O Presidente angolano pediu “desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções” durante o massacre de 27 de Maio de 1977 que, segundo diversas fontes, pode ter provocado cerca de 30 mil vítimas. Pela primeira vez um Presidente angolano pede também desculpas e diz esperar que outros actores façam o mesmo pelos seus actos.
“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, afirmou João Lourenço numa mensagem à nação transmitida pela Televisão Pública de Angola, nesta quarta-feira, 26, véspera do 44º aniversário dos incidentes que, segundo analistas e sobreviventes, foram uma purga no seio do regime do então Presidente Agostinho Neto.
Para o Presidente, “o pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras e reflecte um sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que estas famílias carregam por falta de informação quanto aos seus entes queridos”.
Ao falar numa “nova página da nossa história”, João Lourenço encorajou a todos os outros actores e participantes dos conflitos políticos, a fazerem-no igualmente.
“A história não se apaga, a verdade dos factos deve ser assumida para que as sociedades tomem as necessárias medidas preventivas, para evitar que tragédias idênticas se repitam”, acrescentou.
Outros conflitos
O Chefe de Estado angolano também se referiu a outras vítimas dos conflitos que marcaram o país entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002, sem, no entanto, indicar seus autores, da mesma forma que não se referiu ao MPLA quando abordou os incidentes de 1977.
“Este povo heróico e generoso, que já deu provas de saber perdoar, merece ouvir igualmente, de quem tem a responsabilidade de o fazer, um pedido público de desculpas e de perdão pelas almas de Tito Chingungi, de Wilson dos Santos e respectivas famílias, das valentes mulheres das fogueiras da Jamba, dos passageiros do comboio do Zenza do Itombe, dos mártires das cidades do Cuíto Bié e do Huambo, e de outros não citados aqui”.
A cerimónia, que aconteceu na Presidência e na presença dos principais autoridades do país, João Lourenço considerou “este virar de página” deve conduz à reconciliação genuína dos angolanos independentemente das cores partidárias”.
“Exorto a todos os cidadãos angolanos a dedicarmos todo o nosso saber, todas as nossas energias, à causa da edificação do nosso projecto de Nação, do desenvolvimento económico e social, pela prosperidade e bem estar dos angolanos”, concluiu.
Esta é a primeira vez que um Presidente da República pronuncia-se sob o assunto, assumindo a responsabilidade do Estado com um pedido de desculpas às vítimas da repressão de então.
Na sua intervenção, o Presidente angolano anunciou as homenagens às vítimas dos conflitos internos previstas para amanhã, com a entrega de certidões de óbitos às famílias das vítimas, e disse que vão começar trabalhos para encontrar ossadas de muitos dos assassinados a 27 de Maio, entre eles Alves Bernardo Baptista (Nito Alves).
Há 44 anos
A 27 de Maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, supostamente liderada por Nito Alves, afastado seis dias antes do cargo de ministro da Administração Interna, foi violentamente reprimida pelo Governo de Agostinho Neto.
Com a ajuda das tropas cubanas, então presentes em Angola, o regime deteve e matou milhares de pessoas, cujo total ainda se desconhece.
Há quem estime que cerca de 30 mil pessoas poderão ter sido assassinadas no que foi considerada uma purga dentro do MPLA, partido no poder.
Há dois anos, o Presidente angolano criou a Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas com a missão de elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos desde a Independência Nacional, a 11 de Novembro de 1975, até à assinatura do Acordo de Paz, a 4 de Abril de 2002.