Para Adalberto Costa Júnior, a dependência da Justiça face ao Governo favorece a corrupção. O presidente da UNITA defende um novo rumo para que a economia deixe de estar sustentada quase exclusivamente no petróleo, com um Estado menos omnipresente, passando a haver mais espaço para a iniciativa privada e o investimento estrangeiro.
Vida Económica – Enquanto presidente da UNITA, como entende o atual cenário que se vive em Angola?
Adalberto Costa Júnior – Acredito que a UNITA tem as condições para conduzir um processo de alternância. Desde 2002 que existe um processo de paz que veio para ficar. A própria população angolana aspira à mudança e quer rigor a todos os níveis. Conheço bem o MPLA e o que tem mantido o partido no poder, em grande medida, é acenar com a ameaça da mudança. Mais não são do que ameaças fictícias. O movimento de jovens é um sinal de que a população quer alternância, pelo que a UNITA defende as reivindicações desses jovens. A realidade é que o Governo não tem uma postura de entendimento e a direção da UNITA veio a público legitimar a contestação dos jovens, na medida em que o MPLA mantém uma prática de poder agressiva, em que as liberdades não são respeitadas.
Face às últimas eleições, prevalece o trauma da fraude. É um problema que tem de ser resolvido. Queremos sensibilizar o país, os atores cívicos, a comunidade internacional para a necessidade de abordar as próximas eleições com um novo registo eleitoral. Por sua vez, não podemos ir para eleições com as leis actualmente em vigor. Basta ter em conta que o presidente da República não presta contas junto da Assembleia. Os seu poderes são ilimitados e é importante retomar a prática da eleição direta do Presidente.
VE – Significa que a lei eleitoral tem de ser alterada?
ACJ – Uma sociedade consciente e informada é essencial para materializar as reformas. A lei eleitoral tem problemas graves. Desde logo, não há apuramentos municipais, a lei só permite o apuramento nacional, o que não possibilita fazer a comparação dos votos. A Comissão Nacional Eleitoral tem uma composição e um regulamento que refletem os interesses do MPLA. Com efeito, os seus membros são escolhidos de acordo com os resultados das eleições anteriores. Esta realidade é escandalosa. É urgente a reforma do Estado e da Constituição nos seus aspetos essenciais. Por exemplo, ao contrário do que sucedeu noutros PALOP, Angola nunca formalizou as autarquias locais. No momento em que tal acontecer, o MPLA deixa de garantir o poder absoluto. Entretanto, o país continua a marcar passo, não há uma separação dos ciclos políticos.
VE – Qual o caminho a seguir em Angola?
ACJ – Os regimes marxistas-leninistas nunca foram derrotados nas urnas nem afastados por revoluções. Mas se olharmos para os países do Leste Eeuropeu vemos exemplos de sucesso em termos de transição para a democracia. Em alguns desses países os regimes caíram de podres e também houve atores internos que provocaram a mudança. Na Polónia a Igreja deu um contributo relevante para a transição democrática.
O regime da União Soviética caiu de podre. Em Angola, o regime também está a apodrecer de forma visível e acentuada. O regime ainda não caiu totalmente, mas, se olharmos para o posicionamento, as opções estratégicas, vemos a degradação em muitos níveis. É possível que o caminho para a mudança seja esse.
E há também um nova geração jovem que aparece a recusar liminarmente o “status quo” e que reivindica a mudança.
Uma revolução em Angola não é algo que se possa pretender como caminho.
O poder instalado assume essa fase de desafio. O poder provoca o choque, provoca o sangue, porque tem consciência da força e porque hoje quem tem armas em Angola é apenas o MPLA.
A revolução que possa ocorrer será mais por via social, por degradação do regime, do que por revolução armada.
O regime já está com muitos sinais de fragilização, de divisões e muitas descontinuidades.
VE – O que vai acontecer se a UNITA ganhar as próximas eleições?
ACJ – A UNITA tem um programa de governação elaborado em consonância com os interesses e os desejos da população. Verificou-se uma atualização das propostas eleitorais, relativamente à campanha anterior. Temos uma visão inclusiva da sociedade angolana, negamos a existência de elites. O atual Governo não cumpriu sequer os pressupostos do Programa de Reconciliação. Por exemplo, a inclusão dos antigos combatentes está por fazer. Há muitos órfãos e viúvas sem quaisquer direitos. Por outro lado, a UNITA quer sobretudo trabalhar com todos os angolanos competentes, independentemente do seu partido político, ao contrário do que tem sucedido até agora.
O MPLA não sabe ouvir, nunca fez um diagnóstico transversal do país que temos, nunca se interrogou se este sistema de governação é o mais adequado. Faço notar que o petróleo não é a solução estrutural para o país. Temos muita água e uma terra fértil, mas a população está concentrada nas grandes cidades. A agropecuária tem de ser uma referência, é preciso potenciar a iniciativa familiar agrícola e as cooperativas, a par do desenvolvimento comunitário.
Uma economia de importações
VE – Na sua perspetiva, quais são alguns dos principais problemas que estão a travar o desenvolvimento de Angola?
ACJ – Como já referi, a economia de Angola está excessivamente dependente do petróleo. Não existe indústria, temos uma economia de importações. Não há um tipo de investimento criador de postos de trabalho. O Ensino não é o adequado ao desenvolvimento empresarial. Por sua vez, não compete ao Estado ocupar a actividade económica. A economia é ainda muito centralizada, ao estilo do modelo soviético. Muito grave é também o facto de vários governantes serem também empresários. Por seu lado, os verdadeiros empresários estão falidos. Existe falta de cultura democrática e um exemplo disso são os monopólios controlados pelo Estado ao nível da comunicação social. Há uma clara falta de liberdade democrática também neste âmbito.
Admito que, no que se refere ao investimento estrangeiro, houve algumas alterações legislativas, tendo sido reduzidas as restrições, isto é, houve uma certa abertura em termos legislativos. No entanto, os problemas surgem depois, como é o caso do repatriamento dos lucros por parte das empresas. A que se junta a falta de estabilidade cambial. Uma moeda flutuante não garante estabilidade ao investidor. Por exemplo, o governador do banco central de Angola tem lugar no conselho de ministros, o que significa que cumpre ordens do Presidente da República, quando deveria ser um modelo de independência. Mais uma vez, os interesses partidários sobrepõem-se ao bem comum.
VE – Como se deve posicionar Angola entre os Estados Unidos e a China?
ACJ – Os Estados Unidos não têm política para África. Desapareceram do continente africano e por isso nem bipolarização entre Estados Unidos e China temos tido. Apenas existe a política da China, com presença e disponibilidade de financiamento. Em toda a África, Angola é o maior devedor face aos capitais chineses. Tem uma dívida à China superior à da Nigéria e da África do Sul.
O PIB da Africa do Sul é brutalmente superior, mas a dívida de Angola à China é 6 ou 7 vezes maior.
A UNITA já pediu uma comissão parlamentar de inquérito à dívida pública. Temos a clara certeza de que uma grande parte da dívida pública é falsa. Não é real. Se for auditada, permitirá chegar a conclusões que possibilitam uma renegociação, apoiada em factos. Sem os factos, vamos ter que a cumprir. Na possível transição teremos que assumir os compromissos que o Governo anterior fez.
Não queremos criar instabilidade nem desconfiança porque não é esse o caminho. Mas é importante parar com o crescimento da dívida pública à China.
Esta dívida está garantida com as receitas do petróleo. O produto das vendas do petróleo para os próximos 30 anos está praticamente comprometido pela dívida existente.
Angola transitou rapidamente de um país que vendia petróleo para os Estados Unidos para um país que vende todo o petróleo à China.
É possível que a nova administração americana crie uma política para África. E é possível que se possa reabraçar o bipolarismo, o que será positivo. Se houver competição, teremos benefícios. Se a oferta for uma, teremos prejuízos, porque não há opções.
Havendo uma oferta múltipla, é possível escolher a mais vantajosa.
Por exemplo, Moçambique entrou em todas as comunidades. Está na Commonwealth, está os PALOP. Angola tem que aprender a acautelar o seu interesse.
VE – O aumento da dívida à China é preocupante?
ACJ –A dívida à China advém de linhas de crédito que financiam obras e infra-estruturas executadas de formam negativa pelo Governo angolano.
Vêm as companhias chinesas, constroem em Angola, os materiais são chineses, os funcionários são chineses, os produtos para alimentação dos trabalhadores são chineses. A minha questão é: qual o interesse para Angola deste tipo de cooperação? Há oportunidade de emprego maciço para os chineses, não há oportunidade de transferência de conhecimento, não tem efeito dinamizador para Angola.
E há a falta de qualidade da obra. Há empresários chineses em Angola que me dizem que o problema da falta de qualidade é dos angolanos. Se a obra tem má qualidade, é por causa da imposição de bonificações para os decisores assente na corrupção. Numa obra de 100 milhões de dólares as compensações aos decisores podem atingir 80 milhões, ficando apenas 20 milhões para executar os trabalhos.
A corrupção em Angola é um problema do presente e não apenas do passado. O caminho atual compromete o futuro.
VE – No âmbito da Justiça e do combate à corrupção, têm sido feitos avanços?
ACJ – Angola tem problemas graves relacionados com a inexistência de separação de poderes. O combate à corrupção, por exemplo, está muito centrado no Procurador-Geral da República, mas o problema é que este órgão, que deveria ser totalmente independente do poder político, depende da própria Presidência. Ora, é sabido que existe corrupção no seio da Presidência da República. O que se verifica agora é que a corrupção serve para exercer a perseguição política, quando o processo se deveria caracterizar pela universalidade. Considero que há falta de vocação democrática de quem governa, falta de abertura aos consensos nacionais. O MPLA ganhou vícios e corrompeu-se. A corrupção continua muito ativa. Impera o individualismo, em detrimento do interesse público. A UNITA privilegia a recuperação de valores, e uma forte aposta em setores fundamentais, como a educação, a saúde, as infraestruturas básicas.
Relações históricas de proximidade
VE – Se a UNITA for Governo, Portugal poderá contar com uma relação estreita? E que espera fazer quanto aos vistos de entrada?
ACJ – Portugal e Angola têm relações históricas de proximidade, de que a língua comum é o melhor exemplo. O objectivo é manter essa relação privilegiada entre os dois países. No entanto, não posso deixar de afirmar que, nos últimos anos, as relações nem sempre têm sido as mais transparentes e equilibradas ao nível institucional. Isto porque, não raras vezes, o vosso país cede à chantagem do Governo angolano. Ora, um relacionamento saudável não pode ter por base a subserviência de uma das partes, neste caso de Portugal. Entretanto, está a ser construído o Parlamento da África Austral, que representará uma comunidade de mais de 300 milhões de pessoas. Portugal pode beneficiar enormemente deste facto, especialmente pelas relações que detém com Angola e Moçambique. Será uma excelente oportunidade para Portugal se afirmar naquela região de África.
Relativamente aos vistos, defendo a sua eliminação também relativamente a Portugal. É uma tendência natural, mas ainda é necessário ultrapassar alguns constrangimentos internos de carácter social e económico. É preciso precaver um aumento desproporcionado do movimento migratório. Este é um problema que tem de ser resolvido sobretudo do lado angolano.
VE – Qual tem sido o papel da União Europeia em Angola?
ACJ – A União Europeia tem desempenhado um papel importante em Angola. Aliás, de tal forma que existe um embaixador da União Europeia em território angolano. Uma das áreas em que tem desenvolvido um papel importante é na potenciação das organizações não governamentais. Por outro lado, o embaixador da União Europeia tem ouvido a oposição política. Neste âmbito, penso que deveria haver um maior intercâmbio entre os parlamentos europeu e angolano. Também poderia existir um maior apoio às iniciativas empresariais de carácter privado. Basta ter em conta que os juros bancários em Angola são proibitivos (cerca de 27%), com a agravante de que a banca está nas mãos dos governantes. O acesso ao financiamento é muito complicado, mais ainda para quem não pertence ao partido no poder. Até a atribuição de bolsas aos estudantes depende da filiação partidária. A realidade é que não existe a horizontalidade das instituições, como é o caso gritante da não criação das autarquias locais, um dos maiores desafios que se coloca a Angola na atualidade.