A ONG Transparência e Integridade (TI-PT), que é a representante portuguesa da Transparency International, lançou hoje uma petição “a pedir a devolução do dinheiro roubado ao povo angolano”, numa altura em que foi agendada nova manifestação – sábado – contra a degradação das condições de vida dos angolanos e pela exigência de realização das primeiras eleições autárquicas em Angola.
No comunicado, a associação cívica TI-PT apela aos cidadãos portugueses e angolanos, incluindo os residentes na diáspora, para que “exijam em conjunto que a recuperação e devolução dos ativos resultantes da corrupção ao povo de Angola se faça rapidamente e que a atuação dos atores envolvidos não siga impune”.
“Consciente das responsabilidades de Portugal, a Transparência e Integridade junta-se assim ao povo angolano na sua exortação pela justiça, combate à corrupção e defesa dos direitos, apelando a que cidadãos angolanos e portugueses exijam em conjunto que a recuperação e devolução dos ativos resultantes da corrupção ao povo de Angola se faça rapidamente e que a atuação dos atores envolvidos não siga impune”, diz a nota.
Na passada quarta-feira, dia da independência de Angola, a diáspora angolana protestou nas ruas das capitais de sete países, incluindo Portugal, juntando-se assim a uma ação que também decorreu no mesmo dia em 15 das 18 províncias angolanas.
Em Luanda, a polícia angolana dispersou os manifestantes com recurso a gás lacrimogéneo na estrada de Catete, arredores da capital em Angola, provocando ferimento em alguns ativistas que exigiam igualmente a demissão do chefe de gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa, alegadamente envolvido em esquemas de enriquecimento ilícito.
A instituição portuguesa, que integra a maior rede global anti-corrupção, recorda que “as revelações feitas pelo caso Luanda Leaks, a propósito dos negócios sujos de Isabel dos Santos e seus associados, mostraram como a riqueza de Angola foi cooptada por uma elite angolana, auxiliada e encorajada por políticos, homens de negócios e intermediários de centros financeiros de todo o mundo, com particular destaque para Portugal”.
POBREZA
Citada no comunicado, a Presidente da TI-PT, Susana Coroado, lembra que, hoje, “Angola tem das mais altas taxas de mortalidade infantil do mundo. Cerca de 40% da população vive abaixo do limiar da pobreza e não tem acesso a água potável. O acesso a serviços públicos, infraestruturas e cuidados básicos continua a ser insuficiente”.
Susana Coroado considera ainda que, “enquanto isso, dinheiro é roubado aos cofres públicos por parte da elite angolana e fica estacionado em Portugal, sob a forma de imobiliário de luxo, participações em empresas portuguesas e depósitos em bancos”.
Por isso, aquela responsável que tem sido crítica dos vistos Gold em Portugal, defende: “Este saque ao povo angolano tem que acabar e Portugal não pode continuar a ser um albergue de dinheiro roubado”.
Angola é um estado soberano desde 11 de novembro de 1975, data da Declaração da Independência relativamente a Portugal após o processo de descolonização. Depois de mais de três décadas de governação de José Eduardo dos Santos, “o presidente João Lourenço herdou um país devastado”, frisa a TI-PT, prosseguindo:
“Esta devastação foi resultado da forte queda dos preços do petróleo e pelo aumento da dívida pública, que em 2018 atingiu o seu valor máximo – 65,5 mil milhões de euros – mas também da profunda degradação das condições de vida, provocadas por um regime cleptocrático que ao longo de sucessivos anos normalizou a corrupção, o nepotismo e a exploração massiva dos recursos do país pelo Presidente José Eduardo dos Santos e o seu restrito grupo de camaradas de partido e familiares, incluindo a filha mais velha de dos Santos, Isabel, considerada a mulher mais rica de África , com um património líquido de 2,1 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes”.
Numa altura em que Angola “está a ser apoiado pelo Fundo Monetário Internacional (3,7 mil milhões de dólares) e Banco Mundial (500 milhões de dólares), e que ainda deve cerca de 500 milhões de euros a empresas portuguesas”, defende aquela organização, “é fundamental expor não apenas a corrupção endémica no país, evitando que a ajuda internacional seja desviada, mas também garantir que esse dinheiro não se transforme em fluxos financeiros ilícitos de Angola para offshores ou países da União Europeia, principalmente Portugal, que, claramente, se mantém disponível para continuar a lavar o dinheiro roubado ao povo angolano, comprometendo assim a paz social e o desenvolvimento sustentável”.
Segundo a TI-PT, “uma parte importante do dinheiro roubado ao Estado e ao povo angolano através da corrupção tem sido escondido em Portugal, sob a forma de ativos financeiros, imobiliário e participações em empresas. As relações Portugal-Angola são inevitavelmente manchadas por estes fluxos ilícitos, prejudicando a longa amizade entre os dois Estados, bem como cada um dos países: Angola fica despojada de recursos vitais para o seu desenvolvimento económico e humano, e Portugal deixa de ser, aos olhos dos angolanos, um parceiro confiável, ao mesmo tempo que as suas empresas perdem oportunidades”.
PRESSÃO INTERNACIONAL
A entidade é de opinião que “este dinheiro pertence ao povo angolano e tem de ser devolvido a Angola para poder ser reinvestido nos direitos básicos da população, como a saúde, a educação e a justiça, no crescimento económico do país e no cumprimento das suas obrigações de dívida externa a credores públicos e privados”.
A propósito, a Diretora Executiva da TI-PT, Karina Carvalho, nascida em Angola, refere que “a recuperação de ativos é uma matéria de Direitos Humanos e por isso essencial para o alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelas Nações Unidas, mas tão importante como a celeridade na devolução do dinheiro que pertence a Angola é assegurar que esses montantes não continuarão a alimentar os esquemas de corrupção institucionalizados”.
Para Karina Carvalho, “o papel da sociedade civil, cidadãos e organizações, é fundamental para garanti-lo, quer através do diagnóstico de necessidades, quer através da monitorização do impacto de políticas públicas, quer trabalhando enquanto agentes de transformação social no terreno, pela implementação de projetos e iniciativas focadas na boa governança e combate à corrupção”.