EUA: Os progressistas apoiaram fortemente Joe Biden. E agora?

O Presidente-eleito dos Estados Unidos não poderá ignorar as exigências da ala progressista do seu partido, que desempenhou um papel crucial na sua vitória.

Mesmo faltando cerca de 60 dias para o antigo senador e vice-presidente dos Estados Unidos da América, Joseph R. Biden, iniciar funções como chefe do governo norte-americano, as pressões por parte das grandes organizações progressistas americanas já começaram.

As exigências são claras. Nomear para a administração Biden-Harris figuras da ala progressista do Partido Democrata, fechando a porta à tradição de escolher personalidades do establishment com ligações a Wall Street, às indústrias dos combustíveis fosseis e às empresas privadas prestadoras de serviços ao Estado nas áreas militar e da defesa.

Duas proeminentes organizações progressistas norte-americanas (Sunrise Movement e Justice Democrats), através de cartas abertas e de veementes campanhas nas redes sociais, urgem que o futuro residente da Casa Branca designe aliados à sua esquerda para desempenharem funções no novo cabinet. Entre eles, destacam-se o senador do Vermont, Bernie Sanders, e a senadora do Massachusetts, Elizabeth Warren, sugeridos, respetivamente, para os cargos de Secretário do Trabalho e Secretária do Tesouro.

Ora, a nomeação destas duas altas figuras da ala progressista – ou se preferirmos mais à esquerda – do Partido Democrata romperia certamente com o status quo a que fomos habituados a assistir quando da escolha dos novos governantes norte-americanos. Porém, traria um contratempo quanto aos seus lugares no Senado, uma vez que, os estados que ambos representam, Vermont e Massachusetts, são liderados por governadores republicanos, que iriam designar novos membros para a câmara alta. Em consequência, os Democratas desejariam ter a certeza de que qualquer substituição fosse ao encontro das suas exigências para manter o equilíbrio do Senado intacto.

Surgem também nomes como o de Barbara Lee, congressista da Califórnia, ativista de movimentos contra a guerra (nomeadamente a do Iraque) e ex-presidente do Congressional Black Caucus – organização de congressistas afro-americanos – para Secretária de Estado; de Rashida Tlaib, congressista do Michigan, uma de quatro congressistas (conhecidas como The Squad, juntamente com as congressistas Alexandria Ocasio-Cortez, Ayanna Pressley e Ilhan Omar) alvo de sistemáticos ataques por parte do Presidente Donald J. Trump, para Secretária da Habitação e Desenvolvimento Urbano; de Pramila Jayapal, congressista de Washington e presidente do Congressional Progressive Caucus – organização de congressistas da ala mais à esquerda do Partido Democrata – para Secretária da Saúde e Serviços Humanos; e de Joseph E. Stiglitz, conceituado economista norte-americano – inspirado na escola keynesiana – e Nobel da Economia (2001), para liderar o Concelho Nacional da Economia.

Para além das recomendações acima delineadas, o Sunrise Movement e o Justice Democrats exigem ainda a criação de um novo gabinete na Casa Branca destinado ao combate às alterações climáticas, proposta essa que já tinha ganho terreno nas recomendações elaboradas pela task force Biden-Sanders durante o verão, após a desistência à nomeação presidencial do senador do Vermont. Esse departamento seria, idealmente, chefiado pelo governador de Washington, Jay Inslee, defensor acérrimo da causa climática. Nomes como Gina McCarthy – coordenadora da Agência de Proteção Ambiental dos E.U.A na administração Obama – e John Podesta – fundador do Centro do Progresso Americano e antigo conselheiro de Barack Obama nas questões ambientais – foram também sugeridos para liderar o presumível novo departamento da mobilização climática, o White House Office of Climate Mobilization.

Destacar também, a Human Rights Campaign, uma das maiores organizações de defesa dos direitos L.G.B.T.Q. nos Estados Unidos, que publicou, também, um manifesto para a inclusão de pessoas desta minoria em posições de alta governação da administração Biden. A par, insistem também, entre outros, que seja revogada a lei criada pela administração Trump para banir pessoas transgénero do exército, bem como acabar com a terapia de conversão e a proibição de doações de sangue por parte de pessoas homossexuais e bissexuais.

Observando o desfecho dos resultados das eleições norte-americanas, torna-se claro que os democratas terão de escalar uma grande montanha para obterem o controlo do Senado, dependendo das duas eleições na Geórgia. Posto isto, o partido como um todo e, em particular, a ala mais progressista, terá de reajustar as suas expectativas para os próximos dois anos. Mesmo assim, os antagonistas do establishment democrata – a ala mais à esquerda – pouco tempo perderam para insistirem na necessidade de o Sr. Biden prestar contas aos grupos que o ajudaram na vitória – nomeadamente os jovens afro-americanos – daquelas que foram as eleições mais participadas da história americana.

Os democratas são protagonistas de uma oportunidade inédita e intemporal de executarem políticas públicas que estejam à altura da resposta que necessitamos para vencer a crise que a nossa geração está a enfrentar. São fundamentais, medidas nas áreas do ambiente, – de combate sério e massivo às alterações climáticas – na habitação, na justiça criminal – através de uma reforma que já é tardia – e nos direitos laborais, cada vez mais ameaçados pelos atores das grandes corporações.

Se, no final das contas, os democratas conquistarem a maioria no senado, a grande cisão não se avizinhará entre o Partido Republicano e o Partido Democrata, mas sim entre as duas fações, as alas progressista e moderada do Partido Democrata.

Seremos espetadores e, alguns, atores políticos, de um jogo político interno que ditará o futuro das gerações vindouras. Resta saber de que lado queremos estar. A história nos julgará.

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