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Angola: Cartunistas elogiam lei que limita críticas ao Presidente

A nova lei angolana que proíbe o ultraje à figura do Presidente da República criou uma exceção para os cartunistas profissionais, que consideram a legislação um sinal de respeito pela classe

Nos últimos dias, algumas vozes da sociedade civil angolana levantaram-se para criticar o artigo 333.º do novo Código Penal angolano, que condena o ultraje à figura do Presidente da República e órgãos de soberania, evocando um recuo na liberdade de expressão e de imprensa.

Para Paulo Airosa, há mais de 20 anos nesta atividade, esta nova lei vem precisamente salvaguardar o exercício de cartunistas profissionalmente identificados. Independentemente de os cartoons estarem associados à sátira, estão também associados à banda desenhada e ao jornalismo, entrando também no quadro da liberdade de expressão, usado para a crítica social e contestatária da governação.

“Discordo desta opinião de fazer uma leitura negativa do artigo 333º, dizer que é ditadura, que é um atentado à liberdade de expressão. Como cartunista, acho que as pessoas deviam ter um pouco mais de calma ao fazer essa interpretação”, disse Paulo Airosa, considerando que tem havido alguma “má-fé no uso da figura do Presidente da República”.

“Uma coisa é fazermos um tipo de crítica social, associada a questões de governação, de má gestão e de jornalismo e imprensa, que é muito normal, outra coisa é banalizar a figura de personalidades do Estado, sobretudo do Presidente da República”, referiu.

Paulo Airosa sublinhou que o artigo 333º não é exclusivo da lei penal angolana, mas é uma referência legal em várias democracias, “como em Portugal”, porque “é preciso salvaguardar a integridade e imagem de quem quer que seja”.

“Nós, os cartunistas precisamos exercer esta atividade com uma certa responsabilidade”, reiterou Paulo Airosa, lembrando o episódio ocorrido há cinco anos em França com cartunistas que satirizaram a figura do profeta Maomé. “No entanto, há democracia, há liberdade de expressão, mas vimos o que aconteceu com os cartunistas, porque feriram sensibilidades”, afirmou.

O cartunista frisou que nos últimos tempos tem-se assistido nas redes sociais a criação de memes (imagens humorísticas da Internet) do Presidente da República “de forma banal”, situação que “não se pode aceitar”.

“A figura do Presidente da República é um símbolo nacional e quando associas a imagem do Presidente ao de uma prostituta, que mensagem é que se quer transmitir? Isto é ofensivo”, disse, alertando que é preciso despertar as pessoas “que o caminho não é por aí”, sob pena de não se conseguir controlar a situação.

Paulo Airosa lembrou que o meme “é uma piada que se cria, de forma mediática para fazer troça ou para fazer aproveitamento da figura de outrem”, sendo muito usado, sobretudo por partidos políticos, em campanhas eleitorais, com mensagens curtas para fluir através das redes sociais.

Já um cartoon, prosseguiu, requer uma composição, um processo de ilustração, de criatividade, “muito diferente do meme e o risco está exatamente aí”, porque basta que alguém baixe uma aplicação para usar a imagem de alguém e fazer a respetiva crítica.

“É mais difícil controlar o meme que um cartoon, que é feito por profissionais. Já o meme qualquer pessoa pode fazer para denegrir a imagem de outrem. Aí é que está a vulnerabilidade, fazer fluir matérias sem responsabilidade, sem conteúdo apelativo com uma certa consistência positiva, é uma brincadeira de mau gosto”, concluiu.

Produtores de ‘memes’ satisfeitos com nova lei 

O fundador da Associação dos Memeiros de Angola (AMA), Emanuel Clever, com o nome artístico “Único”, considerou que os memes são uma forma de intervenção social moderna que deve ser exercida com responsabilidade.

Segundo Emanuel Clever, os mais de 300 associados prezam a crítica construtiva e o uso dos memes como forma de diversão, e não para o ultraje da imagem de pessoas, principalmente do Presidente da República, figura a quem se deve respeito.

“Condeno, porque é falta de respeito, ele é o nosso líder, devemos respeitá-lo. Se quisermos reivindicar algo devemos fazer de forma educada, não podemos usar o meme como uma forma de abusar e faltar ao respeito”, disse.

Para Emanuel Clever, “os memes também ajudam” na descontração, olhando para o contexto atual da sociedade, mas “depende de quem faz”, considerando bem-vindo o artigo 333º do novo Código Penal, retirado da Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, de 2010.

Juristas divididos quanto ao diploma

Apesar de os cartunistas e memeiros organizados estarem satisfeitos, a nova lei permanece polémica. O jurista Sebastião Vinte e Cinco considerou que se trata de “um claro retrocesso, ao nível dos direitos e garantias, mais em concreto para a liberdade de expressão e de imprensa”, prevendo para os próximos tempos “muitos excessos de poder por conta deste artigo”.

Já Benja Satula, diretor do Centro de Investigação do Direito da Universidade Católica de Angola, lembrou que o modelo do novo código estava desenhado para a era do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, e o atual chefe de Estado angolano está a responder como o autor.

Por sua vez, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados de Angola, Inglês Pinto, realçou que o código corresponde àquilo que é mais moderno, em termos de doutrina penal, e atende aos novos valores, lembrando que o código anterior, de 1886, estava desatualizado.

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