O antigo coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, considerou hoje o ‘Luanda Leaks’ “um momento de viragem” para as sociedades portuguesa e angolana no sentido de uma maior transparência da circulação de capitais. Francisco Louçã foi ouvido como testemunha arrolada pela defesa do arguido Rui Pinto no julgamento do processo ‘Football Leaks’.
Ouvido como testemunha arrolada pela defesa do arguido Rui Pinto na 39.ª sessão do julgamento do processo ‘Football Leaks’, no Tribunal Central Criminal de Lisboa, o economista e conselheiro de Estado notou que, atualmente, “a sofisticação do crime económico e do branqueamento de capitais é de altíssima complexidade”.
E isso, no seu entender, reforça ainda mais a importância do ‘Luanda Leaks’, cuja fonte foi também o criador do ‘Football Leaks’, que expôs em janeiro de 2020 – através do consórcio internacional de jornalistas de investigação (ICIJ) – alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.
“O ‘Luanda Leaks’ abriu a luz numa sala que estava às escuras. (…) Provou que este universo era uma forma de reciclagem de recursos de uma enorme dimensão”, definiu Francisco Louçã, continuando: “Creio que o ‘Luanda Leaks’ forneceu às autoridades angolanas informação de grande valor para promover a sua própria investigação e os caminhos que a investigação tem vindo a prosseguir.”
Autor do livro ‘Os Donos Angolanos de Portugal’, cuja primeira edição data de 2014, Francisco Louçã explicou que a informação se baseava “estritamente em fontes legais e em informação publicamente acessível”.
“Podíamos pressupor que o enriquecimento da família dos Santos provinha dos recursos públicos e isso era uma hipótese forte perante as evidências”, começou por declarar a testemunha, que não deixou de realçar o mérito da informação divulgada, nomeadamente o circuito entre cerca de 400 empresas associadas à empresária angolana: “É ter o mapa do tesouro e poder perceber como funciona esta operação.”
Assegurando não ter “acesso a fontes ilegais” ou “capacidade jurídica” para discutir a questão do acesso à informação, Francisco Louçã defendeu a opção de incluir na segunda edição da obra, já em 2020, revelações do ‘Luanda Leaks’ e vincou que a origem da informação nunca esteve em causa.
“Tenho conhecimento de que ela é divulgada por um consórcio internacional de jornalistas, que assume a responsabilidade pela sua divulgação. E a informação é pública. Portanto, reportei na segunda edição do livro. Não tive qualquer dúvida”, frisou, além de notar que a autoria do livro ou da investigação jornalística não substitui o papel das autoridades.
Em relação ao ‘Football Leaks’, o antigo líder bloquista manifestou o seu conhecimento da situação pela comunicação social, apesar de ter valorizado o interesse público dos dados divulgados pela plataforma eletrónica criada por Rui Pinto.
“Registei com gosto o facto de se poder ter uma informação que é de enorme importância e de relevância pública e democrática. Algumas autoridades usaram essas informações para obterem pagamentos de impostos que eram devidos e só por isso a sua relevância já é importante”, referiu Francisco Louçã, que lamentou a associação de diversas transações no futebol a intermediação sediada em paraísos fiscais.
O julgamento do processo ‘Football Leaks’ prossegue na próxima quinta-feira, com as audições das testemunhas Miguel Poiares Maduro, Francisco Nina Rente e Gerard Ryle.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.