Desde os primórdios da humanidade (estado de natureza), o homem tem procurado formas de convívio salutar com os outros homens e com a natureza, através da discussão racional e da investigação do fundamento do agir humano. No período medieval, vários pensadores procuraram elevar o homem ao conhecimento de si mesmo, apelando-se a autoconsciência, para que os homens pudessem convergir sobre um conjunto de normas e regras orientadoras da conduta humana, designada por moral. A moral tem sido, até aos dias de hoje, a razão das divergências através da axiologia que vai refl ectindo sobre novos valores gerais com o foco no antropocentrismo. No entanto, várias concepções sobre a moral e a ética permitiram a criação de diversos fundamentos para o contrato social, que desde os primórdios aos dias de hoje foi alterando o seu modelo, passando do pensamento de Thomas Hobbes onde os homens (súbditos) abdicam dos seus direitos como a vida e a liberdade para atribuir ao responsável pela gestão do Estado (Rei) , para a visão de John Locke que defende que, durante o pacto social, os homens, de forma a garantir a vida, liberdade e propriedade, escolhem um responsável pela gestão do estado, sendo os cidadãos reis e o responsável pela gestão do Estado súbdito.
Este avanço do pensamento humano defi ne como actor principal das políticas públicas do estado os contratantes e para este desiderato vários têm sido os modelos científicos estudados para o planeamento, organização, execução, avaliação e controlo das políticas públicas para que, de forma efi caz e efi ciente, sirvam os cidadãos. A gestão de redes de cooperação da esfera pública é uma das ciências que estudam as formas de organização do estado com o objectivo de ordenar os factores de produção e serviços, controlar a efectividade e efi ciência com o fim da prestação de melhores serviços aos cidadãos. Tem-se constatado que, com o aumento da demanda da sociedade para a esfera pública, ou seja, para o Estado, exigem serviços que sejam de qualidade, em tempo adequado, e que respeitem a variedade dos usuários e suas expectativas. Mas para o efeito as instituições públicas devem estar ao serviço do cidadão.
Segundo Oliveira (2006), as redes são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de maneira democrática e participativa, em torno de causas afins com actuações colaborativas que sustentam pela vontade e pela finalidade de seus integrantes.
Partindo deste pressuposto, entendemos que as instituições devem trabalhar com os cidadãos para que, de forma democrática.
Possam prestar melhores serviços, e este desiderato é possível quando as instituições estão a serviço dos cidadãos.
Depois de um largo período de guerra civil, Angola. enquanto Estado Democrático e de Direito.
Vem acompanhando a dinâmica de desenvolvimento socioecónomico e jurídico-político dos demais países, fruto da grande globalização que se assiste nos tempos que correm. Um exemplo vivo do avanço jurídico-político é a aprovação da primeira Constituição da República em 2010, que contempla uma referência à Polícia.
Para Manuel Valente, a polícia é “a actividade de natureza executiva – ordem e tranquilidade públicas e administrativa –, dotada de natureza judiciária no quadro de coadjuvação e de prossecução de actos próprios no âmbito da legislação processual penal – cuja função jurídico-constitucional se manifesta na concreção da defesa da legalidade democrática, da garantia da segurança interna e da defesa e garantia dos direitos do cidadão e da prevenção criminal quer por vigilância quer por prevenção stricto sensu, podendo para cumprimento daquelas funções fazer uso da força – coacção – dentro dos limites do estritamente necessário e no respeito pelo Direito e pela pessoa humana.
Conseguimos entender que a Polícia Nacional é um órgão de natureza executiva com estatuto orgânico que defi ne os seus actos próprios e com legitimidade para o uso da força para garantia dos direitos do cidadão e manutenção da ordem. Mas afi nal a Policia é um órgão de interesse colectivo ou de interesse privado de acordo a Constituição da República? Ora, a nossa Constituição da República no seu artigo 122.º defi ne competências ao Presidente da República para exercer funções de comandanteem-chefe das forças armadas Angolanas, para nomear e exonerar o Comandante Geral da Polícia Nacional e os 2.ºs Comandantes da Polícia Nacional, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e cumulativamente de Chefe do poder executivo, no artigo 120º com competências de Definir a orientação política do País, Dirigir a política geral de governação do País e da Administração Pública, bem como Dirigir os serviços e a actividade da Administração directa do Estado, civil e militar, superintender a Administração indirecta e exercer a tutela sobre a Administração autónoma. A Polícia Nacional, segundo a constituição da Republica de Angola (Contrato Social), serve ou não os interesses do Presidente da Republica?
Para esta análise, regressemos para o passado e vejamos o que dizem os autores que abordaram inicialmente sobre o contracto social como garante do exercício democrático de direito a nível representativo e participativo, bem como a separação dos poderes soberanos da República. Do espírito das Leis de Charles Monstequieu e Da Inocência natural à sociedade política de Jean Jacques Rosseau respectivamente são obras clássicas que retratam as bases da importância do equilíbrio de poderes sociais, bem como a condição de liberdade política.
O pacto social (…) reduz-se aos seguintes termos: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo.
Imediatamente, esse acto de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia, e que, por esse mesmo acto, ganha sua unidade, seu “eu” comum, sua vida e sua vontade”. (Rousseau, 1978b, p. 33). Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de “cidade” e, hoje, o de “república” ou “corpo político”, o qual é chamado por seus membros de “Estado” quando passivo, “soberano” quando activo, e “potência” quando comparado a seus semelhantes.
Quanto aos associados, recebem eles, colectivamente, o nome de “povo” e chamam-se , em particular, “cidadãos”, enquanto partícipes da autoridade soberana, e “súditos” enquanto submetidos às leis do Estado. Esses termos, no entanto, confundem-se frequentemente e são usados indistintamente; basta saber distingui-los quando são empregues com inteira precisão. (Rousseau,1978b, p. 33-34). A fim de que o pacto social não represente, pois, um formulário vão, compreende Rosseau tacitamente este compromisso, como o único que poderá dar força aos outros: aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo o corpo, o que não significa, senão, que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal. Essa condição constitui o artifício e o jogo de toda a máquina política, e é a única a legitimar os compromissos civis, os quais, sem isso, se tornariam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos. (Rousseau, 1978b, p. 36).
Para Charles Monstequieu, a democracia contempla um equilíbrio do poder executivo, judicial e legislativo. Na república democrática o povo possui dois papéis distintos: em um momento ele é súdito, em outro ele é o monarca, tendo o poder de escolher seu governante. O povo necessariamente sabe escolher aquele a quem deve confi ar alguma parte da autoridade, porém não é capaz de ele próprio administrar seus negócios, tomar as suas decisões. Como o governo é confiado a cada cidadão, é preciso que cada cidadão seja levado a amá-lo, amando também a igualdade e a sobriedade, que são da própria essência da democracia.
O poder executivo este deveria estar na mão do rei (responsável pela gestão do Estado), com a função de declarar guerra e paz, e como estratégia de segurança do Estado.
As reflexões destes autores são de extrema importância para a compreensão das bases fundamentais, para averiguação de uma Constituição da República e os seus efeitos enquanto cidadãos, leva-nos ao entendimento dos direitos e deveres dos cidadãos que, por sua vez, devem exigir quando forem violados e ao mesmo tempo devem ser exigidos caso violem os seus deveres.
A Constituição da República de Angola tal como as outras de Países democráticos dispõe de todas as garantias para o exercício da democracia e defi ne bem os limites dos Órgãos de Soberania. Segundo a Constituição da República de Angola no artigo 210.º defi ne a Policia Nacional como uma instituição nacional policial, permanente, regular e apartidária, organizada na base da hierarquia e da disciplina, incumbida da protecção e asseguramento policial do País, no estrito respeito pela Constituição e pelas leis, bem como pelas convenções internacionais de que Angola seja parte, compõe-se exclusivamente de cidadãos angolanos, sendo a sua organização única para todo o território nacional e a lei regula a organização e o funcionamento da Polícia Nacional. Se por um lado a constituição defi ne os limites de acção do Presidente da República, a mesma não defi ne os limites de acção da policia nacional.
A Lei n.º12/02, de 16 de Agosto – Lei de Segurança Nacional é clara em relação ao competências do Presidente da República, na direcção ,coordenação e condução da política e estratégia de segurança nacional e convocar e presidir o Conselho Superior de Segurança Nacional e a sua Comissão Executiva.
É importante referir que a política de segurança nacional jamais deverá violar os direitos fundamentais do cidadão e em caso de o fazer a Assembleia Nacional enquanto fi scalizador deverá intervir. Os limites de actuação da Policia Nacional nos estados modernos podem não se encontrar devidamente defi nidos em função da sua actividade que hoje é virada não para manutenção mas sim para prevenção da ordem e segurança interna, não definindo assim o limite de actuação necessária para a prevenção do perigo embora esteja regulamentado o seu funcionamento pela Lei.
As omissões decorrentes da Constituição, Lei de bases da segurança Nacional, Estatuto Orgânico da Policia Nacional, podem fazer que este orgão seja manipulável em função da hermenêutica e assimetria da informação dos diferentes actores. O conhecimento é, e sempre será, o meio pelo qual o homem natural dominará do homem artifi cial, mas este risco pode ser reduzido se o homem natural defi nir um conjunto de regras e normas que visam a proteção do homem artifi cial com fi m unico do bem comum.
“Tem-se constatado que, com o aumento da demanda da sociedade para a esfera pública, ou seja, para o Estado, exigem serviços que sejam de qualidade, em tempo adequado, e que respeitem a variedade dos usuários e suas expectativas”
Carlos Serafi m Ventura Neto, na sua tese de dissertação de Mestrado Integrado em Ciências Policiais sobre o tema Direito Policial em Angola:
Breve Reflexão, defende a implementação do direito policial que é o conjunto de normas jurídicas com funções de regulação e organização de toda a actividade e procedimento policial, tendo em conta a prossecução do interesse da colectividade, garantindo a segurança nacional, a tranquilidade pública e o respeito pelo regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Para melhor entendimento este é um ramo do direito público porque satisfaz os interesses da colectividade, ou seja, em outras palavres não é um direito da policia mas sim dos cidadãos, que visa a garantir a liberdade do cidadão face às ofensas ilicitas concretizadas quer por outrem quer pelo próprio estado. O objectivo do direito policial não é a substituição de outras leis vigentes, mas sim o auxilio na regulamentação da actividade da Policia Nacional enquanto um prestador do serviço ao cidadão, mantendo assim a jurisprudência do artigo 210.º da Constituição da República de Angola.
A actividade Policia Nacional é de enorme abrangência, sendo necessário para o cumprimento dos seus objectivos a distribuição de várias areas de operações, em Angola temos Comando da Policia Fiscal e Fronteiras, Comando da Policia de intervêncão rápida, Brigada especial de trânsito, Unidade de Protecção de individualidades protocolares, Direção Nacional de Registros e Informações, Serviços de Investigação Criminal e Posto do Comando Central, não obstante divisão das operações como factor de desconcentração, descentralização e especialização dos serviços é importante para a sua melhoria a adequação aos tempos actuais das leis de bases, estatuto orgânico, legislação do direito policial, bem como coordenação de mecanismos administrativos integração dos serviços para melhoria da gestão de redes de cooperação na esfera pública.
A ineficiência ou eficiência da Policia Nacional pode estar associada a várias razões além das mencionadas acima, mas é inteligível que esta instituição esteja de acordo com a Constituição da República de Angola e as demais leis e tenha como destinatários os cidadãos.
Hermenegildo Coelho