A defesa do ex-ministro angolano da Comunicação Social condenado hoje a 14 anos e meio de prisão diz-se “surpresa” pelo crime de peculato “imputado” ao seu cliente, referindo que Manuel Rabelais “não causou lesão patrimonial ao Estado angolano”
“A reação é de alguma surpresa, não tanto pela pena que Manuel Rabelais foi condenado, mas pela justificação que o venerando juiz dá, porque o de peculato é um crime patrimonial e até agora não foi dito em concreto qual foi a lesão patrimonial ou material que Manuel Rabelais causou ao Estado, aliás os declarantes deixaram isso claro”, afirmou hoje o advogado Amaral Gourgel aos jornalistas.
Falando hoje na sede do Tribunal Supremo angolano, no final da leitura do acórdão que condenou o ex-ministro e antigo diretor do extinto GRECIMA pelos crimes de peculato e branqueamento de capitais, o causídico refutou os argumentos do juiz da causa.
O juiz “disse que ele foi condenado nessa pena porque o crime de peculato visa proteger a fidelidade e a fé pública dos funcionários públicos”, comentou, acrescentando: “Sinceramente nunca ouvi dizer que o crime de peculato visa proteger a fidelidade ou a fé pública”.
O co-arguido no processo, Hilário Gaspar Santos, à data dos factos assistente administrativo do extinto Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), foi condenado a 10 anos e seis meses de prisão pelos mesmos crimes.
Manuel Rabelais, antigo ministro da Comunicação Social, está arrolado no processo na qualidade de ex-diretor do extinto GRECIMA, por atos praticados entre 2016 e 2017.
A sentença foi apresentada hoje pelo juiz da causa Daniel Modesto, que no final da sua exposição disse que os arguidos, durante as audiências de julgamento, “não mostraram qualquer arrependimento e tentaram esquivar-se de forma ardilosa dos atos ilícitos que sabiam que tinham praticado”.
A defesa, por seu lado, interpôs recurso com efeito suspensivo, aceite na ocasião pelo juiz da causa, pelo que os arguidos devem aguardar o recurso em liberdade.
“E isso foi feito e pedimos um efeito suspensivo da decisão e foi admitido e acolhido pelo tribunal, e vamos esperar que o plenário do Tribunal Supremo julgue o recurso. Eles continuarão em liberdade até o julgamento do recurso”, realçou Amaral Gourgel.
Segundo a acusação, os arguidos defraudaram o Estado angolano mais de 22,9 mil milhões de kwanzas (30,6 milhões de euros), sendo 4,6 mil milhões de kwanzas (6 milhões de euros) recebidos diretamente do Orçamento Geral do Estado (OGE) e 18,3 mil milhões de kwanzas (24,4 milhões de euros) das divisas recebidas do Banco Nacional de Angola (BNA).
O GRECIMA foi criado em maio de 2012, como órgão auxiliar do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, e extinto, em 2017, pelo atual Presidente de Angola, João Lourenço.
A instituição tinha contas domiciliadas no Banco de Comércio Indústria (BCI) para onde eram canalizadas grande parte das divisas adquiridas no BNA, e noutros bancos comerciais, nomeadamente o BAI (Banco Angolano de Investimentos), BIC (Banco Internacional de Crédito), SOL e BPC (Banco de Poupança e Crédito).
Para o advogado de Manuel Rabelais, a devolução de alguns bens do seu cliente ao Estado “não indicia qualquer reconhecimento que tenha cometido algum crime”.
“Porque eu sei em que circunstâncias é que Manuel Rabelais entregou voluntariamente alguns bens ao Estado, outros foram lhe exigidos, portanto não se trata de qualquer reconhecimento de se ter apropriado de bens do Estado”, argumentou.
Manuel Rabelais, explicou o advogado, entregou voluntariamente alguns bens ao Estado, “com base na lei da entrega voluntária de bens, mas se formos a ver, a maior parte dos bens que entregou são anteriores à sua nomeação como diretor do GRECIMA”.
Questionado pela Lusa sobre a falta de arrependimento dos arguidos, conforme realçou o juiz da causa, Amaral Gourgel considerou que os mesmos não podiam mostrar qualquer arrependimento, porque todo o trabalho feito por estes foi em defesa dos interesses do Estado.
“Portanto, eles não podiam chegar aqui e mostrar arrependimento, mostra arrependimento quem está convencido que cometeu algo ou praticou algum ilícito, não é o caso deles”, notou.
“Aliás a nossa defesa foi sempre no sentido de absolvição deles por falta até de legitimidade do Ministério Público para mover esta ação, porquanto os bens e dinheiros que passaram pela conta do GRECIMA são dinheiros privados e não públicos”, concluiu o advogado.