Pangea-Risk garante que fontes nos departamentos de Justiça e do Tesouro dos EUA contribuíram para o seu relatório. Após publicar a alegada investigação a João Lourenço, consultora diz ser alvo de ciberataques.
A Pangea-Risk sabia que o seu último relatório seria polémico e atrairia imensa atenção, mas não poderia imaginar que o texto seria vazado dias antes da data prevista para a sua publicação. Segundo o diretor-executivo da consultora, as informações estavam sob embargo para publicação até esta quinta-feira (18.02), mas os detalhes acabaram por ser divulgados no início da semana.
Em entrevista exclusiva à DW África, o diretor-executivo da empresa de avaliação de risco, Robert Besseling, conta detalhes sobre como a sua equipa levantou as informações sobre o que afirma ser “uma investigação das autoridades americanas sobre os negócios do Presidente João Lourenço, de familiares próximos e de seus sócios”.
Besseling responde às alegações de que a empresária Isabel dos Santos estaria por trás do relatório e comenta os motivos do aquecimento da relação entre Angola e Estados Unidos nos últimos anos. Para o analista, a evolução desta relação teria reduzido “a tração da investigação ao Presidente de Angola, que deverá ser retomada com força no Governo de Joe Biden”.
O fundador da Pangea-Risk revela também que ataques cibernéticos à empresa se intensificaram a partir do momento em que o relatório foi divulgado. Besseling garante que sua equipe identificou que a maioria dessas investidas partiram de Angola.
DW África: Como a sua equipa levantou as informações do relatório?
Robert Besseling (RB): O aspeto mais importante do nosso relatório é que as evidências da investigação já são de domínio público. Se você observar as provas, notará que estão relacionados ao contrato de aquisição da Simportex EP, ao acordo de delação premiada da Odebrecht na corte de Nova Iorque… E várias outras partes dessa investigação também são de domínio público, inclusive depoimentos arquivados para o cumprimento da lei de registo de agentes estrangeiros [Foreign Agents Registration Act – FARA] nos Estados Unidos. Nós, como Pangea-Risk, temos a informação de que as autoridades americanas estão neste momento a procurar saber até que ponto a legislação dos Estados Unidos se aplica a estas evidências. Porque se trata de moeda e bancos americanos e de empresas e bens imobiliários nos EUA. Então, as provas são de domínio público e estão disponíveis, a investigação está ativa e em andamento e, neste momento, tenta identificar em qual extensão os Estados Unidos podem reivindicar a aplicação da sua jurisdição nesses alegados casos de violação das leis e regulações americanas.
DW África: Como sabe sobre os movimentos dessas investigações nos Estados Unidos?
RB: Em meados de 2020, nós fomos informados por algumas fontes que esta investigação já estava em andamento há alguns meses. Especificamente, esta investigação começou antes do lockdown nos Estados Unidos, no início de 2020. Inicialmente nós decidimos não revelar o que descobrimos, simplesmente porque nós não somos um grupo jornalístico. A Pangea-Risk é uma empresa de análises de risco que informa seus clientes. Naquele momento, nós não achamos que isso não teria qualquer implicação imediata aos nossos clientes. Nós passamos a informar sobre isso no início de 2021, em fevereiro. Desde então, os nossos relatórios não foram distribuídos para além dos nossos clientes.
DW África: As suas fontes são de quais setores?
RB: Primeiramente, são fontes ligadas ao Departamento de Justiça dos EUA e Departamento do Tesouro dos EUA. Além disso, nossas fontes estão relacionadas com empresas de comunicação americanas que estão debruçadas sobre a mesma matéria e ainda não a publicaram por estarem a esperar por confirmações. Eu sei que as evidências que já estão em domínio público estão sendo analisadas pelas autoridades americanas e é bem possível que mais provas estejam sendo investigadas, mas não consigo quantificar isso.
DW África: Tem informação sobre quantas empresas com participações do Presidente João Lourenço estão a ser investigadas pelas autoridades americanas? Para muitos, é surpreendente saber que o Presidente tem tantas participações em empresas, como menciona o relatório.
RB: O chefe de Estado de Angola fez sua carreira dentro do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e no meio empresarial por muitos anos até ele se tornar Presidente. Inclusive na Orion, que é uma empresa importante de média aliada ao partido no poder, e em várias outras empresas. Não seria uma surpresa se houvesse um número de empresas lá fora onde o Presidente, seus sócios ou seus familiares próximos tivessem participações adicionais. É claro, tenho que dizer que isso não significa qualquer tipo de infração. O que de fato as próprias empresas estão a fazer é que estaria gerando provas.
DW África: Haveria em algum momento qualquer conexão dessa rede de relações de negócios do Presidente João Lourenço com os negócios da empresária Isabel dos Santos?
RB: Há pelo menos três anos, o Governo angolano tenta investigar um legado de corrupção, em outras palavras, a corrupção do Governo anterior. Isso tem sido endossado por várias organizações internacionais e o Governo angolano tem sido muito aplaudido por investigar este legado. No entanto, o principal ponto deste relatório é que o Governo está explicitamente focado nesse legado de corrupção, mas quase eliminou das suas investigações a situação da corrupção em curso no país. Não seria surpresa se existissem interesses entrelaçados e interligações entre o legado de corrupção e a corrupção em curso. Mas, do tanto que sabemos neste momento, não conseguimos estabelecer qualquer paralelo nem sobreposições entre estas redes.
DW África: Surgiram alegações de que Isabel dos Santos estaria por trás das revelações que constam neste relatório, o que tem a dizer sobre isso?
RB: Isto é uma tentativa infeliz de desacreditar a nossa análise. Nós não somos uma empresa de média, nós somos uma empresa de consultoria em análise de risco. Nós trabalhamos para um número específico de clientes que precisam saber informações sobre o risco de um determinado país. Nós cobrimos 54 países africanos e 14 países do Médio Oriente. Angola é apenas um dos 68 países que cobrimos. Não há qualquer interesse nosso em distorcer a nossa mensagem de uma determinada maneira. Em algumas das diversas publicações que acompanhamos nos últimos dias, desde que o nosso relatório foi tornado público, existem alegações de que seria uma tentativa de comercialização, politização e desinformação. Nós rejeitamos veementemente essas alegações.
DW África: Na rede de empresas e personalidades que vocês montaram no relatório há alguma conexão com o escândalo das dívidas ocultas em Moçambique?
RB: Eu não estou a par de qualquer ligação direta entre esta investigação sobre Angola nos Estados Unidos e qualquer investigação prévia ou atual sobre as dívidas ocultas de Moçambique. No entanto, o nosso relatório e algumas análises prévias sempre destacaram que o padrão de interligações é muito semelhante. Em Moçambique, o padrão de interesses entrelaçados descoberto em 2016 – e nós contribuímos bastante para isso naquele momento – é muito semelhante ao de Angola. Vimos semelhanças nas duas redes.
DW África: O relatório menciona o ex-secretário de Estado dos EUA. Onde Mike Pompeo entra nesta história?
RB: É bem interessante de se observar como a relação entre Estados Unidos e Angola evoluiu ao longo dos anos. Durante a administração Trump, nós vimos uma melhora nesta relação – o que também resultou naquela visita do ex-secretário de Estado Mike Pompeo a Angola e outros países africanos em 2020. Naquela visita, Pompeo certificou o Governo angolano na sua ofensiva contra a corrupção. A principal observação que tentamos fazer no relatório é que, mesmo que se tenha iniciado uma investigação no Departamento de Justiça e no Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, tal investigação não ganhou uma tração real naquele momento. Isso aconteceu principalmente devido a interesses políticos que estavam na esteira deste aquecimento de relações entre Angola e Estados Unidos. Existem várias reportagens a alegar que financiadores da campanha eleitoral de Donald Trump tinham negócios em Angola.
As mesmas pessoas parecem ter estado a tentar estabelecer relacionamentos comerciais e conseguir apoio político para estes negócios durante o Governo do ex-Presidente Trump. Com base em reportagens na imprensa, posso mencionar um cavalheiro chamado Elliot Broidy, que foi perdoado pelo Presidente Trump no final do seu mandato. Várias reportagens alegam que o senhor Broidy tinha interesse em negócios na área da defesa em Angola e tentou marcar encontros entre altos líderes do Governo angolano e o Presidente dos Estados Unidos.
Antes de ser perdoado, ele foi devidamente condenado por lóbi semelhante envolvendo outros países [em circunstâncias ilegais]. A observação que o relatório tenta fazer é que a administração Joe Biden não parece ter qualquer política direcionada a Angola que proponha tensionar ou aquecer as relações entre os dois países. Para nós, isso significa que a investigação tem mais hipótese de ser acelerada [no Governo de Biden], particularmente devido à falta de interesse político do novo Governo americano em Angola neste momento.
DW África: O que mudou após a divulgação desse relatório?
RB: Imaginando que este relatório teria grande repercussão, que despertaria um certo interesse da imprensa, do Governo angolano, nós publicamos [na segunda-feira] um comunicado de imprensa sob embago para algumas empresas de comunicação que trabalham connosco ou que estão a tentar fazer a mesma investigação nos Estados Unidos. No entanto, no dia que nós publicamos o relatório [para os clientes], em poucas horas, o [semanário português] Expresso também publicou alguns trechos. Nós ainda não temos conhecimento sobre o quanto o Expresso tinha ciência do nosso relatório antes de este ser publicado. E nós ainda não sabemos como esta e outras publicações conseguiram ter acesso a uma cópia do nosso relatório. Nós ainda estamos a nos perguntar até que ponto o nosso relatório foi distribuído fora do nosso controlo.
DW África: Acham que estão a sofrer um ciberataque?
RB: Esta é uma questão sobre a qual debruçamo-nos neste momento. Uma das explicações razoáveis para a distribuição descontrolada do nosso relatório sobre Angola seria que nosso website – pelo qual os clientes pagam para ter acesso, não é um sítio público – foi invadido. Nós estamos a trabalhar com a nossa equipa de segurança em Tecnologia da Informação e a monitorar diversos casos do que chamamos “brute force attack” [“ataque de força bruta”, termo usado para caracterizar ataques a dados criptografados, no qual o atacante consegue verificar sistematicamente todas as possíveis senhas de um arquivo protegido]. Aparentemente o nosso website conseguiu resistir à maioria destes ataques. Mas já podemos confirmar que desde a publicação do nosso relatório, ataques oriundos de Angola vêm crescendo substancialmente. Eu não estou fazendo qualquer alegação em particular, mas eu acredito que os dados precisam ser profundamente investigados para se saber em que extensão de fato ocorreu uma quebra de segurança na nossa plataforma de análise de dados.