A paralisação da circulação de trânsito na baixa de Luanda para dar lugar à passagem, a pé, de Marcelo Rebelo de Sousa por algumas das suas mais movimentadas artérias, acabou por servir para “aquecer” uma arrefecida Cimeira da CPLP, que tem passado completamente ao lado dos habitantes da cidade
Mais do que a própria cimeira – que amanhã reúne os Chefes de Estado e de Governo dos nove países membros de pleno direito desta organização – tem sido a presença de “Tio Celito”, como é conhecido em Angola o Presidente da República português, que, mais uma vez, tem despertado a atenção dos cidadãos pela sua simplicidade e peculiaridade singular na distribuição de afetos a vendedoras de rua, ardinas e engraxadores.
Vários angolanos foram-se juntando ao chefe de Estado português durante o seu percurso matinal, parando para aplaudir e gritar: “isto é que é presidente”. “Presidente tem de andar na rua”, exortavam alguns, considerando que o seu anfitrião e homólogo o devia acompanhar no passeio.
“A CPLP é pouco mobilizadora. Importante para as elites, mas perfeitamente desconhecida para a maioria da população”. É desta forma que João Armando, diretor de um dos principais jornais angolanos, o “Expansão”, vê a CPLP. É desta mesma forma, também que a maioria dos cidadãos olha para uma organização que “para uns é uma oportunidade para fazer negócios, umas consultorias, ganhar uns milhares de dólares sem grande esforço e para outros a possibilidade de transferir uns dinheiros para uma economia mais estável”.
Mas, de forma diferente, os angolanos acompanharam Marcelo na aprovação do acordo de mobilidade saído do conselho de ministros da CPLP e na advertência feita pelo Presidente português à Guiné-Equatorial: sem fim da pena de morte não assumirá a presidência.
Antes, logo após a chegada de Marcelo Rebelo de Sousa ao aeroporto 4 de Fevereiro, viram o Presidente português testemunhar, na companhia do ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a entrega de 50 mil doses da vacina AstraZeneca, que começou a ser esta sexta-feira ministrada em Luanda.
E sentiram-se ainda mais encorajados depois de o terem visto também apadrinhar um acordo entre os dois países na área da educação, em que Portugal se compromete a disponibilizar competências para formação de professores angolanos. “Este é o mais importante acordo porque lança o novo programa na área de educação, que começará a partir do próximo ano letivo e destina-se à formação de formadores”, disse o chefe da diplomacia portuguesa.
Como suporte financeiro deste acordo, que será implementado nas províncias de Luanda e do Bié, serão disponibilizados 3,85 milhões de euros dos quais 3,1 milhões garantidos pela cooperação portuguesa e 750 mil euros pela parte angolana.
Depois da presença de Marcelo, não espanta, no entanto, que para os angolanos, o ato mais relevante da cimeira até aqui tenha sido a celebração com Portugal de um acordo de facilitação de atribuição de vistos aos seus cidadãos portadores de determinadas categorias sociais. Subscrito no âmbito bilateral pelos chefes da diplomacia dos dois países, o acordo, segundo Ribeiro Telles, secretário executivo cessante da CPLP, será implementado de forma faseada e abrangerá sobretudo empresários, estudantes, investidores e artistas.
Inserida na proposta do Acordo de Mobilidade na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa defendida por Cabo Verde durante a presidência de Jorge Fonseca, sem isentar a atribuição de vistos para quem pretender circular entre os nove países, a reunião de Luanda estabeleceu já a consagração de novas três categorias de vistos: curta duração, estadia temporária e de residência. Na visão do chefe da diplomacia portuguesa, “é uma espécie de antecipação” do acordo-quadro de mobilidade instituído agora na cimeira de Luanda.
Apesar deste primeiro passo, prevalecem as reservas entre aqueles que acham que ainda “não se pode falar numa casa única” já que a maioria continuará a “precisar de autorização por escrito para entrar num dos quartos”.
Com outros olhares no futuro, os empresários de Portugal e Angola viram finalmente consagrada a assinatura de um acordo que, doravante, garantirá a proteção recíproca dos seus investimentos nos respetivos territórios. Para o ministro dos Negócios Estrangeiros português, ”o mais importante agora é aproveitar o programa Europa Global que disponibilizará 80 mil milhões de dólares, dos quais 30% serão aplicados na Africa sub-saariana”.
A tensão prevalecente nas relações entre o João Lourenço e Umaro Sissoco Umbaló não passou despercebida nesta cimeira. A Guiné-Bissau viu-se agora obrigada a aceitar as condições impostas por Luanda para reestruturar uma dívida contraída em 1975 de 18 milhões de dólares e que, passados mais de 40 anos, com os juros, ascende agora a 41 milhões de dólares.
Agastado com a forma como o Presidente guineense se tem insurgindo contra a liderança de João Lourenço, e depois de ter já reduzido o nível da sua representação diplomática em Bissau, Luanda pondera agora transferir a sua embaixada da capital guineense para o Senegal.