Comandante da polícia angolana fala em atentado e líderes religiosos classificam de muito grave o que se passou em Cafunfo
Dois dias após os incidentes mortais que, segundo fontes independentes, podem ter deixado 27 mortos no passado sábado, 30, em Cafunfo, na província angolana da Lunda Norte, as reações têm surgido de religiosos e activistas a condenar o que os promotores da manifestação chamam de massacre.
Activistas pedem intervenção da comunidade internacional.
Confrontos entre agentes da Polícia Nacional (PN) e membros das Forças Armadas Angolanas (FAA) e cerca de 300 manifestantes aconteceram quando o Movimento Protectorado da Lunda Tchokwe pretendia realizar uma marcha para pedir diálogo com o Governo.
Enquanto o líder do Movimento, José Mateus Zecamutchima, acusa as autoridades de “um acto bárbaro e covarde”, a PN diz que foi uma “rebelião armada”.
O comandante geral da PN, Paulo de Almeida, visitou o local ontem e mandou instaurar um inquérito para identificar os autores, retirando assim qualquer responsabilidade às forças do Governo.
Numa declaração musculada em Cafunfo, Almeida falou em atentado.
“A nossa acção continua, nós não vamos parar por aí, vamos esclarecer convenientemente os autores e cabecilhas deste atentado e vamos tomar as medidas achadas pertinentes levando-os depois as barras dos nossos tribunais”, disse o comandante geral que confirmou haver “alguns detidos que estiveram ligados a acção, estão a ser tratados convenientemente para que depois sejam levados à justiça”.
Em posição contrária, estão activistas e líderes religiosos.
O presidente da Associação Cívica do Leste de Angola (AKWAMANA) Guilherme Tchiwmbe Martins pediu a intervenção da comunidade internacional em defesa dos povos do leste do país que, segundo ele, têm sido alvo de todo tipo de violações contra os seus direitos pelas forças da ordem.
“Se a nível nacional não se encontrar nenhuma reacção, pelo menos a comunidade internacional seja justa, deve haver alguma reacção. Ao silêncio não, nunca este povo vai se calar. Temos estado a escrever, temos procurado por outros canais tocarmos até ao nível mais alto do Executivo angolano, no caso particular o Presidente da República para que atenda ao clamor destas populações. As populações locais não pedem independência ou autonomia como tal mas, pedem justiça social”, afirmou Martins.
Ao invés do uso desproporcional e desnecessário da força, a Associação defende o diálogo com as populações da região leste.
“As causas podem não ser apenas o desejo de se separar o leste mas, podem ser a questão das assimetrias regionais, das injustiças sociais. Angola é de todos, Angola é una e indivisível de Cabinda ao Cunene, um só povo uma só nação mas, quanto ao desenvolvimento, há regiões que são beneficiadas e outras não”, lembrou aquele activista, quem ainda lembrou os maus tratos publicados nas redes sociais e que foram alvos afectos ao grupo de manifestantes.
Violência e roubo
Líderes da Igreja Católica também se pronunciaram, com o bispo da diocese do Dundo a falar em tristeza.
“Manifestar a nossa tristeza e preocupação pelos incidentes que ocorreram ontem em Cafunfo na Lunda Norte. Vamos pedir ao senhor para que reine o bom senso e espírito de diálogo como modo melhor para resolvermos os nossos problemas e as nossas contendas”, lamentou Don Estanislau Marques Tchindekassi.
Por seu lado, na sua página no Facebook, o arcebispo de Saurimo, José Manuel Imbamba, que já foi o bispo da diocese onde se localiza Cafunfo, publicou um “desabafo em voz alta”, no qual lamentou o sangue “derramado inutilmente” e perguntou se havia necessidade para “tanta violência e desumanidade”.
“Os problemas sociais, de miséria, exclusão e analfabetismo são mais do que evidentes nesta região leste. Em vez da política dos músculos, não seria mais sensato cultivarmos a política do diálogo para juntos resolvermos e vencermos as assimetrias sociais gritantes tão notórias?”, questionou o vice-presidente da CEAST quem acrescentou estar “profundamente chocado e consternado” com o sucedido.
Na mesma rede social, o bispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, escreveu que o que se passou em Cafunfo “é muito grave” e pediu “investigações independentes para se responsabilizar publicamente os culpados”.
“Este país é grande demais e nele cabemos todos. É muito rico, mas é preciso que se deixe de roubar e se distribua a riqueza mediante a diversificação da economia geradora de empregos. Não podemos continuar neste paradoxo que faz das zonas de exploração de riqueza verdadeiros pântanos de pobre”, concluiu Belmiro Chissengueti.
Por seu lado, o analista Albino Pakissi diz que o sentimento é de profunda tristeza.
“Se as pessoas não foram para o comando policial e foram retiradas de uma possível manifestação para serem assassinadas e o termo é este então, tem que haver uma investigação muito rápida e independente para se apurar este facto. Que o Presidente da República faça um comunicado relativamente a este facto”, conclui Pakissi, alertando para a grande disparidade dos números de vítimas mortais entre o que diz a PN e o que dizem activistas e familiares.