Angola: Por um “banquete” farto e completo

Com os seus “mares” povoados por peixes graúdos, os angolenses já não se contentam com “cabuenhas ou pinhas de pargos”

À mesa da refeição, quando é grande o hiato entre o primeiro prato, geralmente ligeiro, e o segundo, à chegada deste muitos comensais são tomadas pela sensação de saciedade. Não poucas vezes, alguns abrem mesmo mão desse prato.

No caso da TPA, não é se o hiato entre o primeiro “Banquete”, servido em Novembro, e o segundo, que ainda não tem data para ser servido, leve a algumas desistências. Não é mesmo crível que alguém esteja disposto a abdicar do segundo “repasto”. Mesmo porque, segundo tudo indica, a TPA e os seus mentores, parecem conduzir-se pelo princípio de guardar o melhor para o fim.

Na verdade, tudo indica que a TPA está a reunir os “condimentos” para um segundo “Banquete” memorável.

Se se encherem de coragem de coragem e se deixarem guiar pelo sentido de justiça, aqueles que estão a industriar a TPA em caminhos que ela nunca ousou ou ousaria trilhar por iniciativa própria, podem proporcionar aos angolanos aquilo que esteve ausente no primeiro “banquete”, basicamente confecionado à base da nossa conhecida cabuenha.

É já mais ou menos público que uma equipa do “Banquete” e seus cicerones está a andar pelo mundo para filmar casas e outras propriedades de angolanos e que teriam sido adquiridas com dinheiro roubado ao nosso país. Segundo o Correio Angolense soube de boa fonte, a primeira paragem dos “novos inquisidores” foi a ilha-país de Singapura. É exactamente nesse território que se cruzaram e entrecruzaram interesses espúrios da máfia chinesa e da que em Angola é conhecida como a turma do pica-pau amarelo, isto é, a nata passada e presente da Sonangol. É em Singapura onde se dilui a fronteira entre o que é da Sonangol, o que é de chineses e o que pertence conjuntamente a chineses e a antigos e actuais responsáveis da Sonangol. É lá onde estão sedeadas as obtusas China Sinopec International, China International Fund Limitada (CIF Angola, detentor de mais de mil imóveis inacabados, bem como edifícios e estaleiros apreendidos pela PGR),   China Sonangol Internacional Holding (CSIH), detida pela Dayuan International Development Limited (70 por cento), cabendo à empresa angolana a participação minoritária de 30 por cento, entre outras criações das máfias sino-angolanas. Da parte angolana, o pivô de toda essa amálgama sempre foi Manuel Vicente, o antigo patrão da Sonangol.

“Manuel Vicente, como PCA da Sonangol, passou a ser a figura-chave na relação com a China ao garantir os pagamentos em petróleo, enquanto o general Kopelipa assumiu a direcção do GRN. Foi a altura de maior festança na pilhagem dos recursos do país”, segundo escreveu o Maka Angola no dia 3 de Setembro de 2018.

Por conseguinte, é de todo impossível que a equipa do “Banquete” saia de Singapura e Hong Kong (sede de outra confusão chamada China International Fund Limited (CIF Hong Kong), onde também poisou, sem abundantes pistas que conduzam a tubarões como Manuel Vicente, Francisco de Lemos José Maria e derivados.

De acordo com as mais razoáveis expectativas, os “inquisidores” não deixarão de dar um pulo até Houston, no estado norte-americano do Texas, onde por certo se depararão com robustas provas da farra que Baptista Sumbe fez com dinheiro público enquanto durou o seu longo consultado diante da Sonangol/USA.

À mesa do “segundo prato”, os angolanos também querem ver servidos nos pratos nomes como o de Silvestre Tulumba, um ilustre desconhecido que, à sombra de quem se gabava ser seu “tio”, o recém falecido Kundy Paihama, entrou, sem saber, no clube dos bilionários, graças a sucessivos kilapes ao Banco de Poupança e Crédito (BPC). A única garantia que sempre ofereceu ao banco era a sua condição de “sobrinho do general”. Durante toda a sua campanha eleitoral, João Lourenço voou num avião de Silvestre Tulumba. Com relações tão estreitas com o centro do poder, em tese o ex-zé ninguém não deverá ter pressa alguma de regularizar a dívida com o principal banco público e nem recear que o Serviço de Recuperação o Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR lhe bata à porta para lhe retirar o avião e todos os restantes bens que adquiriu com dinheiro público.

Por razões mais do que óbvias, no segundo prato do “Banquete” não faltará um “acepipe” especial chamado Álvaro Sobrinho. Pivô da falência do Banco Espírito Santo (BESA), é também um marimbondo que se encaixa que nem um luva na mão do banquete que está a cozer. Vai ser bom degusta-lo bem tostado. A sua aproximação ao Presidente da República não deve blindá-lo.

Da inimiga de estimação, Isabel dos Santos, o “banquete” já serviu tudo quanto tinha. A expectativa, agora, é sobre o que ela extrairá de Carlos Saturnino, que teve uma passagem efémera pela presidência da Sonangol, mas de quem se diz que as traquinices vêm de longe.

Depois da reportagem da TVI sobre as travessuras financeiras do seu sobrinho, os “cozinheiros” do segundo banquete não terão como excluir do cardápio o ministro da Energia e Águas e as travessuras do seu sobrinho Ricardo Borges. Como diriam os brasileiros, a inclusão de João Baptista Borges já independe da vontade da TPA. É um imperativo nacional.

Nomeado por José Eduardo dos Santos, em 2012, João Baptista Borges é o decano dos ministros no Executivo de João Lourenço. Ele também é o ministro que menos honra a palavra dada. A cada ciclo eleitoral promete levar energia eléctrica aos mais remotos cantos do país. Sob a sua batuta, o país já gastou biliões de dólares na construção de barragens hidroelectricas, mas os resultados são pífios. Luanda, a capital do país, vive permanentemente sob o lusco-fusco.

Além disso, sob o comando de João Baptista Borges, o Ministério da Energia e Águas está envolvido numa intrincada pendenga judicial com um cidadão luso Ricardo Machado. Saído não se sabe de onde, sem qualquer experiência no “métier”, Ricardo Machado viu cair-lhe no colo a gestão de um bilionário negócio que Angola fez com a multinacional General Electric para fornecimento de locomotivas, material ferroviário e turbinas eléctricas, envolvendo mais de 1 bilião de dólares. Não se sabe se por determinação do anterior “dono” país se por iniciativa própria do Ministério da Energia e Águas, a verdade é que a gestão da bilionário negócio foi confiada a Ricardo Machado e à sua desconhecida Aenergy.

A parceria do MINEA com a Aenergy deu para o torto e o cidadão luso hoje pleiteia num tribunal de Nova Iorque uma indemnização de mais de meio bilião de dólares.

Em Angola, JBB nunca foi “apertado” por nenhuma instituição para explicar os contornos de tão pouco recomendável parceria. Nos corredores dos centros do poder, JBB acusa a Aenergy de pouca seriedade e inexperiência. Mas a verdade é que teve lá a trabalhar familiares muito próximos.

O que se espera que venha a ser um suculento “repasto” terminará em grande se à sobremessa forem desnudadas as obscuras actividades da maior parte dos filhos dos maiores marimbondos do país. Quase todos eles imberbes, que nunca tiveram qualquer actividade pública conhecida, esses fedelhos movimentam no exterior do país contas milionárias. Seria interessante que esse segundo “round” de o “Banquete” nos explicasse onde e por que Edmilson e Mirco Martins, ambos enteados de Manuel Vicente, movimentam tantos e tantos milhões em Portugal e em paraísos fiscais. O mesmo é válido para Ivan  Morais, filho de José Pedro de Morais, antigo ministro das Finanças e duas vezes governador do Banco Nacional de Angola no governo de José Eduardo dos Santos. Outro que deve explicar a origem dos milhões que lhe caíram no colo é Kopelipa Pitta Gros Vieira Dias “Buchecha”, filho do ex-poderosíssimo general “Kope”, chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, mas que em termos práticos era o “vice-presidente” do país. Juntos, esses imberbes manuseiam muitos, mais muitos milhões de dólares.

Em suma, ao tempo em que o Semanário Angolense e outras poucas publicações ousavam denunciar a roubalheira e a rapina – o Severino Carlos tem se encarregado de refrescar a memória dos angolanos – todos ou quase todos os actuais dirigentes do país olhavam para o lado, como se o alvo da denúncia fosse apenas o vizinho.

Eram os tempos da mais profunda ilusão: falava-se de um país com uma liderança clarividente e com rumo definido. “Este país tem rumo”, repetia-me, com aborrecedora frequência, um antigo diplomata, que hoje vive fora do país e, amargurado, vai-se dizendo arrependido por ter acreditado “na lábia” do seu partido do coração.

Agora que o país “caiu na real”, bateu no fundo do poço, é deprimente ver os mais vorazes comensais de ontem sacudirem a água dos respectivos capotes.

A recente revelação de Gustavo Costa, do Expresso, segundo a qual Manuel Vicente, que já foi conhecido como o “Sr. Petróleo de Angola”, foi ao palácio da Cidade Alta dizer ao Presidente da República que ao tempo em que liderou a Sonangol não fazia nenhuma diligência sem prévia anuência de José Eduardo dos Santos significa que o país faliu em todas as vertentes. Até a ética e a verticalidade soçobraram. Alguém no seu perfeito juízo acreditará que um matulão como Manuel Vicente era um mero moço de recados?

Foi como simples  moço de recados que Manuel Vicente “desempenhou um papel-chave no enriquecimento desmesurado” de José Eduardo dos Santos e sua família?, como garantia o insuspeito Maka Angola no dia 17 de Fevereiro de 2017? Não, não, Manuel Vicente não foi um simples joguete às mãos de José Eduardo dos Santos.

Em muitos ou em quase todos os casos obscuros envolvendo petróleo ele foi a figura central. Já no quase longínquo ano de 2016, o Maka Angola escrevia o seguinte: “(…) Em Outubro passado, a China deteve o famigerado Sam Pa, o chinês que durante muitos anos foi equiparado a vice-presidente de Angola. Manuel Vicente, o general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e o próprio (Presidente da República) tinham demasiados interesses investidos em Sam Pa. Documentos sobre o caso de Sam Pa a que o Maka Angola teve acesso indicam que, de 2005 a 2010, a venda de petróleo angolano à China rendeu mais de US $85 biliões. Deste valor, segundo o relatório detalhado, US $25.7 biliões foram reportados como tendo sido divididos entre os dirigentes angolanos através de uma teia de esquemas tecida por Sam Pa”.

Reconstruir o tecido social deste país há de requerer muita coragem e muito sentido de justiça. Todos nós, mas sobretudo aqueles que depauperaram os cofres públicos, temos de passar por um exercício de catarse.

Por isso, esses “banquetes”, que os Serviços de Inteligência dão à TPA para servir, têm de ser abrangentes; devem incluir todos, mas absolutamente todos os que se lambuzaram com dinheiro que era suposto ser de todos.

No dia 30 de Novembro de 2017, dois meses após a sua tomada de posse, o mesmo Maka Angola profetizava: “É no confronto com os interesses dos mais poderosos que se pode avaliar a fibra e a determinação de João Lourenço. E o novo presidente, até ao momento tão bem encaminhado, parece agora patinar”.

João Lourenço parecia patinar em 2017 e em 2021 continua a parece-lo, ao permitir que “banquetes”, a que não é certamente alheio, deixem de fora os maiores gângsters deste país.

O “nó górdio”, pelo menos aparentemente, é o mesmo: o “tubarão” Manuel Domingos Vicente, um homem temido por causa de comprometedores segredos  que guardará. A desmontagem do antigo patrão da Sonangol deve começar com a sua associação aos crimes de delapidação das riquezas nacionais.

Portanto, tragam à mesa esse graúdo!…

Por Graça Campos | Correio Angolense

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