A duas semanas de um novo protesto, uma lista polémica com nomes de ativistas que seriam beneficiados por um programa de habitação surge nas redes sociais. “Mais uma da brigada cibernética do MPLA”, comenta Luaty Beirão.
Uma lista está a circular nas redes sociais angolanas, sugerindo que há ativistas críticos à governação inseridos num projeto habitacional controverso do Conselho Nacional da Juventude (CNJ).
A divulgação dos nomes gerou um mal-estar porque estabeleceria um alegado vínculo entre jovens contestários do regime com aqueles conhecidos por “revús” – que poderiam beneficiar de apartamentos numa das centralidades construídas pelo Governo.
Várias associações juvenis de partidos políticos, igrejas ou mesmo independentes teriam paricipado numa reunião do CNJ para assinalar interesse no programa habitacional. Este encontro terá gerado uma lista, na qual nomes de ativistas foram alegadamente inseridos.
Um dos nomes citados é do escritor Domingos da Cruz, que publicou uma nota no Facebook a desmentir seu envolvimento: “O fim seria a aquisição de moradia mediante tráfico de influência do CNJ. Nunca dialoguei com quem quer que seja para obter casas. Resido fora de Angola desde 2017. Na minha ausência careceria de um representante legal ou uma procuração”, escreve.
Outro que surge na lista é Luaty Beirão: “Então pensei que era mais uma daquelas listas que a brigada cibernética do MPLA mete a circular para causar confusão (…). Em resumo: não tinha conhecimento, não dei autorização e não estou interessado em “facilidades” concedidas por organismos ligados ao poder”, escreve o músico e ativista em nota no Facebook.
Os boatos nas redes sociais sugerem que as últimas manifestações no país terão ocorrido porque tais ativistas não teriam recebido até ao momento as casas previstas no programa do CNJ.
Isto acontece quando surgem rumores de um possível encontro entre o Presidente João Lourenço e ativistas críticos à governação e quando nenhum grupo está a reivindicar a organização da manifestação de oposição marcada para o dia 10 de dezembro – data da celebração da fundação do Movimento Popular para Libertação de Angola (MPLA).
“O foco é Angola”
Muitos dos citados são organizadores dos protestos das últimas semanas no país, como Dito Dalí. O ativista diz que nunca foi consultado e que desconhece a origem do documento. “Não estou interessado em ter casa ou receber dinheiro de alguém. Para mim, o foco é Angola. O foco é exigirmos a realização das autarquias em 2021.”
Dalí ressalta que quem publicou a lista fez isso por má-fé. “Não autorizei ninguém, não falei com ninguém, nem ninguém me consultou”, afirmou o ativista que diz desconhecer uma possível reunião com João Lourenço.
O investigador Nuno Dala também está na lista. Dala confirma que foi contatado no ano passado para participar numa reunião para discutir o assunto das residências que seriam distribuídas pelo Conselho Nacional da Juventude, mas recusou participar.
O investigador mostra-se surpreso pelo fato de ver o seu nome na lista de jovens que aguardam por uma residência sem ter manifestado vontade de ser beneficiário. “Foi com muito espanto que tomei conhecimento dessa situação, de o meu nome estar presente numa lista de 100 pessoas, apesar da minha ausência na reunião”, disse.
Dala não esconde a indignação pelo fato de ativistas, “muitos dos quais experientes e que conhecem bem as manhas do regime”, terem inserido o seu nome e de outros ativistas na referida lista “sem autorização”. Para Dala, não é aconselhável para ativistas – sobretudo aqueles que têm reputação consolidada – aceitarem se envolver em esquemas desta natureza que “dificilmente costumam ter bons resultados”.
“Neste momento que estamos a falar, pode ser que o regime decida cancelar o processo ou surgir uma notícia sobre o cancelamento do processo. Não só os 15 contemplados não teriam casa e teriam que lutar pelo resto da vida para recuperar a credibilidade destruída”, opina Dala, salientando que o processo constitui num crime.