Profissionais da comunicação identificam quebra de promessa do palácio e analista social fala de “divórcio” entre o Presidente e a imprensa. Fonte da Cidade Alta explica, no entanto, ausência de colectivas com a pandemia, mas vários encontros do Presidente colocam em causa a justificação.
Há pelo menos três anos que o Presidente da República não realiza entrevistas colectivas, depois das concedidas em 2017 e 2018 e após a garantia do próprio palácio de que o modelo considerado “inovador” estaria para ficar.
Profissionais da comunicação social não dão, entretanto, voltas à cabeça para apontar as razões por que João Lourenço terá ‘fugido’ às entrevistas, esfumando a promessa do início de um “relacionamento saudável” entre o Governo e a imprensa.
Victor Hugo Mendes, jornalista e apresentador, vê na quebra da promessa do palácio um sinal claro de distanciamento entre o Presidente e a imprensa, motivada, sobretudo, pelo difícil contexto político e económico. “A posição do Presidente da República dá emsi uma resposta clara: fugir à realidade para não expor a situação em que estamos”, observa, dizendo-se “decepcionado”. O jornalista lembra que “tudo começou bem”, com alguma esperança para todos.
“Mas, nos últimos meses, tem sido uma grande decepção. O Governo de João Lourenço está a dar um mau sinal à democracia e à liberdade de imprensa. Ora, sem esses preceitos, o país não se vai desenvolver nem saíra do marasmo em que se encontra”, defende, acrescentando que Presidente se “perdeu na estratégia de combate à corrupção e a agora só está interessado em arranjar formas de ser eleito, mas a falta de resultados não o ajudam muito”.
Uma posição sublinhada também pelo comunicólogo Wylsony dos Santos, que classifica o modelo de interacção ocidental adoptado de atípico para a realidade angolana. “Na verdade, esse tipo de modelo só tem sucesso em democracias plenas, que não é o caso da nossa. A boa vontade do Presidente foi engolida pelo actual contexto político, económico e social, totalmente adverso aos indicadores de esperança lançados em 2017”, nota.
Apesar desse “contexto desfavorável”, Wylsony dos Santos advoga que é preciso informar os cidadãos em relação às medidas que estão a ser tomadas para inverter o estado actual das coisas. “Não acredito que o Presidente tenha receios de enfrentar a imprensa para apresentar a sua versão dos factos, mesmo tendo o momento em seu desfavor.
Aliás, é justamente nos momentos difíceis que os grandes líderes aparecem para tranquilizar o seu povo”, argumenta.
Embora governar implique comunicar, Amadeu Cassinda, outro especialista da comunicação, também acredita numa eventual mudança de estratégia na Cidade Alta. “Em regra, o que define a adopção de um determinado formato de comunicação é a estratégia. E os planos de comunicação admitem uma certa flexibilidade”, analisa Cassinda, referindo que “isso resulta de vários factores, entre os quais o contexto político e económico”.
Entretanto, o analista social Paulo Brijonev considera tratar-se do prenúncio de um “divórcio”. E observa que os angolanos foram “defraudados”, tanto que esperava uma relação Governo-imprensa mais próxima. Brijonev recomenda mesmo ao Presidente, através dos assessores, a sair do silêncio. “Se quisermos consolidar o estado de direito e democrático é necessário que haja aproximação. Já que não pode fazer directamente com os cidadãos, os órgãos de comunicação estão aí para intermediar.
Aconselho que se reveja esta estratégia de comunicação do Governo. O Presidente, enquanto mais alto mandatário, não pode dar o dito pelo não dito. Ele deve ser o exemplo de organização, rectidão, lealdade, verticalidade. Se anunciou, no princípio, que haveria proximidade e entrevista colectiva anual, que o faça”, desafia.
Fonte da Presidência aponta, no entanto, a pandemia da covid-19 como o principal impedimento à realização da entrevista colectiva.
No entanto, a justificação desen contra-se com os últimos eventos promovidos pelo Presidente da República no ano passado e neste, como são exemplos o encontro com a juventude, a homenagem aos produtores de bens essenciais e o almoço com figuras históricas por ocasião do Dia da Paz.
Desde que chegou ao poder, grande parte das entrevistas de João Lourenço foi concedida a órgãos estrangeiros. Em 2018, à EuroNews, à RTP e ao Expresso. Em 2020, à DW e ao The Wall Street Journal.
O ‘Novo Jornal’ e a TPA foram os únicos órgãos nacionais aos quais João Lourenço deu uma entrevista conjunta, em 2019.