Em Portugal, Angola foi o segundo país com mais pedidos de asilo e o quarto na solicitação de nacionalidade. Os números crescem desde 2017, de acordo com os relatórios do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
De acordo com os relatórios do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal, nos últimos quatro anos, 770 angolanos requereram proteção e abrigo, embora se viva em clima de paz em Angola desde 2002. A Embaixada e o Consulado Geral de Angola em Portugal não quiseram comentar estes números.
Mas o cidadão Joaquim Catembe, nome fictício, quis. Faz parte dos angolanos que pediram asilo político a Portugal nos últimos quatro anos. Ouvido pela DW África, lamentou que o seu pedido tenha sido recusado pelo Ministério da Administração Interna, apesar de ter alegado perseguição e repressão no país de origem, onde inclusive foi vítima de julgamento e condenação política.
Catembe não vai desistir e adianta que irá tentar autorização de residência com outro estatuto. Contactado pela DW com o objetivo de ouvir um cidadão angolano asilado em Portugal, o Conselho Português para os Refugiados (CPR) respondeu que “preserva a identidade dos requerentes de proteção internacional”, não sendo por isso possível “identificá-los na nossa reportagem”.
Angola e Guiné-Bissau na dianteira
Entretanto, a Associação Solidariedade Imigrante confirma ter seguido alguns dos angolanos requerentes de asilo. O dirigente Timóteo Macedo conta que “muitas vezes, perante as exigências que são feitas nas zonas internacionais dos aeroportos, as pessoas não têm outras alternativas e fazem muito bem. Pedem asilo, não tanto em Portugal. Isso é residual para os angolanos”.
Acrescenta que “os casos não são muitos, pelo menos do nosso conhecimento”, mas garante que “existe uma onda de pedidos de asilo de outras nacionalidades, nomeadamente de África”.
“Nós chegamos a ter casos complicados de angolanos que vieram fugidos de Angola e que pertenciam a outros movimentos, nomeadamente à FLEC de Cabinda, etc., – estivemos inclusivamente a fazer ações no aeroporto de Lisboa – mas isso foi passado”, exemplifica.
E o membro da Associação Solidariedade Imigrante alerta que “não é pelo asilo que as pessoas, nomeadamente os angolanos, regularizam-se em Portugal”.
“Nós até perguntámos: ‘porque é que pediste asilo?’. Não havia necessidade. Não estão num país em guerra, não estão num país com grandes catástrofes humanitárias e climáticas ou de outro género. E, por isso, os pedidos normalmente são negados. As pessoas pedem para ficar, para se protegerem. Usam mais o pedido de asilo como proteção”, explica.
O Relatório do SEF de 2020 coloca Angola na segunda posição com 117 pedidos de asilo, depois da Gâmbia (157). Segue-se a Guiné-Bissau com 92 pedidos. Desde 2017, somam-se mais de 700 angolanos requerentes de proteção internacional, embora no que toca a 2020 os pedidos, de um modo geral, tenham diminuído mais de 45% face ao ano anterior, totalizando 1.002 pedidos de cidadãos de várias origens.
Em 2016, ano antes da tomada de posse do Presidente João Lourenço, apenas 30 angolanos estavam entre os 611 cidadãos de África que pediram asilo em Portugal.
Retrocesso nas liberdades
Contactados pela DW África, tanto a Embaixada de Angola como o Consulado Geral em Portugal olham para estes números com reticência e recusam fazer qualquer comentário a propósito.
De acordo com o SEF, “os critérios para atribuição de asilo são vários. No geral, garante-se asilo aos estrangeiros e apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados por exercerem, no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, atividades em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana”.
Manuel Dias dos Santos, da Plataforma de Reflexão Angola, é crítico em relação a esta matéria. Para este ativista angolano, com a chegada de João Lourenço à Presidência da República de Angola houve factos de retrocesso nas liberdades e garantias dos cidadãos.
“Eu acho que tem sido essa a razão fundamental que tem levado muitas pessoas a buscarem no exterior do país uma situação de exilados políticos”, entende Santos.
“Se tens as liberdades de expressão, participação e de imprensa reduzidas; se tens os teus próprios movimentos coartados e, ainda mais, agravados com a situação da COVID-19, é muito complicado, para quem aspira se colocar em plenitude da sua cidadania, exercê-la dentro do país”, argumenta.
“Asilo deve ser mais abrangente”
No entanto, Timóteo Macedo sugere: “Nós achamos que o asilo deve ser mais abrangente. Não deve ser separado da imigração em geral. Foi realizada, há pouco tempo, essa cimeira da CPLP, em Angola precisamente. É importante, de uma vez por todas que se acabem com as fronteiras dentro da cabeça das pessoas e as fronteiras físicas entre os países de língua oficial portuguesa”.
O dirigente associativo acha que os cidadãos do espaço lusófono devem circular livremente, o que ajudará a “acabar com situações que, muitas vezes, traumatizam a vida das pessoas”, entre elas o recurso ao asilo. “As pessoas ficam anos à espera de uma decisão e depois, muitas vezes, a decisão é negativa, obrigando-as a começar do zero”, lamenta.
De referir que, em 2020, a Europa registou o menor número de pedido de asilos desde 2013, sendo a Alemanha, a França e a Espanha os países mais procurados. Segundo o “Relatório Anual do EASO sobre a Situação de Asilo na União Europeia em 2021”, Portugal é o oitavo menos procurado entre os 31 países analisados pelo Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO – sigla em inglês).