Surpreendi-me com o “insulto” de João Pinto, ao debate de Terça-feira na TVZimbo, dizendo que eu estava a fazer confusão no entendimento da RESPONSABILIDADE POLÍTICA na relação entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional. Aliás, não é bem surpresa por vir do João Pinto, que, com sua vocação circence, fala mais do que pensa (sem querer surpreender as caracteristicas lembrosianas que William Tonet descobriu no deputado numa entrevista dada num canal de comunicação social qualquer). É mais, por ele próprio querer me confundir com as próprias confusões da CRA criando uma irónica situação de um doido varrido que trata por doido o individuo de boa índole que tenta dissuadi-lo de uma loucura qualquer.
É evidente que a apresentação dos fundamentos da revisão constitucional feita pelo Ministro de Estado, Adão de Almeida é uma declaração sobre as confusões da CRA, um solene reconhecimento dos erros de sistemática e de lógica jurídica e até de coordenação sintática que engravidaram perigosamente o texto constitucional de 2010, sendo no contexto das constituições vigentes no mundo um manifesto monumento a ingenuidade jurídica. Se por um lado, a proposta de revisão constitucional reflecte um gesto de humildade dos seus proponentes por outro deixa-me preocupado quando vejo os mesmos autores desta CRA confusa a proporem uma nova revisão. Quem garante que não será um processo de renovação de confusões?
Quando o próprio João Pinto, que defende agressivamente a sobrevivência das confusões da CRA, desconhece o significado de RESPONSABILIDADE POLÍTICA confundindo-a deliberadamente com Responsabilidade Jurídica (sobretudo Criminal), de que se espera desta nova proposta de revisão constitucional?
Um dos infelizes incidentes que resultou do processo de colonização foi termos herdado o sistema jurídico português, ele próprio engravidado de erros e incompreensões devidos a péssima tradução dos institutos jurídicos das línguas francesa, inglesa, alemã e latina (para citar as principais) de que se inspira a sua doutrina jurídica. Daí não fazer sentido o conceito de MINISTÉRIO PÚBLICO, quando qualquer função exercida no funcionalimso público é por si só um ministério público, daí que o conceito de MAGISTRATURA JUDICIAL não faça sentido que seja atribuível apenas aos juízes quando a magistratura exercida pelo procurador também pode acontecer no âmbito judiciário. Neste sentido bem andaram os francófonos ao tratarem o Procurador como “magistrat du parquet” sendo corrente substituirem o conceito de “magistrat du Ministère Public” que já se reconhece como um equívoco entre os doutrinadores franceses mais respeitados. Aliás, um erro copiado pelos doutrinadores portugueses que sobrevive entre nós, juristas angolanos, os “copistas” de profissão.
A cópia de leis não seria má, se fosse assegurada pela lógica jurídica, o instrumento de percepção racional que ajuda a fixar o sentido dos fenómenos do Direito. É por isso que não ocorre aos “copistas” que os tribunais são espaços de soberania do juíz que se confundem com a própria singularidade deste, sendo por isso que é usual no exercício jurisdicional, os juizes dizerem “meu tribunal!”. E por não compreenderem essa singularidade deixaram gravado no texto constitucional e na ordem jurídica os mesmos disparates da tradução portuguesa do conceito de tribunal para as cortes superiores que por sua natureza congregam vários juizes ou vários “tribunais” num só. Em rigor, quando se fala em Tribunal Supremo, devia falar-se em “tribunais do Supremo”, para entender-se a gravidade do erro na interpretação lusófona. Por alguma razão os francófonos chamam qualquer tribunal superior por “Cour” e o tribunal inferior ou tribunal singular por “tribunal”. Na mesma senda estão os anglófonos tratando por “Court” e “ “Tribunal” respectivamente. Não seria nada mau e nem ilógico sem ao conjunto dos juízes do Tribunal supremo chamassémos CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA, por se tratar de um conjunto de tribunais. Andaríamos em consonância com os cultores do direito francófono e anglófono.
São alguns exemplos de que as cópias sem o exercício de lógica resultam sempre em perfeitos disparates. Infelizmente é o caso de responsabilidade política de que os autores desconhecem as consequências. Os copistas ou TECNOCRATAS DA VAIDADE (que nunca explicam claramente as suas ideias e escondem a sua própria ignorância por trás de palavras difíceis para leigos), nem se quer desconfiam que quando se fala em responsabilidade política está-se diante de uma possível demissão, destituição ou dissolução do órgão (singular ou colectivo) em caso de perda de confiança. Ou seja, se o PR tem responsabilidade política diante da Assembleia Nacional isso devia significar que em caso de falta de apoio a sua acção governativa deve demitir-se ou sujeitar-se a uma destituição. Ora se não é essa a consequência esperada na relação entre o PR e a AN como defendeu Marcy Lopes, então que se retire o conceito normativo de Responsabilidade Política. Quem não pode ser destituído ou não é obrigado a demitir-se (ou auto-destituir-se como os inventores do direito sugerem) não pode ter qualquer responsabilidade política.
Entretanto, João Pinto, como deputado e, por isso “político”, não foi ingénuo a querer pintar-me com as confusões da CRA, foi um exercício para levar ao descrédito os meus argumentos e semear dúvidas a respeito da minha apologia junto daqueles que acreditam nos “sacrossantos” copistas da escola lusófona e assim salvar a honra dos tecnocratas da vaidade que coseram a teia de disparates na forma de texto fundamental com os seus conceitos doutrinais mal percebidos pela generalidade dos angolanos.
Mas a verdade é lógica, tão lógica que mesmo quem deconhece a ciência em que a verdade é veiculada percebe-a cristalinamente. A verdade não precisa de quem luta por ela desesperadamente, impõe-se por si mesma. Tenho certeza que muitos perceberam o sentido de responsabilidade política que apelei e que curiosamente foi confundido mesmo até pelos apresentadores da proposta de revisão constitucional quando sugerirarm uma curiosa responsabilidade política do PR que não pode levá-lo a demitir-se do cargo. Invenções no campo do Direito que só acontecem em Angola.
Graças a essa curiosa invenção que acaba de trazer à luz da Ciência do Direito uma estranha espécie de responsabilidade política sem consequências políticas pode-se adivinhar mais uma CRA ATÍPICA depois da revisão “pontual”. A própria corrente doutrinária que lhe justifica até pode chamar-se de “Atipismo crónico” e os seus cultores tratados por “Atipistas crónicos”.
Albano Pedro