Portugal: O que esperar de mais uma “ação judicial de Isabel dos Santos”?

A empresária angolana Isabel dos Santos apresentou queixa no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Banco de Portugal pela perda da participação no EuroBic. Analistas consideram a ação uma “estratégia oca”.

Isabel dos Santos era detentora de 42,5% do capital do banco português EuroBic, arrestado pela justiça ao abrigo das denúncias feitas no âmbito do “Luanda Leaks”, por suspeita de desvio de dinheiro do Estado angolano num valor calculado em mais de quatro mil milhões de euros.

Depois do arresto dos seu bens determinado pelo Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa em 2020, a empresária angolana perdeu o direito de voto no Eurobic, o que motivou a filha primogénita do ex-Presidente José Eduardo dos Santos a apresentar queixa contra o Banco de Portugal este mês.

O jornalista e autor do livro “O Poder Angolano em Portugal” (2013), Celso Filipe, não acredita que este processo venha a ter um desfecho favorável para Isabel dos Santos.

Segundo Filipe, “existem muitos processos e suspeitas envolvendo a empresária, e este parece ser mais um caso em que Isabel dos Santos vai lutar com todas as suas forças contra aquilo que considera ser os seus detratores”.

Porém, “igualmente, parece-me que não vai ter sucesso”, acrescentou Filipe.

“Apenas um imperativo legal”

Ouvido pela DW África, o jurista Rui Verde afirma que a ação administrativa interposta contra o Banco de Portugal “parece ser apenas a concretização de um imperativo legal”, uma vez que, em outubro de 2020, Isabel dos Santos já tinha entrado com uma providência cautelar contra a entidade supervisora sobre o mesmo tema.

“Quando põe-se uma providência cautelar, passado algum tempo determinado por lei (geralmente de três meses), é preciso que seja colocada uma ação de fundo. Deve ser este o caso. Portanto, esta ação é apenas um formalismo que se segue à providência”, explica.

“A luta [de Isabel dos Santos] contra o Banco de Portugal será inglória”, enfatiza o diretor adjunto do Jornal de Negócios.

“No entanto, é muito difícil avaliar este processo na medida em que a ação foi interposta, mas não se conhecem os termos dessa mesma ação”, acrescenta. “Nem Isabel dos Santos, nem pessoas ligadas a ela, mostraram disponibilidade para esclarecer a natureza desta ação interposta”, explica o jornalista.

Advogados recusam-se a comentar

A DW África contactou, em Lisboa, a sociedade de advogados que representa Isabel dos Santos nesta ação judicial, mas o grupo recusa-se a comentar o processo.

De referir que foi na sequência do escândalo “Luanda Leaks” – e após pressão de Portugal e de Angola -, que a milionária acabou por colocar à venda a sua participação no banco EuroBic e na Efacec, entre outras empresas que detém no estrangeiro.

O jurista Rui Verde recorda que, além desta ação, Isabel dos Santos  já tinha apresentado anteriormente outro processo administrativo, relativamente à nacionalização da Efacec pelo Estado português, ocorrida em julho de 2020.

“Tenho muitas dúvidas sobre a eficiência e o interesse jurídico destas ações. Portugal é o segundo país da Europa com os tribunais administrativos mais lentos, como afirma a Ordem dos Advogados portuguesa”, explica o jurista.

“Isso quer dizer que estas ações colocadas por Isabel dos Santos não terão efeito jurídico útil nenhum a curto prazo, e muito possivelmente [também não] a médio prazo”, diz Rui Verde.

Para o analista, o que a empresária pretende ao reagir junto dos tribunais não é uma solução legal, mas sim assumir uma postura política dando a entender que o Estado português a está a tratar mal.

“Estratégia oca”

“No fundo, estas ações não trazem nada de novo para a esfera jurídica, do ponto de vista legal é uma estratégia oca”, acrescenta.

Segundo o jornalista Celso Filipe, “em qualquer cenário, Isabel dos Santos nunca terá hipótese de voltar a ter uma palavra a dizer no EuroBic”, explica.

“E, por outro lado, quanto mais arrastar-se este processo relativamente à venda do banco [EuroBic] menor será o seu valor. Isso será prejudicial para os acionistas, na medida em que terão de vender suas posições por um preço mais baixo, ou terão de manter um banco, cujo valor de mercado será também mais baixo e menos lucrativo para eles”, acrescenta.

Há oito anos, Isabel dos Santos foi designada pela revista norte-americana Forbes como a mulher mais rica de África, com um património de 3,5 mil milhões de dólares (cerca de 2,8 mil milhões de euros).

Agora, a própria revista retirou a filha do ex-Presidente de Angola dessa ”lista de multimilionários”. Para o jornalista Celso Filipe, foi uma ação emblemática da publicação, pois “a mesma revista que antes a elogiou diz agora que ela é o exemplo típico de ’como pilhar um país'”.

“Além da dureza da observação, a mesma coloca em causa Isabel dos Santos enquanto empresária – e isso é mais uma ’machadada pesada’ na sua reputação”, concluiu.

 

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