Portugal: Deputada angolana denuncia que “MPLA” está aprovar lei que permite apurar o vencedor antes da eleição ocorrer

Luanda, 28 de Julho de 2021

Muito obrigada Excelência Presidente da AN:
Povo soberano de Angola,
Excelências,

Saúdo especialmente o Senhor Presidente da Assembleia Nacional por viabilizar a iniciativa construtiva de discutirmos todas as propostas de alteração da em conjunto, como fizemos em 2011, porque a proposta do MPLA, sozinha, tal como está, permite apurar o vencedor antes da eleição ocorrer. Dá respaldo legal às práticas costumeiras da CNE, cuja composição e dependência efectiva do Executivo, não lhe permite actuar com isenção e imparcialidade.

1. A Lei tal como está não permite a realização de eleições democráticas, livres e Justas, pois desvia-se das normas e procedimentos universais que regulam as eleições democráticas; elimina os elementos de controlo da verdade e da integridade eleitoral e não garante a lisura e a transparência dos actos da administração eleitoral. Precisa de ser corrigida nos seus aspectos fundamentais, porque ao invés de melhorar a lei actual, ela vem piora-la. Ao invés de controlar e dificultar a fraude, ela facilita a fraude.

2. Em síntese, o MPLA:

a) Vem propor que sejam eliminados o apuramento municipal e o apuramento provincial dos resultados eleitorais. Quer que os resultados saiam directamente das assembleias de voto para Luanda e depois é Luanda que dita a cada uma das províncias os resultados que teve. A lei actual impede-lhe de fazer isso. Mas é isso que a CNE tem feito, por força das ordens superiores. É assim que em 2017, a CNE anunciou resultados fantasmas que os seus comissários não produziram. Só o MPLA sabia a origem dos resultados anunciados. Agora, o MPLA quer transformar esse procedimento fraudulento em lei;

b) A proposta pretende que o apuramento seja feito não mais com base nas actas das operações eleitorais, assinadas por todos, mas com base numa outra acta, elaborada por uma só pessoa e não assinada por todos os membros das mesas onde ocorreu a votação.

c) Devo recordar que o Tribunal Constitucional já declarou por Acórdão, em 2012 (o Acórdão nº 224), que só as actas das operações eleitorais, assinadas pelos delegados de lista e por todos os membros das mesas de voto, está rodeada de todas as garantias para a conversão de votos em assentos parlamentares. A acta síntese, elaborada por uma só pessoa, não descreve as operações realizadas, não regista reclamações, não tem a assinatura de todos os intervenientes das mesas de voto, comporta erros óbvios de transcrição e de digitação e não serve para o apuramento.

d) Novamente, a proposta pretende transformar a prática ilegal do MPLA em lei da nossa República.

e) Pretende também a proposta transformar a votação antecipada num direito para certas pessoas, ao invés de uma opção. Quer, por exemplo, que os cidadãos, mesmo que queiram votar no dia das eleições, as suas entidades patronais decidam o contrário; quem serve nas Forças Armadas e na Polícia não tenham a liberdade de votar como cidadãos livres, fora dos quarteis e longe dos olhares de seus chefes, no dia da eleição. Não estabelece medidas adequadas de segurança para condicionar a votação antecipada à fiscalização dos delegados de lista e à inscrição prévia nos cadernos eleitorais nem para se proceder à baixa dos que já votaram nos cadernos eleitorais.

f) E mais: a proposta quer eliminar também a proibição da presença de militares e paramilitares nas Assembleias de voto. Pretende-se intimidar o povo com a presença de militares armados nas Assembleias de voto.

g) Além disso, a proposta encerra medidas que não facilitam a boa organização das eleições, porquanto:

i. Reduz o prazo para a CNE divulgar o local onde as pessoas vão votar, de 30 para 15 dias.

ii. Reduz o prazo para a CNE fornecer aos Partidos concorrentes a informação que lhes vai permitir designar os delegados de lista, de 45 para 30 dias;
iii. Reduz o prazo para a CNE remeter aos Partidos políticos a lista dos delegados de lista credenciados com a indicação das mesas de voto e as respectivas credenciais, de 10 para apenas 5 dias.

iv. Reduz o número de delegados de lista por cada candidatura, de dois para um. Não admite que o suplente esteja presente para substituir o efectivo sempre que este precisar de se ausentar por razões práticas.

v. Reduz o âmbito de intervenção dos delegados de lista e limita o conteúdo das respectivas reclamações a registar em acta.

Está claro que estas reduções nos prazos de credenciamento, na presença e no âmbito de intervenção dos fiscais, visam reduzir ou impedir a presença de fiscais em todas as mesas de voto do País.

Todos sabemos que os prazos actuais já se mostraram insuficientes em 2012 e em 2017 e que a conduta da CNE nesse campo tem sido marcadamente dolosa e parcial.

3. O MPLA quer reforçar o voto por correspondência, quer alargar os poderes discricionários da CNE por ele controlada. Não esclarece que tipo de reformas pretende fazer na CNE, mas deixa claro na sua proposta que não quer que a CNE seja uma entidade equilibrada, independente e isenta, que funcione fora do controlo de qualquer Partido político.

O Relatório de Fundamentação afirma que um dos objectivos da lei é corrigir alguns aspectos que se revelaram de «aplicação conflituosa» desde a aprovação da actual lei. Discordamos dessa afirmação. A lei que se pretende alterar foi objecto de um regime especial de aprovação. Criou-se no seio da Assembleia Nacional uma comissão especial, constituída por Deputados de cada uma das representações políticas, que construiu os consensos necessários e aprovou as propostas apresentadas por todos.

Em 2011, por via diálogo franco e civilizado produzimos por consenso aquilo que considero uma das leis mais ricas do processo legislativo angolano, a Lei nº 36/11. Em apenas oito sessões non-stop, sem maiorias nem minorias. Fizemo-lo juntos, não com sentido de Estado hegemónico, mas com o sentido do Estado de direito democrático.

Passaram-se dez anos desde a aprovação da lei eleitoral, é tempo mais do que suficiente para aceitarmos definitivamente a democracia. Contrariamente ao que se afirma no Relatório, os princípios e as regras da democracia e do Estado de direito democrático não mudam. O que se verifica em cada eleição é que nós é que não conseguimos ainda adaptar-nos à democracia e à supremacia da Constituição e da lei.

Angola e os angolanos precisam de eleições livres, justas, transparentes, credíveis e democráticas.

Muito obrigada.
Mihaela Neto Webba

 

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