Angola registou, em 2020, progressos no respeito pelas liberdades civis, mas o país manteve o uso excessivo da força contra civis, bem como a repressão aos ativistas de Cabinda, denunciou hoje a Human Rigths Watch (HRW).
De acordo com o relatório anual da organização sobre a situação dos direitos humanos no mundo, divulgado hoje a partir dos Estados Unidos, as autoridades de Luanda “mostraram dificuldades” para conter o uso excessivo da força e os abusos policiais contra civis.
“Durante 2020, as autoridades angolanas debateram-se para conter os abusos das forças de segurança do Estado implicadas em mortes e uso excessivo da força contra pessoas desarmadas que alegadamente violaram as restrições impostas pela covid-19”, adianta-se no documento.
Segundo a HRW, durante o confinamento parcial decretado em março, no contexto da luta contra a pandemia de covid-19 no país, “as forças governamentais reagiram com o uso excessivo da força, que em alguns casos resultou na morte de pessoas inocentes desarmadas” em resposta a muitos angolanos, especialmente comerciantes de rua, que quebraram as regras para procurar ganhar algum dinheiro.
“As forças de segurança do Estado foram implicadas por grupos de direitos humanos e meios de comunicação social em graves violações dos direitos humanos, incluindo assassínios, perseguições e detenções arbitrárias, enquanto tentavam impor regras e restrições”, aponta-se no relatório.
O documento cita outro relatório, apresentado no início de agosto pela Amnistia Internacional, que dava conta que as forças de segurança responsáveis por aplicar as restrições motivadas pela covid-19 tinham matado “pelo menos sete jovens entre maio e julho de 2020”.
A HRW assinalou a morte, em setembro, de um médico sob custódia policial depois de ter sido detido por não usar uma máscara facial dentro do seu carro, uma morte que suscitou protestos da população, que se manifestou nas ruas de Luanda.
As autoridades abriram um inquérito sobre as circunstâncias da morte do médico, mas, de acordo com a HRW, até início de dezembro os resultados da investigação não tinham ainda sido divulgados.
Os abusos policiais foram considerados pela hierarquia como “más ações” de “alguns agentes” que não devem pôr em causa a confiança na polícia.
O relatório denuncia ainda que, mesmo no contexto da pandemia de covid-19, as autoridades continuam a deter preventivamente “centenas de pessoas” por delitos menores, levando a uma elevada afluência diária de novos detidos às cadeias.
“Em maio, a polícia divulgou dados que mostram que quase 300 pessoas tinham sido detidas em 24 horas por violar as regras do estado de emergência”, refere-se no relatório, adiantando que as autoridades ignoraram as recomendações de grupos de direitos humanos para que fossem consideradas alternativas à pena de prisão e evitada a detenção de pessoas por delitos menores.
Em abril, as autoridades libertaram cerca de 1.900 pessoas que se encontravam em prisão preventiva para tentar impedir a propagação do coronavírus nas prisões do país.
Numa nota positiva, no documento assinalam-se os “progressos no respeito pelos direitos à liberdade de expressão e à manifestação”, recordando-se que o país “permitiu várias manifestações e marchas por todo o país”.
Ainda assim, ressalva a HRW, a repressão contra manifestantes e ativistas pacíficos no enclave rico em petróleo de Cabinda continuou.
“Em violação da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de que Angola é parte, as autoridades recusaram todos os pedidos dos ativistas pró-independência de Cabinda para se manifestarem pacificamente. A polícia interrompeu violentamente os protestos e marchas e deteve ilegalmente os participantes”, refere.
O relatório fala ainda de detenções arbitrárias dos líderes do movimento independentista e de perseguições a ativistas dentro das suas casas.
As autoridades angolanas mantiveram também, segundo a organização de defesa de direitos humanos, a política de desalojamento e demolições forçadas sem “alternativas adequadas habitação, mesmo durante o período de confinamento”.
A HRW destacou também a adoção, em fevereiro, da “aguardada” estratégia de direitos humanos do país, que os torna numa questão de segurança do Estado.
O documento, que foi redigido pela primeira vez em 2017, estabelece que a situação dos direitos humanos do país é sujeita a uma avaliação periódica pelo Conselho de Segurança do Estado, a introdução de um prémio para distinguir ativistas e ensino dos direitos humanos como disciplina nas escolas, entre outras questões.
As autoridades angolanas começaram também em 2020 a implementar medidas de combate ao tráfico de seres humanos que, segundo o Governo, está a atingir “níveis alarmantes” no país.