Os documentos que o DCIAP enviou às autoridades judiciais angolanas e que estas dizem não ter recebido são uma história mal contada. No fim da linha, esta rábula acaba por fragilizar a narrativa de combate à corrupção construída por Angola.
A rábula à volta da documentação entregue a Angola pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), com um conjunto de informações sobre bens, ações e propriedades que vários cidadãos daquele país têm em Portugal, é mais uma ferida aberta na PGR angolana
Hélder Pitta Grós, procurador-geral da República de Angola, refugiou-se na semântica, declarando a 27 de abril não ter “até ao presente” recebido “qualquer lista com este teor” [lista de fortunas de cidadãos angolanos com domicílio em Portugal], mas a realidade é que o DCIAP entregou na embaixada angolana, correspondendo ao solicitado numa carta rogatória, informação detalhada sobre contas bancárias, aplicações financeiras em fundos de investimento, imóveis e participação em empresas em Portugal de diversas personalidades angolanas. Ou seja, excluindo o exercício retórico, lista ou informação detalhada, a realidade é que as autoridades angolanas estão na posse de documentação fornecida pelo DCIAP?
Porquê, então, negá-lo? Presumivelmente pela simples razão de que esta circunstância coloca uma pressão acrescida sobre a PGR angolana, a qual perde assim um pretexto para ir protelando as suas ações.
Todavia, este episódio não abona a favor da transparência da justiça angolana e abre campo para legitimar os que põem em causa a sua independência. Neste particular pode-se, a título de exemplo, apontar dois casos.
O de Carlos São Vicente, que está detido preventivamente desde setembro do ano passado, acusado de peculato e de crime de branqueamento de capitais de forma continuada, sendo que os seus advogados consideram a prisão arbitrária, e, inclusive, já fizeram queixa junto do Grupo de Trabalho da ONU para os Direitos Humanos. “Ninguém pode ser preso arbitrariamente, sem um julgamento prévio”, declarou François Zimeray, um dos seus advogados, em entrevista à Voz da América publicada a 7 de maio.
Outro processo emblemático é do Aenergy. A empresa do português Ricardo Leitão Machado moveu uma ação contra o Estado angolano motivada pela rescisão de um contrato de turbinas elétricas no valor de 1,1 mil milhões de dólares, sendo que recorreu também à justiça norte-americana para dirimir o conflito, justificando esta opção pela falta de confiança nas instâncias angolanas.
A PGR angolana transformou-se no rosto do combate à corrupção e ao desvio de fundos públicos por uma vontade política superior fulanizada no Presidente da República, João Lourenço. Esta aposta é também a prova de vida do chefe de Estado e a forma de cativar aliados e investimento internacional. Por isso, a trapalhada em torno da documentação enviada pelo DCIAP, com um meio desmentido de Hélder Pitta Grós, mina a credibilidade da narrativa e das decisões que têm vindo a ser tomadas pela justiça angolana.