O parlamento angolano aprovou hoje vários acordos de reforço de cooperação em matéria de segurança e assistência jurídica, nomeadamente com Cuba, sobre o qual deputados da oposição apresentaram várias reservas, desde logo sobre a extradição.
A Assembleia Nacional discutiu e aprovou o Projeto de Resolução dos Acordos de Cooperação entre os ministérios do Interior de Angola e da Hungria, no domínio da Segurança e Ordem Interna, que passou com 123 votos a favor, nenhum contra e sem abstenções.
Os deputados discutiram e apreciaram também o Projeto de Resolução que aprova para ratificação o Acordo entre os governos de Angola e da Guiné Equatorial, no domínio da segurança e ordem interna, bem como o Projeto de Resolução que aprova para ratificação, o Acordo de Cooperação entre Angola e Espanha em Matéria de Segurança e Combate à Criminalidade, ambos aprovados por unanimidade.
Já o projeto de Resolução que aprova para ratificação, o Acordo entre a República de Angola e a República de Cuba, no domínio da Assistência Jurídica e Judicial Mútua em Matéria Penal foi aprovado com 123 votos a favor, dez contra e 44 abstenções.
Na apresentação dos instrumentos jurídicos, o secretário de Estado para a Cooperação Internacional e Comunidades Angolanas, Domingos Vieira Lopes, disse que no âmbito das boas relações entre os dois países, foi assinado em Havana, no dia 01 de julho de 2019, o Acordo de Auxílio Mútuo em Matéria Penal, para o estreitamento e aprofundamento da cooperação entre ambos os Estados.
“O acordo tem por objetivo reforçar o quadro jurídico de cooperação existente mediante o estabelecimento do intercâmbio entre os dois países sobre informação, atos processuais ou produtos resultantes de crimes, a notificação e atos, a entrega de bens e outros instrumentos jurídicos que se afigurem necessários para garantir o auxílio judiciário mútuo entre as partes”, disse.
Domingos Vieira Lopes sublinhou que a criminalidade tem registado uma ação cada vez mais alargada além-fronteiras, tornando limitada e insuficiente a intervenção do tribunal nacional competente, por isso “a necessidade de o processo tomar uma dimensão transnacional, através de mecanismos que permitam a conexão entre os diferentes ordenamentos jurídicos”.
“Tendo em conta a mobilidade de pessoas entre os dois países, a ratificação, implementação do acordo auxílio jurídico mútuo em matéria-penal permitirá reforçar o combate ao crime transnacional organizado, imprimir maior celeridade processual dos processos-crimes de infrações cometidas pelos nacionais dos Estados-partes em ambos os países”, referiu.
O governante angolano destacou ainda que este acordo tem como objetivos agir na prevenção, investigação, ação penal ou instrução do processo de natureza criminal e fortalecer a cooperação entre os dois Estados no domínio da justiça.
Em resposta às preocupações colocadas durante a discussão por deputados, a presidente da Comissão de Relações Exteriores, Cooperação Internacional e Comunidades Angolanas no Estrangeiro, deputada Josefina Pitra Diakité, considerou que “não há razão para temores nem preocupações” relativamente às dúvidas relativas aos artigos 2.º e 4º do acordo.
“Pelo seguinte: está em causa um acordo de cooperação mútua judiciária entre as partes e se se tratar de um assunto que não seja criminalizado na lei angolana, mas que seja na lei cubana, o Estado cubano tem o direito de nos pedir assistência e nós temos o direito de providenciar essa assistência, que seja a localização do cidadão cubano em causa, que às vezes poderá ser simplesmente para esclarecimento, prestação de declarações”, explicou.
Segundo Josefina Diakité, o articulado do acordo salvaguarda os casos em que não se tratar de crime ou os casos em que forem crimes de natureza política ou outra natureza, nomeadamente razões raciais, discriminação de qualquer outra natureza.
Na sua intervenção, o deputado da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), André Mendes de Carvalho “Miau”, frisou que Cuba é um país amigo, por isso é preciso olhar para a lei com objetividade, salientando que no ponto dois do artigo 2.º, a maneira como foi colocada a questão “foi com alguma cautela”, e pressupõe que “há qualquer coisa que não está muito clara”.
“Devemos prestar ajuda para se esclarecer algo que nós próprios condenamos, roubo, assassinato, estamos todos de acordo, vamos cooperar no sentido de que esses aspetos sejam esclarecidos, mas se determinado ato no meu país não é crime eu não tenho nada que ajudar o outro no sentido de ele fazer uma punição que eu próprio não reconheço”, defendeu, propondo que o documento fosse corrigido.
Por sua vez, o deputado da Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE) Alexandre Sebastião, e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), realçaram que Angola e Cuba têm sistemas políticos diferentes, por isso essa colaboração fere a Constituição.
Já o líder da bancada parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Liberty Chiaka, disse que pretenderam “branquear” o artigo 4.º, no número do dois, falando em “transferência de pessoas sob custódia para prestar depoimentos ou produção de provas”, quando a palavra certa é extradição, contrária à Constituição angolana.
“Do ponto de vista político sabemos qual o interesse, essencialmente de Cuba, em relação a este acordo, porque o fluxo de cubanos que agora começam a ficar no nosso país, vindos de vários acordos e que depois decidiram ficar definitivamente, começa a preocupar o regime cubano e nesse sentido interessa mais ao regime cubano ver estas pessoas no seu país serem sancionadas por terem ficado em Angola”, disse Lindo Bernardo Tito, deputado independente, na sua declaração de voto, com o sentido de abstenção, apelando ao grupo maioritário um recurso de inconstitucionalidade.
Já Lucas Ngonda (Frente de Libertação Nacional de Angola) reiterou que “o sistema político cubano é ainda um sistema de partido único” e mesmo que Angola tenha acordos de cooperação com Cuba, em termos constitucionais, as diferenças são abismais.
“Nós aqui não podemos falar em prisioneiros políticos, estaríamos em contramão com as liberdades fundamentais dos cidadãos, em Cuba já não. O cubano não pode viajar para qualquer lado como nós viajamos. Até hoje o ordenamento jurídico cubano não permite”, lembrou, afirmando que este acordo “está a esconder um vício qualquer”.