“Portugal não pode continuar a ser um albergue de dinheiro roubado”, diz Transparência e Integridade. Associação cívica exige cooperação das autoridades portuguesas com Angola para a devolução de ativos da corrupção.
A petição que acaba de lançar a associação cívica Transparência e Integridade Portugal (TIAC) pede a devolução do dinheiro roubado ao povo angolano por figuras da elite que estiveram próximas do ex-presidente José Eduardo dos Santos. Parte importante desse capital desviado dos cofres do Estado, através de mecanismos de corrupção, está escondido em Portugal, sob forma de ativos financeiros, imobiliário de luxo, depósitos bancários e participações em empresas.
“A corrupção tem um impacto massivo sobre a vida das pessoas e é por isso que lançamos esta petição”, explica Karina Carvalho, diretora executiva da ONG portuguesa.
“O nosso objetivo é juntar cidadãos portugueses e angolanos no mesmo propósito comum, que é exigir das autoridades portuguesas que trabalhem em conjunto com as autoridades angolanas para garantir que o dinheiro roubado ao povo angolano retorne ao país”, sublinha.
A diretora da TIAC espera ainda que o dinheiro recuperado “seja utilizado em prol da melhoria das condições de vida da população angolana, que nesta altura sofre bastante, não apenas pela pobreza que ali se experiencia mas sobretudo, também, fruto do impacto da Covid-19 na vida de todos os dias.”
Recuperação de ativos
Consciente das responsabilidades de Portugal, refere o texto da petição, a TIAC associa-se ao povo angolano na sua exortação para que a recuperação e a devolução dos ativos resultantes da corrupção se faça rapidamente e que a atuação dos atores envolvidos não siga impune.
Desde o início deste ano, quando veio a público o caso “Luanda Leaks”, que a associação tem vindo a exortar Portugal a solidarizar-se com o povo angolano e a colaborar ativamente com as autoridades judiciárias de modo a fazer retornar o dinheiro roubado ao seu dono legítimo.
Contudo, “não basta existirem processos em Portugal”, avisa Karina Carvalho. “As Nações Unidas estão, nesta semana, no contexto da Convenção contra a Corrupção, a discutir precisamente a recuperação de ativos e a compensação das vítimas de corrupção. E, portanto, sendo Portugal e Angola estados que subscreveram esta convenção, nós esperamos dos dois Governos que se mobilizem para garantir que a recuperação de ativos seja uma realidade e que se materialize em ações concretas”, afirma.
De acordo com a diretora da TIAC, o papel da sociedade civil (cidadãos e organizações não governamentais) é fundamental para garantir a recuperação de tais ativos.
Aplicação do capital
Nos últimos dias, no âmbito das comemorações dos 45 anos da independência de Angola, os protestos voltaram às ruas, principalmente em Luanda, contra a difícil situação social e económica em que vive a maioria dos angolanos.
Neste contexto, Manuel Dias dos Santos, presidente da direção em exercício da Plataforma de Reflexão Angola – Associação Cívica, considera a petição pertinente, porque esse dinheiro deve ser devolvido em benefício dos cidadãos angolanos.
“O Presidente João Lourenço esteve em Portugal [em novembro de 2018, em visita de Estado] e falou sobre vários aspetos, mas nunca falou sobre este aspeto de assumir todas essas questões relativas ao capital que ficou bem identificado e cuja origem desse mesmo capital por via de transferências partiu de Angola”, lembra.
A Plataforma não quer “um repatriamento qualquer”. Insiste que quer um repatriamento de capitais com condições devidamente definidas para que os recursos recuperados sejam devidamente aplicados em resposta às necessidades e prioridades dos angolanos.
Combate à corrupção
“Não é só o aspeto do retorno dos capitais. É a forma como esses capitais vão ser inseridos naquilo que são as necessidades primárias das quais os angolanos se têm queixado e que têm levantado toda esta onda de protestos”, argumenta Manuel dos Santos.
“E estes protestos todos são salutares e bem-vindos e são aqueles, de facto, com os quais nos identificamos e nos associamos para além dos outros que temos promovido”, acrescenta.
Karina Carvalho considera, por sua vez, que as manifestações que se têm vindo a registar em toda a Angola, com maior expressão em Luanda, “são retrato de pessoas que, de alguma forma, se sentem frustradas, porque o combate à corrupção propagado pelo Governo do Presidente João Lourenço não está a dar os resultados esperados.”
“É óbvio que o combate à corrupção não se faz de um dia para outro, mas era importante que o Presidente João Lourenço desse sinais de que não tem um critério discricionário. Ou seja, que aja com a mesma mão pesada para toda a gente e para os casos. Falo novamente do Manuel Vicente [ex-vice Presidente de Angola], mas poderíamos falar do caso Edeltrudes Costa, que eu acho que ainda é mais gritante”, aponta a diretora executiva do TIAC.