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Angola: O chumbo do PRA-JA à luz da estratégia geral da fraude do MPLA

O Acórdão Nº 654/2020 do Tribunal Constitucional (disponível aqui), referente ao Processo Nº 837-C/2020, do Partido do Renascimento Angolano – Juntos por Angola – Salvar Angola (PRA-JA)

É o último que aquela instituição emitiu, encerrando um longo percurso marcado por uma série de factos que demonstram eloquentemente que o Partido-estado continua fortemente engajado na aplicação da estratégia geral da fraude e que, ademais, indicam inequivocamente que a agenda de reformas prometida pelo MPLA e seu então candidato não passa de uma farsa.

O que é, porém, a estratégia geral da fraude?

À luz da Teoria Geral da Fraude Eleitoral, a estratégia geral da fraude é um conjunto de métodos, técnicas e práticas que visam garantir a manutenção de uma pessoa, grupo ou partido político no poder independentemente da vontade dos eleitores expressa nas urnas, o que quer dizer que constitui um dos pilares fundamentais do projecto de poder de quem, tendo acedido ao poder, pretende manter-se nele.

O MPLA, no poder em Angola desde 11 de Novembro de 1975, possui um projecto de poder que, pela sua natureza aética, estabelece que a manutenção do poder deve ser feita com recurso a todos os meios possíveis, o que, na prática, implica que, mesmo que o Povo seja seriamente prejudicado, isto não importa desde que o MPLA se mantenha no poder. Por exemplo, se o MPLA notasse que a guerra seria o derradeiro meio para salvar-se da destituição, mergulharia novamente Angola na guerra. O projecto de poder deste partido (e de outros da sua escola político-ideológica, como é o caso da FRELIMO, em Moçambique) não reconhece limites éticos.

A estratégia geral da fraude enquanto parte operacional do projecto de poder comporta, por sua vez, uma série de linhas estratégicas de intervenção que, no seu todo, viabilizam no tempo a manutenção do poder. Em termos práticos, quer dizer que a fraude eleitoral não é feita (apenas) no dia das eleições. Não. A fraude começa anos antes das eleições e o anúncio de resultados eleitorais falsos é apenas o acto culminante de um processo longo. Como é, então, que a estratégia geral da fraude é implementada em Angola? Vejamos:

I – CONTROLO DO ENQUADRAMENTO: é o domínio real e pleno que o partido no poder possui sobre todas as instituições que participam directa e indirectamente no processo eleitoral que, no caso de Angola, incluem o Tribunal Constitucional (TC), a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado (MATRE) o Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS). Quer dizer que o controlo legal, o controlo operacional e o controlo da liberdade de expressão dos cidadãos da República de Angola dependem do Partido-estado, o MPLA. Como as instituições em referência operam à luz da estratégia geral da fraude?

1 – O Tribunal Constitucional (TC), é a instituição judicial que possui a última determinação tanto nos processos de constituição de partidos políticos como diferendos político-eleitorais. A sua composição compreende actualmente 11 juízes, dos quais quatro são indicados pelo Presidente da República, e quatro pela Assembleia Nacional, que controlada quase em absoluto pelo MPLA. Na prática, é o MPLA que designa 8 dos 11 juízes, e tal acontece sem qualquer processo crítico contraditório, audiência confirmativa ou escrutínio público, não estando assegurada qualquer imparcialidade do referido tribunal, que é o mais alto do País. Neste sentido, o chumbo do PRA-JA indica claramente que os juízes cumpriram com a vontade política do Partido-estado;

2 – A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) tem a responsabilidade de proceder à organização do processo eleitoral. Sua composição compreende 17 membros, dos quais 16 são designados pela Assembleia Nacional (controlada pelo MPLA), por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, sob proposta dos partidos políticos e coligações de partidos políticos com assento parlamentar, em sede de obediência aos princípios da maioria e do respeito pelas minorias parlamentares. Na prática, a maioria de dois terços que o MPLA (o Partido-estado) detém na Assembleia Nacional (AN) se repete na CNE, logo, a CNE, gerida actualmente por uma figura tóxica e contestada pela oposição e não só, não passa de um miniparlamento no qual predomina a vontade da maioria do MPLA;

3 – O Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado (MATRE) é uma instituição auxiliar do Presidente da República enquanto Chefe de Estado e do Governo, logo, não tem nem detém qualquer autonomia. É o órgão que cuida de realizar registo eleitoral em todo o território nacional;

4 – O Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS) trata de garantir que os meios de comunicação social públicos (Rádio Nacional de Angola, Jornal de Angola, Televisão Pública de Angola, Angop) e alguns privados cumpram com uma linha editorial reflectora da visão do Partido-estado, o MPLA. O MINTTICS só não consegue (até agora) controlar os meios digitais (blogues, sites e redes sociais). Uma vez que toda a comunicação social pública e alguma privada é controlada pelo Partido-estado, é impossível haver uma cobertura equilibrada durante a pré-campanha e a campanha eleitoral. Ademais, a forma pornográfica como o processo do PRA-JA tem sido retratado nos órgãos de comunicação social pública é reveladora;

II – MICRO-OBSTACULIZAÇÃO: este termo (composto por justaposição) quer dizer obstaculizar ou criar bloqueios de micro dimensões, isto é, constrangimentos aparentemente não relacionados, mas que fazem parte do caos criado pelo Partido-estado, o MPLA, para obstaculizar processos. Em termos práticos, significa comprometer toda a engrenagem dos processos mediante a invenção ou o levantamento de pequenos obstáculos que evitem o escrutínio real, pleno e efectivo das eleições, desmobilizem os eleitores, criem um estado nacional de preguiça ou desmotivação a fim de que apenas os militantes do Partido-estado se possam dirigir aos locais de voto, para votar e controlar os votos. Como se processo isso?

1 – Os atrasos na divulgação dos cadernos eleitorais funcionam como estratagemas da micro-obstaculização. Os referidos atrasos fazem parte de uma desorganização organizada enquadrada na Teoria do Caos;

2 – As dificuldades na acreditação de delegados das listas dos partidos concorrentes têm servido para limitar a capacidade de participação dos representantes da oposição nos actos e processos de ordem eleitoral;

3 – Os «erros» nas listas são, em sede da Teoria do Caos, instrumentais para dificultar que os cidadãos exerçam o direito-dever de votar, sendo que são colocados a miríades de quilómetros de distância das suas residências.

III – CONTROLO DO NÚCLEO ESSENCIAL DO VOTO: trata-se do voto que tem lugar nas assembleias de voto. O momento-chave no apuramento dos resultados eleitorais ocorre nas próprias assembleias de voto, como estabelece a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais. As contagens e verificações dos resultados são feitas nas assembleias de voto. Este arranjo constitui a base, mas não há fiabilidade neste âmbito.

1 – Em 2017, a Deloitte realizou uma auditoria ao processo eleitoral. Foi notório que a auditoria não abrangeu «os sistemas de suporte às assembleias de voto (tabletes, respectiva rede de comunicações e Centro de Atendimento ao Tablet) [que] não se encontram no âmbito da nossa revisão da Solução Tecnológica, pelo que não foram considerados no nosso trabalho.» Ou seja: o coração (a base) do processo eleitoral não foi auditado. O local onde os votos reais são efectivamente depositados simplesmente não foi auditado. A auditoria apenas é iniciada nos Centros de Processamento Municipais. E tudo indica que será igualmente assim em 2022.

2 – Em termos matemáticos e estatísticos, o que ocorre é que a base (a assembleia de voto) não é (con)fiável, logo, todo o resto do processo pode estar errado. A título de exemplo, o partido A pode ter 10 votos na Assembleia de Voto X, mas não há nada que impeça que surja com 20 votos no Centro de Processamento Municipal. E será essa a base: 20 votos, e não 10. Os 20 votos serão depois certificados ao longo do sistema até ao final, mas estão errados, porque a base era 10. Trata-se de um processo de certificação do logro, isto do engano, do erro. Este dado é suficiente para desqualificar o processo: se a base do sistema não é fiável, como se pode afirmar que o sistema é fiável?

IV – CONTROLO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO: por meio do controlo dos sistemas de tecnologias de informação (o que o MPLA fez através da contratação de duas empresas de sua confiança, em 2017, já envolvidas em anteriores processos eleitorais e suspeitas de fraude correlacionadas [Indra e Sinfic]), é possível controlar o processo eleitoral final da forma mais simples.

1 – Em 2017, a empresa Sistemas de Informação, Indústria e Consultoria (Sinfic) forneceu a tecnologia para o mapeamento dos eleitores em todo o território nacional e a sua distribuição por assembleias de voto, através dos cadernos eleitorais. Para o efeito, a Sinfic obteve um contrato de 275 milhões de euros, adjudicado pela CNE. Na altura, a Sinfic (que tem sede em Portugal) mas está efectivamente ligada à Casa de Segurança do Presidente da República, é uma empresa problemática. Estava a atravessar um Processo Especial de Recuperação (PER), uma espécie de mecanismo para sobreviver a uma situação de falência. Por outro lado, desde 2012, a empresa tinha a sua sala de operações no complexo do Palácio Presidencial. Nada indica que o caso será diferente em 2022.

2 – A Sinfic tem providenciado a solução tecnológica para o registo eleitoral, sob responsabilidade do Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado, desde 2006, isto é há 14 anos. Por essa via, a Sinfic controla toda a base de dados do processo eleitoral;

3 – Por sua vez, a Indra, uma empresa espanhola, tem sido responsável, desde 2008, pela produção de material de votação e da solução tecnológica para o apuramento e escrutínio dos resultados eleitorais. Na altura, em 2017, a Indra, tal como a Sinfic, também era uma empresa da esfera de influência do general Kopelipa e, mesmo que tais empresas não venham a ser recontratadas para as eleições de 2022, nada indica que as suas substitutas estarão fora da esfera de influência de figuras do regime.

Nota-se, assim, que a estratégia geral da fraude levada a cabo pelo MPLA ao longo dos anos encerra vários métodos, técnicas, práticas e recursos para garantir que, por meio da fraude, o Partido-estado se mantenha no poder.

O caso do PRA-JA não revela apenas que o Tribunal Constitucional é um instrumento de bloqueio da democracia. Demonstra também, e eloquentemente, que, caso nada seja feito para desmantelar toda a estrutura que suporta a estratégia geral da fraude do MPLA, as eleições de 2022 serão inúteis no esforço de remover o MPLA do poder.

 Nuno Álvaro Dala

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* Referências:

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«A Teoria da Fraude Eleitoral em Angola», Maka Angola, 23 de Agosto de 2017. Disponível em: https://www.makaangola.org/…/a-teoria-da-fraude…/

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