O Governo angolano entregou hoje as certidões de óbito dos dirigentes do MPLA Nito Alves e Saidy Mingas, mortos em 27 de maio de 1977, data associada a uma alegada tentativa de golpe de Estado que foi violentamente reprimida
As certidões foram entregues pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, na qualidade de coordenador da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), a Chissole Vieira Dias Mingas, filha de Saidy Mingas, e Eunice Baptista, filha de Nito Alves.
O coordenador da comissão disse que, com este processo, Angola vira uma página da sua história, frisando que o ambiente agora é de “irmãos e filhos da mesma pátria”.
Francisco Queiroz disse que o pedido de desculpas feito pelo Presidente da República, João Lourenço, no passado dia 26 de maio, introduziu uma viragem nos “rancores, os sentimentos negativos e o ambiente de crispação”.
Segundo o coordenador da CIVICOP, estão criadas as condições para que os angolanos façam “uma vida normal entre irmãos, entre filhos da mesma pátria”.
“Sei que sofreram bastante durante este tempo todo com a ausência de notícias, de informação e também, por vezes, alguma exclusão social e isso causou-vos muita dor, chegou finalmente o momento de reconciliação e de pacificação dos espíritos”, referiu Francisco Queiroz.
O ministro frisou que, depois da entrega das certidões de óbito, o passo seguinte será, para os casos em que for necessário, a entrega dos restos mortais “para que se faça um funeral condigno aos falecidos”.
“Gostaria de convidar-vos desde já para que colaborem com as autoridades, com a CIVICOP, no sentido de darmos esse desfecho honroso para com a memória dos que pereceram nesse conflito político”, frisou.
Em declarações à imprensa, Chissole Vieira Dias Mingas disse que a entrega da certidão de óbito é a prova de que o seu pai foi assassinado.
“Porque até há bem pouco tempo eu podia imaginar tudo menos a morte dele, embora tenha vivido 44 anos da minha vida sem a presença do meu pai e ele só tenha tido tempo para fazer uma filha, mas essa certidão pôs-me o pé no chão”, disse Chissole Mingas.
Por sua vez, Eunice Baptista lembrou que perdeu o pai tinha três anos e conserva poucas memórias dele.
Questionada se perdoa o que se passou, Eunice Baptista respondeu que sim, porque tem de seguir a sua vida para frente: “Isso depende de cada pessoa, no meu caso é possível, também no caso da Chissole é possível”.
No passado dia 27 de maio, o Governo angolano realizou, pela primeira vez em 44 anos, a primeira homenagem às vítimas do 27 de maio e a todas pessoas que faleceram em consequência de conflitos políticos em Angola entre 1975, ano da independência do país, e 04 de abril de 2002, data do fim da guerra civil.
“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, disse João Lourenço um dia antes da homenagem.
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves – então ex-ministro do Interior desde a independência, em 11 de novembro de 1975, até outubro de 1976 – foi violentamente reprimida pelo regime de António Agostinho Neto, o primeiro Presidente da Angola independente.
Saidy Mingas então ministro das Finanças, fiel a Agostinho Neto, foi igualmente morto naquela época.
Num ajuste de contas entre dirigentes do Movimento Popular para a Libertação de Angola (o único que esteve no poder desde a independência) e com a ajuda das tropas cubanas, então presentes em Angola, o regime deteve e matou milhares de pessoas, cujo total ainda se desconhece.