Juristas defendem que o Presidente do Tribunal não deveria ter assento na Comissão Inter-Institucional de Análise do Fenómeno de Vandalização e Roubo de Bens Públicos
A semana passada, a Televisão Pública de Angola reportou uma reunião que representantes do Poder Judicial e do Poder Executivo em sede do que se chama Comissão Inter-Institucional de Análise do Fenómeno de Vandalização e Roubo de Bens Públicos.
A reportagem da TPA não disse quando e nem por quem foi criada tal comissão.
No que pareceu ser a sua primeira reunião, o Poder Judicial esteve representado por Joel Leonardo, presidente do Tribunal Supremo, ao passo que o Executivo fez-se presente através do Procurador Geral da República, Hélder Pitta Gróz, e dos ministros da Justiça e do Interior, Francisco Queiróz e Eugénio Laborinho, respectivamente. Também têm assento nesse fórum representantes de forças de defesa e segurança.
Nos últimos tempos, bens públicos como instalações e cabos eléctricos, travessas de caminho de ferro e outros têm sido roubados por grupos de pessoas que se suspeita financiados por comerciantes estrangeiros.
Pouco depois da reunião da Comissão Inter-Institucional de Análise do Fenómeno de Vandalização e Roubo de Bens Públicos, as autoridades tornaram público os nomes de empresas, todas elas detidas por estrangeiros, que exportam material compatível com o que vem sendo roubado.
A preocupação com o roubo e vandalização de bens públicos é hoje transversal à toda a sociedade.
Porém, a composição e os propósitos da Comissão Inter-Institucional de Análise do Fenómeno de Vandalização e Roubo de Bens Públicos suscitam em pessoas versadas em Direito algumas inquietações.
Tal é o caso do jurista Leandro Ferreira para quem “a existência de comissões integradas por todos os poderes públicos tem sido tratada com desconfiança e reprovada nas ordens jurídicas”.
Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Universidade Católica de Angola, Leandro Ferreira entende que sendo órgão independentes e autónomos, os tribunais – no caso em apreço representados pelo presidente do Tribunal Supremo – “não devem intervir em assuntos de natureza política”.
“Quaisquer órgãos ou comissões de trabalho que não estejam directamente previstos na Constituição ou nela fundadas, e que não se conformem com a separação de poderes, serão inconstitucionais. Há órgãos que contam com a intervenção de juízes que suspendem funções, como é a CNE, e que estão cobertos por tais requisitos. Mas a integração de juízes em comissões de trabalho executivo ou político, enquanto estão em funções judicativas, e que não se sustentem na separação de poderes serão sempre inconstitucionais por violar a autonomia e independência do poder judicial. Fere a isenção que se impõe aos órgãos do poder judicial”.
Posições idênticas tem Luzia Bebiana Sebastião, juíza conselheira jubilada do Tribunal Constitucional.
Doutorada em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e docente na Universidade Agostinho Neto, Luzia Sebastião entende que ao integrar a Comissão Inter-Institucional de Análise do Fenómeno de Vandalização e Roubo de Bens Públicos o presidente do Tribunal pisou o risco vermelho.
“Sendo a Autoridade Judicial mais alta da Jurisdição Comum, o presidente do Tribunal Supremo não deveria integrar órgãos provisórios de execução de tarefas concretas de combate à criminalidade”.
No que definiu como “ajuda” ao debate suscitado pela composição da referida comissão, Luzia Sebastião defende que o juiz deve manter-se distante, “não deve tomar conhecimento dessas questões agora, porque, em matéria de recurso, ele depois terá de decidir”.
Luzia Sebastião tem como certo que ali, na Comissão Inter-Institucional de Análise do Fenómeno de Vandalização e Roubo de Bens Públicos, falar-se-á “dos casos concretos que têm estado a ocorrer”. Ora, sustenta a jurista, “se para os demais membros da comissão poderão os casos funcionar como exemplos, para o presidente do Supremo significará tomar contacto, tomar conhecimento, o que reclamará dele o ter de se declarar impedido para o julgamento de todas essas questões”.
Para a juíza conselheira jubilada do Tribunal Constitucional, o “juiz faz parte de outro poder. Não deve acometer-se de tarefas que respeitam ao Executivo. Combater o roubo e a vandalização de bens públicos compete à Polícia, ao Governo da Província, à Procuradoria da Republica, mas não aos juízes e, muito menos ao presidente do Tribunal Supremo”.