No lançamento do novo single “Vidas Humanas Importam”, MCK condena a violência em Cafunfo. Em entrevista à DW, o rapper angolano lembra as mortes de Inocêncio Matos e Sílvio Dala, num “dramático abuso de autoridade”.
MCK lança esta terça-feira (09.02) a música “Vidas Humanas Importam”, com a participação das cantoras angolanas Carla Moreno e Telma Lee. O novo single tem como mensagem principal o respeito pelos direitos humanos e a proteção da vida.
Em entrevista à DW África, o rapper lamenta que em Angola as vidas humanas continuem a ser desvalorizadas e critica a agressão institucional por parte do Estado, como a que aconteceu recentemente em Cafunfo, na Lunda Norte, onde várias pessoas morreram. MCK considera que o silêncio do Presidente João Lourenço sobre o caso “promove a impunidade”.
E haverá novidades nas urnas no próximo ano? A possibilidade de participar num projeto político continua em cima da mesa, mas não é imediata, até porque “o melhor ano eleitoral de Angola vai ser 2027”, avisa o rapper que também é filósofo.
DW África: “Vidas Humanas Importam” é uma música mais atual do que nunca, tendo em conta os últimos acontecimentos na localidade de Cafunfo, na Lunda Norte, por exemplo?
MCK: Sim, é uma música que reflete a urgente necessidade de valorização do bem jurídico mais importante, que é o bem vida. E Angola é signatária de vários documentos internacionais, com maior destaque para a Carta Internacional dos Direitos Humanos. Temos estado a assistir desde o ano passado, desde o início da fase pandémica e com o agravar da situação económica e social, à desvalorização deste bem vida, com uma agressão institucional da parte do Estado e a promoção da impunidade por dirigentes ou pessoas ligadas ao Estado, como aconteceu agora com a situação de Cafunfo, que é uma situação reiterada há muitos anos.
O livro de Rafael Marques [“Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola”], lançado em 2010/2011, já retratava muitas situações de violação de direitos humanos, de execuções sumárias, de tortura e morte por parte das autoridades militares, policiais e empresas de segurança e generais. Portanto, estamos a assistir ao repetir de uma situação de décadas de violação dos direitos na Lunda. É lastimável, com um novo Presidente, com a famosa frase do novo paradigma, entretanto com práticas antigas a serem promovidas com discursos que promovem a impunidade, conforme foi o discurso do ministro do Interior, assim como o discurso do comandante-geral da polícia.
DW África: E o Presidente de Angola continua em silêncio sobre este assunto. Está desiludido com João Lourenço?
MCK: Com esta situação em concreto, acho que o silêncio do Presidente promove a impunidade. O nosso Presidente é muito atuante nas redes sociais comparando ao anterior [José Eduardo dos Santos] e julgo que numa situação dessas a voz de comando do Presidente da República como mais alto mandatário do país faria todo o sentido. Antes de se apurar responsabilidades das partes, quem atacou quem e quem fez o quê, são angolanos que morrem de um e do outro lado. Nesse sentido, julgo que o Presidente tinha de ter a mesma preocupação que ele tem de marcar aquela presença na internet, em proteger o mais importante dos bens jurídicos das pessoas que ele dirige que é o bem vida.
DW África: Qual é a mensagem principal desta música, que conta com a participação das cantoras angolanas Carla Moreno e Telma Lee?
MCK: A mensagem principal é o elevar da dignidade da pessoa humana, o respeito pelos direitos humanos e o proteger do bem vida e nesta fase pandémica condenar essas mortes que têm estado a acontecer com alguma regularidade. E não aconteceu só a situação em Cafunfo. Antes, no dia 11 de novembro de 2020, assistimos à morte de Inocêncio Matos, numa situação exatamente igual de uma manifestação pacífica. Vimos a situação do Sílvio Dala, o médico morto pela polícia numa situação horrível por não estar a usar máscara. Assistimos a vários vídeos de homens e mulheres violentados diariamente nesta fase pandémica, num exercício dramático de abuso de autoridade. Então, essa música é um reflexo desse estado de espírito de violência institucional e dessa promoção da impunidade que se tem instalado no contexto angolano.
DW África: E o descontentamento das pessoas em relação à governação e a essa impunidade poderá refletir-se no próximo ano nas urnas? Ultimamente têm surgido novos movimentos políticos de oposição ao MPLA…
MCK: Há um movimento da sociedade civil que cresce que me anima mais. Se fizermos uma leitura de mudança do contexto pensando apenas no exercício do voto, que é um único momento, acho que é irrisório. Porque como se sabe as eleições aqui em África não são transparentes, há muitas práticas fraudulentas na utilização do espaço da antena pública, não há um tratamento igual entre os variados partidos políticos, as oportunidades não são iguais. Ainda temos um país com instituições muito partidarizadas, que no meu ponto de vista ferem todo o processo anterior ao exercício de voto que tem lugar num único dia. Mas, todavia, sinto que com essa abertura que vamos tendo de uma relação diferente do anterior consulado, que era uma relação de submissão ou de repreensão, atualmente existe um espaço para o diálogo e esse diálogo tem sido fecundo nas redes sociais.
Isso dá-me esperança, não diria de maior competitividade dos partidos políticos, mas parece-me que vai surgindo uma geração que vai votar sem a preocupação do histórico do partido que nos deu a independência, sem a preocupação do partido tradicional que fez a guerra dos atores da corrupção. Vai surgir uma geração preocupada com programas onde podem realizar os seus sonhos. Essa geração começa a surgir. Vamos ter o primeiro voto da geração de paz. Angola está em paz desde 2002. Ou seja, quem nasceu em 2002 já vai poder votar e a desculpa da paz já não vai ser suficiente, a desculpa da corrupção não vai ser suficiente. As pessoas vão exigir programas onde consigam concretizar os seus sonhos, realizar as suas vidas em busca de felicidade, desenvolvimento e prosperidade. Então, eu coloco esperança numa sociedade civil que tenha capacidade de fazer um voto consciente e não influenciado por uma maratona, por uma campanha eleitoral ilusória ou por uma prática de corrupção de compra de votos por conta da miséria que as pessoas vivem, da falta de emprego e da falta de quase todas as condições. É muito fácil comprar um voto, ou condicionar um voto, de quem não tem um pão para comer.
DW África: MCK num projeto político a pensar nas próximas eleições foi uma hipótese avançada numa entrevista à DW há cerca de dois anos. Essa hipótese continua em cima da mesa?
MCK: Continua em cima da mesa, para já não é imediata. Parece-me que o melhor ano eleitoral de Angola vai ser 2027. Até lá, eventualmente podemos ter novidades. Não tenho nada avançado, nada em concreto, mas parece-me que o país está a evoluir para um sentido em que 2027 vamos assistir às primeiras grandes eleições em Angola, no meu ponto de vista.