Os milhões e os negócios suspeitos de Sindika Dokolo e a sua mulher Isabel dos Santos em Portugal

Sindika Dokolo e a mulher Isabel dos Santos são visados em, pelo menos, oito processos crime. Os negócios de diamantes, a compra de imóveis de luxo, os empréstimos milionários para controlar empresas nacionais, o uso da Zona Franca da Madeira por testas de ferro. O marido de Isabel dos Santos morreu esta quinta-feira.

Morreu, aos 48 anos, Sindika Dokolo, o marido de Isabel dos Santos. O empresário e colecionador de arte nascido no antigo Zaire, em 1972, terá sido vítima de uma embolia pulmonar depois de ter estado a praticar mergulho com a família, de acordo com vários meios de comunicação social africanos. Recorde a investigação da SÁBADO aos processos que correm em Portugal contra o casal

Processo 1591/19: As operações suspeitas de Sindika Dokolo

“Suscita-se a suspeita de que as contas em causa sejam utilizadas para passar fundos obtidos através de atividades de sociedades comerciais a que Sindika Dokolo e Konema Mwengene [amigo de juventude e considerado o pivô financeiro dos negócios de Sindika no Dubai, em Paris e Londres] ligados, não manifestados fiscalmente, utilizando para o efeito contratos e faturas sem correspondência com a realidade e interpondo entidades offshore, factos suscetíveis de integrar a prática de crime de fraude fiscal qualificada. “
A juntar a esta suspeita de fraude no processo, o Ministério Público (MP) encontrou também indícios de crime de branqueamento de capitais em Portugal, porque identificou operações bancárias suspeitas no Eurobic concretizadas através de contas de sociedades alegadamente controladas por Sindika e Isabel dos Santos .

Segundo os documentos do MP a que a SÁBADO acedeu, os pesquisadores estão especialmente interessados ??em perceber a razão de ser de uma transferência de cerca de 1,9 milhões de dólares (hoje, 1,66 milhões de euros) ocorrida em julho de 2019. A origem do dinheiro foi a sociedade China Gezhouba Group, que integrou até 2018 o consórcio com uma entidade controlada por Isabel dos Santos (Niara Holding Angola), a que foi adjudicado, em 2015 pelo governo angolano, o projeto da barragem de Caculo Cabaça. Depois da saída de José Eduardo dos Santos da presidência de Angola, o novo governo afastou a empresa Niara do negócio avaliado em cerca de 4.000 milhões de euros.

A ligação a Cabo Verde e ao Eurobic

Em face de todas estas suspeitas, o MP bloqueou no Eurobic duas contas bancárias tituladas pela Fast Trading e a Espaços Media Group Limited, sociedades com sede em Malta e cujo beneficiário será Sindika Dokolo. A origem das transferências que entraram em Portugal, um total de 1,2 milhões de euros, através do Bic Cabo Verde e de entidades de que será beneficiário do amigo de Sindika, Konema Mwenenge.

Na análise posterior feita a estas contas no Eurobic, o MP encontrou a intervenção de outro homem de confiança de Sindika na Documentos justificativa de transferência de centenas de milhares de euros realizados em 2018/19. Para o MP, “a atuação de Ritos Vasco em sede contratual e na emissão de ordens de transferência, várias vezes de ambos os lados da relação jurídica entre entidades sediadas em offshores, reforça a suspeita” de que tudo não passe de um circuito de económico fachada para esconder crimes de fraude fiscal e de
lavagem de dinheiro em Portugal. Por isso, várias empresas associadas a Ritos, na Zona Franca da Madeira, foram alvo de buscas.

Processos 307 e 162/20: O prédio de Lisboa e a rota dos diamantes

Nos presentes autos estão em causa as operações de aquisição de imóveis e os movimentos de fundos para o mesmo efeito, com origem numa conta aberta junto ao banco Bic Cabo Verde (…) titulada por Isabel dos Santos, e onde se indícios foram feitos fundos de origem ilícita, conexos com negócios que lesaram o Estado de Angola no âmbito da Sonangol e da aquisição da entidade De Grisogono [joalharia suíça]. “

No processo 307/20, o Ministério Público (MP) tem por agora dois alvos principais: um negócio e um alegado testa de ferro de Isabel dos Santos e Sindika Dokolo. O primeiro é a compra por 12,1 milhões de euros, em julho de 2018, do capital social da empresa Vaztur por uma sociedade encontrada exatamente naquele mês, um Historicorner.

A Vaztur era a dona de um prédio no centro de Lisboa e, após a compra, a Historicorner mudou o nome da Vaztur para H33 Sociedade Imobiliária. Mas há outros dados que conduzem ao MP ao segundo alvo desta história: a Historicorner e a H33 declararam como sede a morada (Av. Da Liberdade, nº 190) onde estão / estavam sediadas várias empresas ligadas a Isabel dos Santos. Além disso, a Historicorner é formalmente detida (99,99%) por Ritos Vasco Pires, ex-quadro da consultora PwC contratado por Isabel dos Santos há cerca de 10 anos. Uma espécie de gestor até agora invisível que tem estado ligado a alguns dos grandes negócios do casal Isabel e Sindika, como a compra em 2012 da joalharia suíça De Grisogono. Atualmente insolvente, a joalharia terá sido adquirida e mantida pelo casal dos Santos com dinheiro público (MP refere 200 milhões de dólares, cerca de 175 milhões de euros ao câmbio atual). O objetivo: fazer negócios (autorizados pelo então Presidente José Eduardo dos Santos) com a Sodiam, empresa pública de diamantes de Luanda.

Uma operação de buscas

Em Portugal, há fluxos financeiros ligados à De Grisogono, suspeitos de branqueamento de capitais, que estão a ser investigados em dois processos, no 307 e no 162, porque as autoridades portuguesas detetaram um conjunto de operações suspeitas no Bic Cabo Verde ligadas a entidades intermediárias como a Relactant Ventures, XMetals e DG Euroatlantic (MP bloqueou-lhes as contas). Mas também anteriores operações nas contas do Eurobic, em Lisboa, como os 12,5 milhões de euros operação à Historicorner.

Foi para tentar esclarecer de vez este emaranhado de relações empresariais, negócios e operações financeiras suspeitas de lavagem de dinheiro que o MP avançou com oito buscas domiciliárias e as empresas. Uma operação incluiu a sede da Historicorner e da H33, o escritório e a casa da respetiva técnica de contas, uma casa de um engenheiro técnico ligado a empresas de construção em Portugal, França e Angola. E também como duas residências de Ritos Vasco Pires no Porto.

Processo 223/20: A opaca teia dos offshores

“Foi junto um relatório de auditoria da Fidelidade que reporta, em 2018, o recebimento pela entidade de dividendos de participadas no montante de 40 milhões de dólares [hoje, 35 milhões de euros], bem como uma dívida de 5 milhões de dólares [hoje , 4,4 milhões de euros] à Odyssey Holdings. No entanto, segundo informação do Bic Cabo Verde, o montante que se encontrava em trânsito estaria parqueado na conta daquele banco desde 2016. “

Segundo documentos do Ministério Público (MP) a que a SÁBADO acedeu, este processo está também centrado numa teia de empresas e offshores alegadamente controlados por Sindika Dokolo, pelo amigo Konema Mwenenge, por Isabel dos Santos e pelo gestor Mário Leite da Silva. Um circuito que inclui operações financeiras realizadas nos últimos anos através dos bancos Cabo Verde e Eurobic, em Lisboa, suspeitas de branqueamento de capitais. Uma dessas operações – ordem de transferência de 5 milhões de libras (hoje, 5,5 milhões de euros) de contas da Fidelity Holdings – foi denunciada ao MP pela Eurobic e terá sido bloqueada por ordem judicial.

O testa de ferro dos diamantes

Depois de suspensa a operação bancária, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), órgão que se dedica à criminalidade mais complexa, pediu informações ao Bic / Euróbico e procura que a conta da Fidelidade recebia apenas fundos com origem na entidade Odyssey Holdings e na joalharia suíça De Grisogono, entidades conexas com Isabel dos Santos e com o marido Sindika.

A Odyssey Holdings será um offshore, mas em Portugal foram constituídas em 2010 a Odyssey, Serviços de Gestão, Lda., E a Odyssey Investments, SGPS (com resultados líquidos positivos residuais entre 2015/18), ambas com sede no Porto e cujo gerente é Mário Leite da Silva, um homem de confiança de Isabel dos Santos. Terá sido este fato que levou o MP a avançar com buscas às casas de Lisboa e do Porto de Leite da Silva. Isso e o facto de Konema Mwenenge não ter residência em Portugal, mas em Londres.

Certo é que foi o “caráter opaco e infundamentado das operações” bancárias que levou os investigadores portugueses a considerar que pode estar em causa um circuito de lavagem do dinheiro alegadamente ligado a crimes de abuso de confiança, burla e peculato verificados em Angola.

As autoridades portuguesas ainda estão a constatar que neste processo, e nos outros sete parecer neste trabalho da SÁBADO, há uma cada vez maior coincidência de suspeitos, entre empresas e pessoas. Por isso, em vez de voltarem a duplicar apropriado buscas aos mesmos alvos e outras diligências de investigação, ponderam a hipótese de reunir todos (ou a maior parte dos inquéritos) em apenas um processo. Uma grande investigação centrada em Isabel dos Santos e nos seus alegados testas de ferro.

Processo 252/20: Os milhões usados no negócio da NOS

“A suspeita Isabel dos Santos aprovou-se do seu controlo de facto sobre a sociedade Unitel SARL [as ações da companhia estão arrestadas em Angola desde dezembro passado, mas a empresa de telecomunicações móveis foi controlado por Isabel dos Santos durante largos anos] para fazer transferir da mesma, sem justificativos, fundos para as contas da Vidatel LTD em Portugal, de onde depois foram feitos circulares por contas das entidades Unitel International Holding BV, Athol Limited e Sílaba Real Estate Limitada, para além das contas particulares da mesma Isabel dos Santos, junto do banco BPI e do Eurobic. “

O Ministério Público (MP) usou em junho passado este argumento para realizar a operação de buscas do processo 252 (aberto este ano), uma ação judicial no terreno feita em conjunto com outros sete inquéritos-crime que visam a empresária angolana, o marido Sindika Dokolo, vários alegados testas de ferro e dezenas de empresas e offshores que as autoridades portugueses acham que são de Isabel dos Santos. Ou que estão sob a sua direta influência.

Neste processo, é sobretudo o rasto do dinheiro da empresa de telecomunicações angolana Unitel (a estrutura acionista, até janeiro passado, estava repartida em partes iguais por Angola, através da Sonangol, e por Isabel dos Santos, o general Leopoldino Nascimento e a PT Ventures/Africatel/OI) que é o alvo principal do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Segundo documentos a que a SÁBADO acedeu, estão em causa transferências de centenas de milhões de euros com origem na Unitel, ocorridas entre 2010/18, que alegadamente serviram para Isabel dos Santos concretizar negócios privados, empresariais e pessoais, em diversos países.

“Nos presentes autos está em causa a utilização do sistema financeiro nacional, em particular do banco BPI, SA e do banco Bic Português, SA (Eurobic), para o desenvolvimento de operações com fundos que se suspeita tem sido indevidamente sacados da Unitel SARL, com a colocação em contas nacionais tituladas por entidades controladas pela suspeita Isabel José dos Santos e para seu benefício pessoal “, concretiza o MP, que acrescenta dois dados públicos nos documentos a que acedemos: diz que a tem dupla nacionalidade (russa e angolana) e é filha do ex-Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos (1979/2017).

Os trilhos suspeitos

Um dos casos de movimentações financeiras suspeitas a que se refere o MP é um empréstimo conseguido da Unitel em 2013 (e alegadamente não pago, uma versão já contrariada publicamente pela) de 145 milhões de euros que terá sido usado para Isabel dos Santos realizar nesse mesmo ano o aumento de capital da Zopt, SGPS, a empresa portuguesa onde foram fundidas como operadoras Zon e Optimus (NOS, detida em partes iguais pela angolana e a Sonaecom). Mas há mais. O MP já tem também dados referem-se a 19 transferências bancárias, a última das quais de agosto de 2014 – um total de 654 milhões de dólares (hoje, 573 milhões de euros) – que entraram em contas portuguesas da de um offshore (infografia da pág. 37 com o circuito do dinheiro suspeito).

“(…) O banco BPI interpelou a beneficiária final da Vidatel, a suspeita Isabel dos Santos, para que viesse documentar se as transferências recebidas no passado representavam a distribuição de dividendos [pagos pela Unitel] ou o pagamento de serviços prestados”, referência o MP nos já citados documentos, concluindo que foi o próprio banco que comunicou às autoridades que não o fez conforme obriga a lei portuguesa. Aliás, não terá dado qualquer explicação para movimentos de 185 milhões de dólares (hoje, 162 milhões de euros).

Mas um dado o BPI tinha nos arquivos e transmitiu ao MP: a Vidatel apresentou-se no BPI, até setembro de 2008, identificando como diretora a russa Tatiana Regan, tendo esta mandatado a filha Isabel dos Santos para poder movimentar as contas da empresa. Depois, pelo menos desde 2016, a empresária assumiu no banco que era a beneficiária dos ativos associados às contas da Vidatel.

A SÁBADO apurou que este processo crime ainda está numa fase inicial, mas será a investigação nacional mais avançada que visa Isabel dos Santos. Isto sem contar com a operação de arresto (inclui as participações da empresária na NOS, Efacec, Galp e Bic, Eurobic) que as autoridades portuguesas concretizaram no início deste ano a pedido de Angola. Neste caso, trata-se do processo 210 e é quase impossível não ver este inquérito como a cobertura legal (os crimes precedentes alegadamente verificados em Angola) para justificar as investigações autónomas portuguesas por suspeitas de lavagem de dinheiro. Até porque a quase totalidade dos novos inquéritos em que Isabel dos Santos é o alvo nº 1 foram abertos depois da carta rogatória angolana, citando inclusive os alegados crimes comunicados a Portugal pelas autoridades de Luanda.

As transferências obscuras

Isso também é assumido no processo 252, pois o MP escreveu que se está “perante fundos relativamente aos quais se suspeita fundadamente que têm origem em crimes de abuso de confiança e burla e que se encontram em manobras de branqueamento”. Por isso, o MP decretou a suspensão de movimentações bancárias de várias contas controladas direta ou indiretamente pela empresária em Portugal, bem como operações envolvendo o banco Bic Cabo Verde e o Eurobic (Isabel é acionista destes bancos). Neste último caso, o MP refere que impediu uma transferência de 480 mil euros de Cabo Verde para o Reino Unido.

Já no caso do BPI, também este ano, 17 operações a débito de Isabel dos Santos terão sido bloqueadas por ordem do MP. Estavam em causa 5,2 milhões de euros e 6,5 milhões de libras inglesas (hoje, 7,1 milhões de euros). Total: 12,3 milhões de euros. A quase totalidade do dinheiro destinava-se a escritórios de advogados no Reino Unido, mas as ordens de pagamento abortadas tinham igualmente como destino empresas veículo detentoras de imóveis e um barco, bem como colégios, tudo no Reino Unido. O MP garante que estas operações ordenadas por Isabel dos Santos eram “geradoras de risco de dispersão de fundos” devido às notícias públicas sobre os processos que envolvem a empresária em Angola e Portugal.

Para sustentar a tese de dispersão do dinheiro da empresária, o MP ainda acrescentou um novo dado que recolheu de contas no Eurobic: uma alegada testa de ferro de Isabel dos Santos terá ordenado em janeiro de 2020 três transferências, um total de 9 milhões de libras (hoje 9,9 milhões de euros), da empresa T1000 (fundada em 2017 e agora em liquidação) para algumas das mesmas entidades (advogados) de Londres. “Tal duplicação de operações de transferência, no mesmo valor e com o mesmo destino, reforça os indícios de estarmos perante meros movimentos de dispersão de fundos, aproveitando pretextos de despesas legítimas, mas visando apenas retirar os fundos de contas associadas à suspeita Isabel dos Santos”, concluiu o MP.

Além deste dinheiro, as autoridades portuguesas conseguiram também arrestar no BPI um total de cerca de 40,4 milhões de euros (em dólares e libras inglesas) que estavam depositados nas contas da Sílaba Real Estate Limited, um offshore constituído na Ilha de Man, no Reino Unido, que tem como representantes legais três ingleses, mas que o MP suspeita serem testas de ferro de Isabel dos Santos. De acordo com as autoridades portuguesas, a Sílaba recebeu em julho de 2015 uma transferência com origem na conta da Vidatel (Isabel dos Santos), tendo o BPI executado a operação, mas solicitado à empresária que justificasse o relacionamento entre a Vidatel e a Sílaba. “Tais esclarecimentos nunca foram prestados ao banco, sendo certo que o referido montante de 50 milhões de dólares (hoje, 43,8 milhões de euros) teve origem última em fundos entrados na conta da Vidatel com origem na Unitel”, garante o MP, que indica três operações de transferências (e respetivas datas) da Unitel para a Vidatel que totalizaram cerca de 158 milhões de dólares (hoje, 138,7 milhões de euros).

A investigação do MP neste processo está centrada nas movimentações de muitos milhões de euros que se verificaram até fevereiro de 2018, com sucessivas dispersões do dinheiro por entidades alegadamente controladas por Isabel dos Santos, como a Kento Holding (sede em Malta, que detém 17, 35% da NOS), uma Unitel International (outros 32,65% da NOS), uma Athol Limited (registada em Malta), uma Fidequity, uma Santoro (principal acionista do Eurobic) e a Niara Holding (Zona Franca da Madeira).

Uma parte relevante das empresas tem ou teve ligações – administradores, representantes legais, procuradores – a dois homens de extrema confiança da angolana: o gestor Mário Leite da Silva e o advogado Jorge Brito Pereira. “Face a tão variada gama de importa, importa perceber quais são as relações e compromissos entre os mesmos, de forma a poder acessar à descoberta da verdade material”, saliente o MP, alertando que só as buscas recentes e outras “diligências de prova permitir credibilizar os fortes indícios já recolhidos “.

Processo 222/20: A compra da Galp

“Nos presentes autos, foram determinadas e confirmadas judicialmente duas suspensões de operações bancárias, por se encontrar indiciado que os lucros da Esperaza Holding, BV [em 2006, o Estado angolano detinha através da Esperaza 45% da Amorim Energia, um acionista principal da Galp , a maior empresa portuguesa, com 33,34%] reverteram totalmente para a Exem Energy BV e desta para entidades da esfera de Isabel José dos Santos e do seu cônjuge Sindika Dokolo, designadamente e no que em especial releva para estes autos para a Terra Peregrin, SA. “

Na documentação a que a SÁBADO teve acesso, o Ministério Público (MP) refere que a investigação portuguesa aberta este ano está centrada em indícios do crime de branqueamento de capitais, tendo como crimes precedentes (ocorridos em Angola) o abuso de confiança e a burla. As autoridades nacionais referem no processo que a empresa pública angolana Sonangol começou por ter 100% do capital da Esperaza, que comprou quase metade do capital da Amorim Energia. No entanto, em 2007, a Sonangol cedeu 40% da Esperaza à Exem Africa Limited (depois Exem Energy), detida pela Exem Holding, controlada por Isabel dos Santos e o marido Sindika Dokolo.

Na altura, ainda segundo esta versão, teria sido acertado que a Exem pagaria em momento posterior cerca de 75 milhões de euros. O MP diz que tal valor “não se encontra pago e a Sonangol não recebeu dividendos durante largos anos” (só a Amorim Energia ganhou, entre 2005/2008, 330 milhões em dividendos). Uma versão já contrariada publicamente por Isabel dos Santos, que garantiu que o valor foi pago em duas tranches: 11,5 milhões em 2006 e 63,5 milhões em 2017.

A lavagem de dinheiro

No entanto, o MP está a investigar não os alegados crimes financeiros ocorridos em Angola, mas o eventual desvio do dinheiro e lavagem em Portugal, nomeadamente através de contas no Eurobic (um banco controlado por Isabel dos Santos). A investigação está ainda numa fase inicial, mas as autoridades já identificaram como suspeitos principais Isabel dos Santos e o marido. E estão também a recolher informações de operações e contas bancárias de outras sete pessoas portuguesas e estrangeiras (entre elas o advogado Jorge Brito Pereira e o gestor Mário Leite da Silva, alvo de buscas neste inquérito) e oito entidades com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, nos EUA, Holanda, Lisboa e Porto.

Uma das entidades suspeitas é a Terra Peregrin, uma sociedade anónima encontrada em 2014 em Portugal, administrada por Isabel dos Santos e que tem uma participação de 20% na Keiko Investments (descoberta em 2018). Esta última sociedade é dona de 80% da Odyssey (2010), administrada por Mário Leite da Silva, outro dos alvos.

Processo 227/20: À procura do dinheiro da Sonangol

“Está em causa a utilização do sistema financeiro nacional, em particular do banco Bic Português, SA (Eurobic), para o desenvolvimento de operações de desvio de fundos da empresa pública angolana Sonangol, EP, sua circulação por contas no exterior, em particular no Dubai (nos Emirados Árabes Unidos), e seu posterior regresso a contas nacionais de entidades controladas pela suspeita Isabel José dos Santos (…) para benefício pessoal destas e de pessoas que lhe são próximos. “

Aberto este ano, o inquérito crime 227 ainda não tinha 4.700 folhas quando o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) decidiu avançar para uma operação de buscas realizada em junho passado. O crime? Branqueamento de capitais. Curiosamente, tal como sucedeu em todos os processos em que Isabel dos Santos é considerada pelo Ministério Público (MP) como a suspeita nº 1, também neste caso os pesquisadores não lhe fizeram buscas diretas, nomeadamente aos dois apartamentos de luxo da combinação junto ao El Corte Inglés, em Lisboa.

A opção foi atacar em força os alegados testas de ferro da angolana, ou seja, novamente o advogado Jorge de Brito Pereira, o gestor Mário Leite da Silva e a mulher. Mas também outras pessoas muito próximas de Isabel dos Santos, como Paula Oliveira, que o MP diz ser uma “beneficiária efetiva” da Ironsea Consulting offshore (desde agosto de 2017, chama-se Matter Business Solutions) constituída no Dubai, que está sob investigação . Ainda nesse ano, a Matéria passou a ser o principal acionista de uma empresa com sede na Torre 1 das Amoreiras, em Lisboa, administrada por Paula Oliveira, a SDO Consultores, outro dos alvos. Paula será ainda sócia de Isabel dos Santos na empresa angolana Youcall, que tem uma sucursal desde 2013 também nas Amoreiras.

As empresas que são alvos

Tal como a casa de luxo em Cascais de Paula Oliveira, também residência de Oeiras do ex-vogal da Sonangol, Sarju Raikundalia (nascido em 1977 na índia, mas com nacionalidade portuguesa desde 2006) foi alvo de buscas. Raikundalia foi o homem que o Presidente José Eduardo dos Santos nomeou em junho de 2016 administrador não executivo da Sonangol. Posteriormente, o conselho de administração da Sonangol presidido por Isabel dos Santos confiou a gestão financeira da empresa. Com a exoneração da filha do ex-Presidente angolano em novembro de 2017 pelo Presidente de Angola João Lourenço, Raikundalia veio para Portugal e passou em 2018 como funcionário de uma das empresas controladas por Isabel dos Santos, da Santoro Finance.

Segundo documentos do MP a que a SÁBADO acedeu, Raikundalia, Paula Oliveira, Mário Leite da Silva e a mulher Paula são suspeitos de, “por iniciativa própria” ou por “subordinação às instruções de Isabel dos Santos”, ajudarem a branquear milhões de euros extrair da Sonangol de forma alegadamente criminosa. As autoridades suspeitam que parte substancial deste dinheiro, que foi boletim para o Dubai, terá acabado por regressar em 2017/18 a Portugal para contas de empresas controladas por Isabel dos Santos e pelos seus testas de ferro.

No processo consta a identificação de um grupo de empresas com sede em Lisboa, Porto e na Zona Franca da Madeira que deverá pagar em contas portuguesas cerca de 30 milhões de euros (ver cronologia) que o MP suspeita ter origem no dinheiro da Sonangol. Dinheiro que o Estado angolano reclama num processo em Luanda (e na carta rogatória enviada para Portugal) por alegados crimes de peculato, falsificação de documentos, prevaricação, abuso de poder, participação econômica em negócio, tráfico de influência e branqueamento.

Uma moradia da Quinta do Lago – Processo 295/28

“Entendemos assim que o esforço financeiro realizado na aquisição e edificação do ativo da Burgate Imóveis Sucursal [uma moradia de luxo localizada na Quinta do Lago, no Algarve] foi, na realidade, suportado por fundos controlados por Isabel dos Santos, que teve a sua origem imediata em contas domiciliadas junto de bancos em Malta, mas que suspeitamos que tido tido origem em contas domiciliadas no Dubai e em fundos desviados de empresas públicas de Angola, em particular da Sonangol (…) “

A longa citação do Ministério Público (MP), referente ao processo 295 (aberto também este ano), que visa indícios de crimes de burla qualificada, abuso de confiança e branqueamento de capitais, está centrada num negócio que os investigadores fundados ter sido feito em Portugal com os alegados 120 milhões de dólares (hoje, 105 milhões de euros) desviados da Sonangol e que passaram, em novembro de 2017, pelo Eurobic.

Trata-se da alegada compra do capital social de um offshore dono de uma moradia na Quinta do Lago. Inicialmente registada no Delawere, nos EUA, a Burgate mudou de nome em 2017 e transferiu a sede para Malta. A empresa controla uma sucursal em Portugal (na consultora PwC, em Lisboa). Entretanto, avançaram como obras que levaram à destruição do edifício antigo e à construção de um novo imóvel. Custo avaliado pelo MP? Três milhões de euros.

As autoridades suspeitam que todo este negócio foi feito com o recurso a um complexo esquema cruzado de offshores, empresas (ver infografia) e transferências financeiras. Movimentações que envolverão sobretudo o gestor Mário Leite da Silva e a mulher Paula, alegados destinatários de transferências com origem em Isabel dos Santos e Sindika Dokolo.

A investigação deste processo deu origem a 14 mandados de busca passados ??pelo MP e ratificados pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, tendo sido quase todos cumpridos em junho passado. Uma operação incluiu buscas aos cofres 31 e 62 do Novo Banco na Rua Costa Cabral, no Porto. Cofres titulados por Mário e a mulher Paula, onde não foi encontrado dinheiro.

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