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Rafael Marques: “Cafunfo deve ser elevado a município”

À DW África, o ativista Rafael Marques diz que a resolução dos problemas em Cafunfo, na Lunda Norte, passa pela definição do seu estatuto político-administrativo. Porque atualmente a população “não tem a quem possa recorrer”.

Rafael Marques: “Do ponto de vista político-administrativo, Cafunfo não é bairro, não é distrito, não é comuna, não é município, não é nada – não existe”

Chegaram ao fim esta quarta-feira (10.03) as Jornadas de Cidadania e Segurança Pública em Cafunfo, na província da Lunda Norte, que a 30 de janeiro foi palco de protestos que resultaram em várias mortes.

Em entrevista à DW África, o ativista Rafael Marques, organizador dos debates através do Centro de Estudos para a Boa Governação (UFOLO), faz um balanço positivo do evento. Eorgulha-se de, pela primeira vez, ter visto reunidos em Cafunfo diferentes atores da sociedade num debate construtivo.

DW África: Em traços gerais, qual o balanço que faz das jornadas de cidadania e segurança?

Rafael Marques (RM): A principal nota é a do interesse geral da população em discutir e abordar os seus problemas. Hoje tivemos mais de 600 pessoas na sala. Não pudemos permitir mais por causa da pandemia e do espaço, mas tivemos de permitir a entrada de um número muito grande. A questão fundamental é que, tanto da parte do Comando-Geral da Polícia Nacional como das autoridades políticas, há um interesse cada vez maior de se resolver a questão de Cafunfo de forma articulada. Ao nível da Polícia Nacional certamente haverá também um melhor relacionamento com as comunidades locais.

DW África: Um dos principais aspetos que salientou foi a ausência de um estatuto político-administrativo para Cafunfo. O que acha que essa indefinição acarreta para a região?

RM: Primeiro é preciso entender que a principal instituição do Estado em Cafunfo é uma esquadra policial, porque não tem estrutura político-administrativa. O administrador do município do Cuango é que superintende Cafunfo mas Cafunfo tem 175 mil habitantes, está a 50 km do Cuango e, sempre que a população tem alguma reclamação, não tem uma entidade administrativa a quem possa recorrer.

Do ponto de vista político-administrativo, Cafunfo não é bairro, não é distrito, não é comuna, não é município, não é nada – não existe. Sempre que os manifestantes tentam fazer valer os seus direitos, a tendência é passar pela esquadra policial. Daí as grandes tensões porque quem representa praticamente as autoridades do Estado é a polícia. Para que a polícia possa ser um órgão exclusivamente dedicado ao seu papel constitucional de garantia da lei e da ordem, tem de haver uma administração política que responda por esses casos.

DW África: Ontem o governador provincial fez, entretanto, uma proposta para elevar Cafunfo ao estatuto de comuna. Acredita então que a definição desse estatuto é o ponto de partida para a resolução dos problemas?

RM: Eu penso que – e é também o entendimento das comunidades locais e de quem acompanha esta localidade há décadas – que Cafunfo deve ser elevado a município. Essa será uma grande forma de reduzir os choques constantes entre as forças policiais e a populações.

Isto acaba por ser uma terra de ninguém em que só a polícia e o Exército têm uma presença permanente junto das populações. E em parte nenhuma, a menos que seja num estado de guerra, está a polícia e o Exército a cuidar de assuntos político-administrativos. Cafunfo não tem um procurador local, e o papel fundamental para a garantia da paz social aqui é o papel da Procuradoria-Geral da República que deve dar vazão a casos de justiça.

DW África: Representantes da “Endiama” estiveram também presentes no encontro. Sentiu o comprometimento da diamantífera estatal para com a região no âmbito da responsabilidade social?

RM: Ajudei a moderar esta tarde a assinatura de um acordo entre a Fundação Brilhante, que é a face social da “Endiama”, e um conjunto de autoridades tradicionais para a resolução de muitos problemas socioeconómicos que aqui verificamos. Este acordo permite que haja um instrumento que facilite a monitorização. É um passo importante ter as empresas, finalmente, a assinar um documento com as comunidades em como se comprometem a fazer escolas, postos de saúde, dar empregos, a fazer furos de água. Com este instrumento está estabelecido, que de seis em seis meses, as empresas têm de reunir-se com os representantes comunitários para avaliar o estado de implementação do que foi acordado hoje.

DW África: Também participaram protagonistas do último incidente assim como familiares das vítimas e testemunhos. Acabaram por voltar ao dia 30 de janeiro e às versões contraditórias que existem sobre esse dia?

RM: Sim, acabou-se por se tocar nisso, mas os ânimos estão muito exaltados e houve muito barulho. Tivemos de interromper esses depoimentos, mas nós estaremos aqui dentro de dias outra vez para sentar apenas com os familiares das vítimas e, de forma individual, podermos então fazer um relatório exaustivo sobre o que se passou.

Não era intenção desse encontro apurar versões, mas simplesmente criar um ambiente de desagravamento da tensão social, e acho que esse objetivo foi cumprido.

DW África: Já tem uma previsão de quando tratará a público o resultado dessa investigação?

RM: Será apresentado em breve, mas vamos fazer o trabalho sem pressão, para que seja bem feito. Mas é para muito breve porque é algo que já está em curso.

DW África: No encerramento das jornadas contaram com a intervenção da Secretária de Estado para os Direitos Humanos, Ana Celeste Januário. O que retirou das suas palavras?

RM: Fez o discurso do encerramento, e essa é a demonstração do empenho do Governo [para] que o problema seja resolvido. É a primeira vez que em Cafunfo se reúnem todas as entidades para abertamente se discutir o problema – e com essa perspetiva de soluções.

 

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