Portugal: “Somos reféns num ato de intimidação política”, diz Ivo São Vicente

Filho do empresário Carlos São Vicente afirma que durante quatro meses tem estado a vender bens para fazer face a dívidas. Constituído arguido, Ivo diz que situação é insustentável e carece de cabimento jurídico.

Ivo São Vicente está sob pressão, mas aceitou falar com a DW África para revelar a sua versão dos fatos. O empresário foi constituído arguido recentemente no mesmo processo de seu pai, Carlos São Vicente, e poderá ser ouvido em Portugal nos próximos dias ao abrigo de mecanismos de cooperação judiciária com Angola.

O despacho do Ministério Púbico (MP) angolano refere que Carlos São Vicente teria levado a cabo “um esquema ilegal” que lesou a petrolífera Sonangol em mais de 900 milhões de dólares (mais de 760 milhões de euros).

A família recorre a todos os meios ao seu alcance – até mesmo a instituições portuguesas como Presidência e  Assembleia da República – para desfazer a perceção dos fatos apresentada pelas autoridades judiciais angolanas.

“O assunto foi remetido pelo presidente da Assembleia da República para a Comissão de Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas e recebemos o apoio explícito de um ex-Presidente da República, o General Ramalho Eanes. Quanto ao atual Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, estou crente de que, após as eleições, demonstrará também interesse pela nossa situação”, explica o empresário radicado em Portugal.

“Situação insustentável”

Ivo é um dos três filhos de Carlos São Vicente com Irene Neto – filha do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto. Seu pai está detido em Luanda desde setembro de 2020 por suspeita de fraude.

Entre os anos 2000 e 2016, Carlos São Vicente foi diretor de Gestão de Riscos da estatal angolana e presidente do Conselho de Administração da AAA Seguros – empresa da qual a Sonangol era inicialmente a única acionista. Segundo as acusações do MP, o empresário terá levado a cabo “um esquema de apropriação ilegal de participações sociais” da seguradora e de “rendimento e lucros produzidos pelo sistema” de seguros e resseguros no setor petrolífero em Angola.

Em Portugal, onde Carlos São Vicente tem empresas, foram arrestados os bens e congeladas as contas de toda a família. “A situação atual, com o meu pai preso sem acusação formada e da família com todos os bens e contas congeladas, é insustentável e carece de cabimento jurídico. Todas as diligências são válidas e estamos a desenvolvê-las nos vários países e em diferentes níveis”, esclarece o empresário que foi igualmente afetado pela decisão judicial que se refere ao seu pai.

O empresário afirma que, na Suíça, a presidente do Tribunal de Recurso disse ao Ministério Público suíço que não pode prolongar mais o congelamento das contas sem que existam fatos ou provas. “Acredito que em Angola, inevitavelmente se perceberá que tudo isto se tratou de um erro judicial”, espera.

Danos indiretos

Ivo diz nunca ter sido ouvido e lamenta a atual “situação incomportável” em que se encontram as suas empresas em Portugal – que integram o Grupo Osande. “Obrigou-me a paralisar subitamente um investimento de milhões de euros em Portugal, na área da hotelaria e restauração. O despacho do juiz só viria a ser comunicado meses depois e a data para se descongelarem as contas bancárias, aprazada para 22 de dezembro de 2020, não foi cumprida e nem sequer recebemos qualquer comunicação”, reclama.

O empresário salienta os efeitos indiretos das ações contra a sua família, revelando que os investimentos parados significam mais de duas centenas de postos de trabalho que não são concretizados.

Segundo Ivo São Vicente, cerca de 50 trabalhadores de seus empreendimentos estão sem receber salários e com os postos de trabalho em risco devido à situação judicial. Ele diz que os prejuízos estão a acumular na ordem das “centenas de milhares de euros, para além dos danos irreversíveis causados à sua reputação”. Ivo acrescenta que durante quatro meses tem estado a vender bens pessoais para fazer face às várias dívidas.

“Intimidação política disfarçada”

A DW África teve acesso a um parecer solicitado pela família ao constitucionalista português Jorge Miranda. No entendimento de Miranda, a aplicação das medidas de coação pessoal a Carlos São Vicente são inconstitucionais e não se divisam no processo indícios dos crimes imputados a Carlos São Vicente que pudessem justificar a prisão preventiva.

“Miranda demonstra a inconstitucionalidade da prisão preventiva do meu pai e de todo este processo que o atinge, a mim e à minha família por arrasto. […] Estamos a ser feitos reféns num ato de intimidação política disfarçada de processo judicial”, defende-se Ivo.

Já o investigador Domingos da Cruz considera admissível que a família esteja a fazer todas as diligências necessárias com vista a alcançar a liberdade de Carlos São Vicente. No entanto, diz ser uma matéria sobre a qual não consegue antever os resultados face ao lobbie lançado por Irene Neto.

“Tenho a impressão de que há um subgrupo de angolanos, dos quais faz parte São Vicente e sua família, que tem Angola como lugar somente para roubar. E, quando as coisas já não funcionam, abandonam o país tal como assistimos nos últimos tempos”, avalia o investigador.

O académico ligado à Universidade de Saragoza, em Espanha, mostra-se, por outro lado, surpreendido em relação ao posicionamento dos juristas que pensam que “é assim tão fácil desbloquear” casos “com base em lobbies”. “Parece-me imprudente tirar qualquer conclusão relativamente ao que pode advir do lobbie feito pela senhora Irene Neto”, completa Domingos da Cruz.

 

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