Mas a jovem angolana teme continuar sem saber do pai: “Eu li, na íntegra, as declarações do Presidente, nomeadamente no que se referia às ossadas. Ele nomeou alguns nomes de pessoas e nomeou também grupos de vítimas: a Nona Brigada, o Destacamento Feminino, os DISA [polícia política de Angola]; e, portanto, entre esses grupos não encontrei nenhum onde pudesse inserir o meu pai”.
Ponto de partida
O pai de Ulika da Paixão, que foi um dos dirigentes do MPLA e antigo preso político, não pertencia a nenhum dos grupos referidos por João Lourenço. A cidadã angolana diz sentir-se, de certa forma, desconfortável com este facto, porque não sabe o que vai acontecer às ossadas das pessoas não mencionadas pelo Presidente angolano.
“Deixa-me muito apreensiva que, havendo esta entrega de ossadas [às famílias], as do meu pai se possam ficar num monte de pessoas desconhecidas. Eu é que não vejo como é que vou fazer este voo completo no sentido de poder devolver as ossadas do meu pai, nomeadamente à mãe dele Dona Beatriz Domingos Alves, mais conhecida por Bia. Foi algo que ela toda a vida pediu, para fazer o comba e depois o funeral, que é extremamente importante para as famílias em Angola”, relata a angolana à DW África.
Ulika Franco afirma ainda que o pedido de perdão é apenas um ponto de partida e que é preciso ir mais além. Pede que este processo também não seja para dividir os angolanos.
Verónica Leite de Castro, esposa de um sobrevivente do 27 de maio, mostra-se surpresa e confortada com a decisão presidencial. No entanto, a investigadora angolana, que está a preparar um trabalho académico independente visando resgatar a memória das vítimas, também diz que não basta pedir perdão e não basta restituir os restos mortais aos familiares, “é preciso também repor a verdade”.
“A verdade dos factos”
A investigadora frisa que é necessário que o Governo do MPLA assuma “a verdade dos factos”, facultando a abertura dos arquivos, nomeadamente da DISA, então polícia política angolana, bem como da Televisão Pública, da Rádio Nacional e do Jornal de Angola, “órgãos de comunicação que contribuíram para a repressão”.
Verónica Castro defende que os arquivos sejam disponibilizados “para que investigadores isentos, fora do MPLA e fora do Estado angolano. investigassem tudo isto”. “Ajudaria a repor a verdade”, afirma a investigadora em Lisboa, que acrescenta que este é o sentimento de muitos familiares.
Por outro lado, a esposa de um sobrevivente do 27 de Maio insiste que, para sarar as feridas, faltará conhecer e responsabilizar os algozes pelos crimes que cometeram. “Porque o Presidente também disse: ‘cada um tem que assumir as suas responsabilidades'”, lembra.
“Tem que haver algum organismo, alguma forma de os responsabilizar. Porque senão nós familiares das vítimas não nos vamos sentir bem. Vamos continuar a sofrer”, ressalta Verónica Castro, que defende ainda “a verdade histórica para dignificar o bom nome das pessoas desaparecidas, muitas delas inocentes”.
A Plataforma “27 de Maio” reúne-se até ao fim de semana para conclusões e definição de próximas ações do grupo, que ao longo de vários anos tem vindo a apelar para uma verdadeira reconciliação da nação angolana.