sem limites ganhou um espaço de ampliação através das redes sociais. As práticas difamatórias e intrigas das comunidades fechadas ou de pequena escala passaram a poder afirmar-se num espaço virtual de grande escala. Infelizmente, qualquer um de nós está numa posição de vulnerabilidade, podendo ser alvo dos mais vis ataques, sem nunca conseguir repor o seu direito ao bom nome e à sua imagem.

Sérgio Dundão

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