Assinala-se hoje (31.07) o Dia da Mulher Africana. Mas violência doméstica, desemprego e discriminação são alguns problemas que mulheres enfrentam em Angola e na diáspora. Socióloga defende fim do “apartheid de género”.
Francisca Adão é uma vendedora ambulante nos arredores da cidade de Luanda. Nada sabe sobre o 31 de Julho, o Dia da Mulher Africana. “Pai, não sei nada sobre isso”, disse a zungueira, o nome pelo qual são conhecidas as vendedoras como ela.
E, como ela, muitas mulheres encontram nas ruas da capital angolana o ganha-pão para os filhos porque não têm chance de outros empregos. Algumas destas mulheres estão separadas dos seus antigos esposos.
É o caso de Maria António, um nome fictício que demos a uma residente de Luanda que comercializa roupas usadas para sustentar os seus filhos.
Ela quer manter a privacidade sobre o seu nome. E também não quer deixar-se fotografar. O que soubemos sobre ela é também a realidade de muitas outras mulheres aqui: não é fácil ser uma mãe solteira em Angola.
Sem ajuda dos homens
“É muito difícil ser mãe solteira neste país e ter de velar por tudo – desde alimentação, vestuário, saúde e até a própria educação – tudo, sem ajuda do pai dos nossos filhos”, contou-nos a mulher.
Também Tantine Kumanadia é uma mulher angolana separada do seu antigo esposo há já alguns anos. Diz que é difícil suportar as despesas sem o apoio do pai dos filhos. “Ele não presta assistência”, desabafa.
Questionada se já alguma vez procurou a justiça para obrigar o antigo esposo a cumprir com as suas obrigações, Tantine disse que sim, “já procurei [mas] não tive êxito”.
“Pai de nenhum filho deveria se levado à justiça”, porque, de fato, “ele sabe que tem filhos e esses devem ser sustentados por amor e não porque lei obrigou-lhes”, disse. Mas na prática, isso é diferente para muitas mulheres.
Lucas Pedro é jornalista angolano e autor do livro “Prestação de Alimentos aos Menores e aos Demais”. Seu trabalho explica como as pessoas devem agir quando estão diante desta situação.
“É ajudar a sociedade a olhar mais para a aplicabilidade destas normas já existentes e que se responsabilize, de fato, as pessoas condenadas a sustentarem os menores e também os demais”, disse.
Violência doméstica
A violência doméstica é outro problema que afeta muitas famílias, sobretudo as mais vulneráveis sócioeconomicamente. Maria António diz que já foi vítima por muitas vezes. “Ouvir falar [da violência] parece ser algo normal. Mas passar por ela é mesmo complicado, e terrível”, afirmou.
Ela detalha como a violência contra ela acontecia: “[meu esposo] chegava em casa alcoolizado e começava a ofender-me, batia-me sem razão, talvez porque eu não lhe respondesse. Quando ele falava eu me calava e acho que isso dava-lhe mais raiva. Mas era a minha forma de agir”, desabafa.
A DW África também conversou com a presidente da Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana (PADEMA). A partir de Lisboa, Portugal, Luzia Moniz explica como a organização celebra o dia 31 de Julho em tempos de Covid-19.
“Devido à pandemia – que assola o mundo e atinge de forma particular as mulheres – a PADEMA vai assinalar o histórico Dia da Mulher Africana com uma feira online que se realiza este sábado (31.07), com início às 16h (hora local)”, disse.
Africanas na diáspora
O evento terá poesia e dança e será moderado pela Carlas Valemo, diretora do Departamento de Comunicação Cultura e Artes da organização, e decorrerá sob o lema “Mulheres da Diáspora e os valores identitários africanos”.
Questionada sobre os principais problemas que afetam a mulher africana na diáspora, Luzia Moniz disse que os problemas quase sempre são idênticos aos já mencionados – “como o desemprego e a violência de género”.
Mas, na diáspora, “as mulheres são discriminadas também por serem negras e por estarem na base da pirâmide social”.
Além disso, há ainda a “estrangeirização”, explica ela, e isso significa que, “independentemente destas mulheres nascerem – ou não – em território europeu, serão tratadas sempre como estrangeiras”, disse.
Pandemia de Covid-19
Além dos problemas já mencionados, a pandemia do coronavírus aumentou as dificuldades para muitas mulheres.
Elas são as principais vitimas do desemprego ou são submetidas a empregos precários. Por isso, não têm os direitos sociais garantidos. Ou seja, não beneficiam da ajuda dos estados destinada ajudar as vítimas da pandemia.
“São empregadas de limpezas e outros trabalhos básicos, incluindo limpeza de hospitais”, diz Moniz.
Enquanto muitas pessoas beneficiam do direito de trabalhar em casa durante a pandemia, para estas mulheres não há este direito, afinal, “não se apanha o lixo pela internet”, explica.
“Estão também mais expostas ao risco de contágio da Covid-19. Esta vulnerabilidade deve-se também ao fato de serem forçadas a usar os transportes públicos para as suas deslocações para trabalho e exercerem trabalho presencial”.
Para a socióloga, os países africanos deviam aproveitar melhor os “seus cérebros” na diáspora.
“A União Africana (UA) já percebeu isso e elevou a diáspora à categoria de sexta região do continente, com planos de criação de entidades próprias para facilitar o melhor contributo da diáspora para o desenvolvimento de África”, acrescentou.
E, neste dia dedicado à mulher africana, Luzia Moniz deixa o recado: “o combate às desigualdades deve começar na mais gritante de todas as desigualdades, essa espécie de ‘apartheid’ de género'”.