Homenagem ao maior ícone do estilo Kuduro da actualidade nacional, “Joelson Caio Manuel Mendes (Nagrelha)”

SAMBIZANGA, NUMA VISÃO ENTRECRUZADA ENTRE A EXTREMA POBREZA E A FERTILIDADE GENIAL DOS SEUS FILHOS – SINGELA HOMENAGEM À JOELSON (GERSON) CAIO MANUEL MENDES (NAGRELHA, NANÁ).

Com uma lágrima no canto do olho e dolência no coração, abro essa página para debitar soltas palavras, relativamente ao infortúnio que se assiste, de concreto, o passamento físico de uma das vozes, senão mesmo, o maior ícone do estilo Kuduro da actualidade nacional, Nagrelha.

Conheci pessoalmente o artista, antes do seu nome ter ecoado aos quatro cantos do mundo pelos ventos da música, no seu santuário – Baião, arredores do Jiló e Bom Pastor (Sabizanga), sempre que lá me deslocasse em visita à minha Tia Eugénia (Zinha) e o meu primo João Kissola. Como vizinhos, nunca faltou privar uma conversa com o astro.

Em outros tempos vi-los (os Lambas), no Sambizanga de baixo – Dimuca, quando estes desciam ao Kalussinga (Praça), encontrar o também já falecido Dominique (músico, exímio dançarino do estilo e antigo Muchacho de Tony Amado), em acertos de dossiês relativos ao kuduro. De destacar que a reprodução e venda de discos no Roque Santeiro, a par dos taxistas, foi um fator determinante para expansão (expandir) em forma de promoção do artista e a música. Por outra, o bit da música os 4 ouvimo-la em primeira mão a partir do DJ Nidrox, na nossa banda.

Como refere: “Encontrei-me com Nagrelha num dia ocasional no estúdio do DJ Alex e Man Kilas, Ele estava com Amizade e Bruno King e admiravam a forma como foi produzido o instrumental da música os 4. Esperava encontrar-me com eles mais vezes. Também devo reconhecimento ao Bruno King que procurou-me, enquanto estavam separados e aconselhei que o grupo tinha de manter-se unido (Nidrox:2022)”.

Sambizanga, Rangel, Cazenga e outros guetos ou musekes, constituem-se em zonas altamente marginalizadas, distante dos serviços sociais integrados (ultimamente assiste-se uma ligeira melhoria) e cuja pobreza extrema faz-se cartão postal destas localidades. Desde a descaracterização urbana – como pode se ver ainda nalguns perímetros casas de madeira em condições deploráveis, pau-a-pique, chapas e adobe, com estreitas ruelas e um número sem conta de becos (que clamam por requalificação ou reconversão de facto) – e aguda tristeza no rosto das crianças e mulheres. Ademais, não é debalde que se considerou “a pobreza no Sambizanga como um fenómeno encontrado a nascença, mas, asseverado também, ser neste ambiente de pobreza onde se forjaram muitas personalidades (JES)”.

Todavia, subjuga-se, com uma certa dose de injustiça, o gueto, como lugar impossível de ser feliz e realiza-se, no dizer de Dyakassembe. É nossa miséria esses bairros de lixo dos musseques onde o ar e a luz (do sol da razão) mal penetram, mas os vícios de todos os vícios gozam de plenitude eterna. Encontra-se ali uma miséria que se ignora, que cobre a consciência de nebulosos reflexos de sonhos débeis e desumanizados, mas extasiantes e deliciosos. DyaKassembe (2011:25)

Pode se depreender que a presença do Mercado Roque Santeiro (1986-2011) deverá influenciar procedimentos e atitudes marginais: delinquência, prostituição drogas e outras práticas de má índole, porquanto, dentro e nos arredores do mercado deflagraram-se horripilantes situação que remetia o Sambizanga no mapa do medo, por parte de seus hóspedes. Contudo, hoje é uma das localidades de Luanda onde sente-se mais ou menos à vontade, dada presença da Turma do Apito.

A Ascenção e apogeu de Joelson Caio Manuel Mendes – Nagrelha, afigura-se ser uma história de superação. Do nada expôs-se ao mundo e fez-se ícone e muito popular. Faz-se pontual realçar ainda, que a arte, a ciência e o desporto jogam um papel preponderante para crescimento, desenvolvimento e afirmação de marginalizados – com essas ferramentas pode se sair da pobreza extrema e pensamos que Nagrelha terá lido e segurado a arte (Música) como cajado da sua saída da anomia por que se encontrava. De realçar, que por intermédio do futebol, Sambizanga produziu vedetas que fizeram furor pelo país e não só! Dos quais destaca-se Man-Torras, sem desprimor para Zico, Kacharamba, Vidal e outros. Bangão e Belo do Samba, de forma amostral dão-nos a percepção que a arte eleva o indivíduo e sua comunidade. Entre a nova geração pode se mencionar o nome de Rapper Doutor Romeu (LAZ), porque não falar de Ernesto Bartolomeu? Uma das vozes mais conhecidas da Televisão angolana.

As crianças sonham e a juventude expecta uma vida melhor – no Complexo Escolar Dom Bosco, a maior referência educacional do Sambizanga, apregoam-se os ensinamento e preocupação do seu patrono para com a juventude, de maneira que esta não se desvie ou perverta “se quiserdes fazer uma coisa santa, educai a juventude. Impera-se a necessidade de se formar bons cristãos e honestos cidadão (Dom Bosco)”.

Nesta linha de pensamento, a maior parte dos pais, temiam que os filhos se descarrilassem e fossem intoxicados pelos encantos e apetites da má vida e a doçura do dinheiro fácil do Roque Santeiro, sob risco de algemar e amputar o brilhante futuro que se poderia desenhar para os filhos.

Desta feita, optaram incisivamente por uma abordagem tridimensional nos conselhos aos filhos – Igreja, Escola e Profissão – vimos muitas vezes os pais nervosos quando deste guião procurássemos descarrilar e a maior parte dos adolescentes e jovens estavam a aprender enfermagem, mecânica, alfaiataria, pintura, electricidade, serralharia e carpintaria ou marcenaria, dados aos Mesenes (mestres/instrutores) pelos pais, no antes ou no período oposto as aulas e parte considerável frequentava a Igreja. Muita boa gente experimentava-se no futebol e na música (Rapper e Kuduro)

Forjado num ambiente difícil, fez das dificuldades e dos elementos desprezados da recriação linguageira do gueto, a matéria prima e pedra de toque para construção da sua poética. Inventou seus ditados e fez-se um filósofo a sua maneira. Ora, dado o destaque, compreendeu sua inconfundível presença e influência, e postulou que ‘o Kuduro sem ele, assemelhar-se-ia numa caverna sem Platão’

Parafraseando, Hanza (2022) <“forjado pela nudez e carência do Sambizanga, brilhou com a sua própria luz! Não se enquadrava no perfil de estrela que se quer, não falava como se espera! Foi um intelectual esculpido pelas escolas do gueto! Uma voz só sua! Popular de pôr inveja! Sim, ele representava toda exclusão e privações que sofremos como, mesmo com essas todas barreiras nós encontramos sempre uma forma de furar e falar: ‘tamu aqui, ni’zovi!” – Não se envergonhou de ser como ele era: “quamdo o tiro não vos mata, quem vos mata é quem dispara!” – não sei se Deus lhe conhecia, mas ele tinha a sua própria certeza: “vindo da Igreja, não entendi nada, porque tudo o que o Padre dizia, eu já sabia!>”.

Criou a sua forma de ser e estar na arte, revolucionou o estilo, com sua própria gramática eivada de terminologias, que numa primeira fase só compreendida pelos Siribas (tropas ou companheiros) do circuito mais apertado do bloco da resistência e da fina linha do gueto, expressões criadas e recriadas na periferia e nos grandes subúrbios, muitas delas advindos dos mercados informais e principalmente dos centros de reclusão, com destaque para CCL(Comarca Central de Luanda), emprestaram outra dimensão e riqueza peculiar, o próprio adoço, à música dos Lambas e seu vocalista principal, bem como outros artífices do estilo.“Provou e gostou e por ser assim me colou” pode ser compreendido como a força telúrica e contagiante que funciona como um perfume, cujo aroma deixa indiferente e inebriado quem com ele entrasse em contacto ou com a sua produção, ninguém, senão mesmo, poucos ficavam indiferente ao trabalho desse artista e seu agrupamento. Daí a outra máxima – “Quando o tiro não vos mata, quem vos mata é quem dispara!”.

A vista desarmada, poderia se perceber de forma precipitada um ateísmo em Nagrelha ou um distanciamento da Igreja e de Deus – “Vindo da Igreja, não entendi nada, porque tudo o que o Padre dizia, eu já sabia! ” Porém ao admitir: “Sou demônio não da maldade. Peço a Deus que guarde o amizade” retira a ideia inicial, porquanto, a conotação demônio julga-se ser um termo cujo peso da agressividade objectiva espantar possível concorrência, ou qualquer chavalo ou kawisu (atrevido) que tentasse entremeter-se na rivalidade com ele ou o seu grupo. Assim, reconhecia a Deus e a Ele recomendava que guardasse o seu amigo”.

Manifesta uma percepção da existência de um Ente Supremo que controla toda ordem universal e cuida do tempo e das circunstâncias dos seres contingentes. Como todo vivente e mortal terrestre, tinha noção da morte, e que tal fatalidade ocorreria um dia. Num dos seus aforismos deixou passar que – “A morte e o sono são filhos de pai e mãe. Só que um não sabe brincar”.

E a má brincalhona decidiu abraçá-lo e roubar Naná do convívio dos seus.Ainda na fase derradeira de sua vida, percepcionada a situação irreversível da enfermidade decidiu sair do estrangeiro, Portugal, onde se encontrava e vir ao país repousar nos braços dos seus, o que denota um acto Patriótico – Tal como descreve o Sociólogo e Analista Político, Osvaldo Tchingombe (2022):<“Nagrelha voltou para Angola por sua vontade e assinou um termo de responsabilidade porque o mesmo junto aos médicos e familiares confessou que gostaria de morrer na sua Terra Natal, Sambizanga – Luanda: Angola, (…)”>

A lição que fica, é de que nenhum factor de vulnerabilidade ou marginalidade pode beliscar a possibilidade de sonhar e realizar-se. A luta constante pela superação deve ser o foco. Mas, no clímax, deve-se guiar a vida no equilíbrio, moderação ou temperança na concupiscência que, em certa medida, a vida nos remete. Nagrelha viveu com muita intensidade[.]!

A Educação regrada e o aconchego a Deus podem reorientar os nossos passos ao caminho do bem, pelo que o Sábio Rei Salomão, em Eclesiastes (12:1-2 e 12:13-14), orienta-nos a lembrar-se do Criador em dias da nossa mocidade; E de tudo que se tem ouvido, o fim é temer a Deus e guardar os seus mandamentos, como dever de todo homem. Pois, ELE há de trazer o juízo a toda obra, e até tudo que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.

É mau e discriminatório querer junlgar ou beliscar o talento ou a glória de alguém, em virtude de ser originário de um musseque. O que pode parecer uma displicência cruel, de gargalhadas e tentativa de banalização. Aliás, em Sagrada Esperança, no poema Crueldade, Agostinho Neto, repugna tal procedimento e destaca Sambizanga com agruras da opressão e estuário da revolução anticolonial <E de repente/no bairro acabou o baile/ e as faces endureceram na noite/ e ficou o silêncio/ dum óbito sem gritos/que as mulheres choram/ vindo no silêncio da noite/ do musseque Sambizanga/ – um bairro de pretos.

É pontual destacar que, ‘os génios não vêm do centro, mas sim das periferia’. E isto incomoda a elite, (Simbad apud Macedo, 2022). Nagrelha é e foi uma referência incontornável. A sua forma de ser e estar, gerou paixões contra e a favor de si mesmo, mas marcou o seu tempo e constitui-se num objeto de estudo.
Por Mozier Jocand, Sambizanga – Luanda: Angola, 21 de Novembro de 2022

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, João Ferreira (1968). Bíblia Sagrada – Tradução em Português. Sociedade Bíblica Unida. Rua Passos Manuel 1- B. 1100. Lisboa.

DYA KASSEMBE, Amélia De Fátima Cardoso (2011). A Reflexão Filosófica sobre a estupidez codificada. Mayamba Editora, Luanda –Angola.

HANZA, Mbanza (2022). O Poder do gueto perdeu mais uma sua estrela. In facebook [19 de Novembro]

Herdeiros de Agostinho Neto (1998) – Agostinho Neto.Crueldade. POESIA. Colecção Kilamba 2 – Livro I. Sagrada Esperança. Crueldade. Ed, INALD.

NIDROX (2022). Morte de Nagrelha deixa-me entristecido. facebook, [20 de Novembro]

SIMBAD, Helder (2022). Os génios nascem nas periferias e não no Centro. Apologia à Jorge Macedo. In facebook[20 de Novembro]

TCHINGOMBE, Osvaldo (2022): O Patriotismo de Nagrelha.Pag.A24H: Angola 24 Horas. In facebook [19 de Novembro].

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