Inebriado pela grande adesão que encontrou em Luanda e noutros grandes centros urbanos no seu regresso do maquis, nos anos 70 o MPLA criou um slogan propagandístico que tinha tanto de quimérico quanto de falso. Segundo esse slogan, o “MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA”.
Proclamada a independência, em 1975, o MPLA atribuiu-se o papel de vanguarda da sociedade.
Reclamando para si o direito de ser tutor de todos os angolanos, o MPLA chamou o dever de interferir em todas as esferas da vida nacional.
Através do Departamento de Quadros do seu Comité Central, o MPLA passou a determinar a categoria de angolanos que deveriam estudar nos países ocidentais e quais os que deveriam ir a Cuba e outros países comunistas; O MPLA passou a designar os anos. Para o exercício de funções de responsabilidade no aparelho do Estado estabeleceu como requisito incontornável não o mérito mas a militância.
No auge da euforia revolucionária, o MPLA até se permitiu a caprichos de colocar filtros: a meio da década 80, decidiu que não era do MPLA quem quisesse, mas quem merecesse. O subjectivismo inerente a essas opções levou a que o MPLA fosse entupido de militantes medíocres, oportunistas e sem carácter. Cidadão valiosos foram preteridos. Porque não tinham a chancela do MPLA, milhares de cidadãos viram frustrados os seus sonhos académicos, profissionais e outros.
Em 2013, quando aludiu, pela primeira vez, à acumulação primitiva do capital, o então líder do MPLA assegurou que acesso à riqueza não discriminaria ninguém.
“A nossa lei não descrimina ninguém. Qualquer cidadão nacional pode ter acesso à propriedade privada e desenvolver actividades económicas como empresário, sócio ou accionista e criar riqueza pessoal e património”.
Mas o que sucedeu é que, mais uma vez, o MPLA chamou a si os critérios da distribuição da riqueza nacional; passou a numerar e a nomear os assentos da mesa onde era servido o repasto.
Passados 40 anos, o MPLA não consegue libertar-se da armadilha que ele próprio criou e caiu. Continua dominado pela fantasia de que é “o único e legítimo representante do Povo angolano” e de que a sociedade tem de continuar moldada de acordo com as suas birras e caprichos.
É essa razão que explica a colérica reacção do MPLA ao surgimento da Ampla Frente Patriótica para Alternância.
Além de colérica, na reacção do MPLA abundam, também, a petulância e – o que já vem sendo um inquietante hábito – a deselegância.
Desde 1992 que o MPLA vem sendo confrontado com o facto de que nem todos os angolanos se identificam com ele. A existência, desde aquele ano, de uma Assembleia Nacional multipartidária, é a prova acabada de que milhões de angolanos têm outras escolhas políticas e partidárias.
Mas o MPLA toma essa realidade como ficção. Por isso, continua com o seu chip programado nos modos de “único e legitimo representante do povo angolano” e do “MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA”.
A cólera que tomou conta do MPLA impeliu-o a uma sucessão de erros, mas também a uma tardia confissão. A declaração de que Adalberto da Costa Júnior tem a sua liderança na UNITA presa “por um fio” é confissão de que o MPLA fez do Tribunal Constitucional mais uma dos seus vários apêndices. De outra forma, como compreender o categórico prognóstico, num processo que era suposto estar sob segredo de justiça? Não era suposto o MPLA ter conhecimento dos meandros de um processo que tramita no Tribunal Constitucional.
A “orientação” está dada. Adivinham-se consequências se o TC não agir em conformidade com a vontade do Kremlin.
Por outro lado, a afirmação de que a Frente Patriótica Unida é “um projecto que não tem credibilidade, não pode ser levado a sério e, portanto, não tem condições de se apresentar como alternativa democrática ao projecto de Nação do MPLA” antecipa-se ao futuro pronunciamento do Tribunal Constitucional sobre o assunto.
Num notável texto que publicou a semana passada no seu Club-K, o jornalista José Gama revelou que 7 dos 11 juízes que compõem o Tribunal Constitucional têm vínculos com o MPLA.
Segundo o director do Club-K, um portal com “toupeiras” em quase todos os centros de decisão do país, a bancada de juízes do MPLA no Tribunal Constitucional seria constituída por Guilhermina Prata, Simão de Sousa Victor, Carlos Alberto Burity da Silva, Maria de Fátima de Lima D’Oliveira da Silva, Júlia de Fátima Leite Ferreira, Carlos Magalhães e Victória Manuel da Silva Izata.
Além disso, Juvenis Paulo, director do Gabinete de Partidos Políticos do Tribunal Constitucional, é, também, um assumido militante do MPLA.
Com a asfixiante maioria de juízes próximos ao MPLA, o Tribunal Constitucional dificilmente se eximirá de seguir a “orientação” muito explícita do Secretariado do Bureau Político do partido governante.
Quarenta e seis anos ininterruptos no exercício do poder tornaram o MPLA num partido autista e envelhecido e estruturalmente avesso a ideias outras.
No dia 21 de Abril deste ano, Fernando Pacheco publicou no Novo Jornal um interessante artigo a que deu o título Uma reconciliação que tarda.
Nele, o respeitado agrónomo diz que o “MPLA revela-se um partido envelhecido, sem ideias para enfrentar os actuais desafios da sociedade angolana. Continua a seguir a mesma cartilha de há 30-40 anos em quase todos os domínios, repetindo de modo rotineiro eventos e actividades ano após ano, mês após més, com festejos e reflexões que nunca trazem nada de novo. Não se vê uma inovação organizativa ou metodológica, nem em termos de projectos”.
É essa organização envelhecida que vê numa trivial afirmação de que “Angola precisa de adoptar um Programa de Emergência Nacional para tirar o País da crise em que se encontra” um claro incitamento “aos angolanos à rebelião e à desobediência às instituições legítimas”, e confunde a constatação de que a “incapacidade do governo de resolver os problemas sociais tornou-se estrutural e congénita, tendo transformado a falta de água potável, as doenças endémicas, o desemprego, a educação sem qualidade, a falta de saneamento básico, a incompetência do governo e a corrupção em verdadeiros inimigos do povo angolano” com um convite aos jovens “para as más causas, como a realização de manifestações violentas e a vandalização e destruição de bens públicos.”
O comunicado do Secretariado do Bureau Político do MPLA esteve a um triz de tomar a declaração da Ampla Frente Patriótica para a Alternância como uma declaração de golpe de Estado e de reputar Adalberto Costa Júnior, Abel Chivukuvuku e Filomeno Vieira Lopes como um perigoso trio de conspiradores a soldo de forças estrangeiras.
Mas a diabolização da Ampla Frente Patriótica e ódio que vai sendo destilado contra os seus três líderes nos órgãos de comunicação social públicos e nas redes sociais sugerem que há, no envelhecido MPLA, gente muito tentada a declarar o Estado de Sítio para conter todos quantos dizem que o actual modelo de governação do país está esgotado.
Na abertura do presente ano judicial, no último dia 30 de Março, o Presidente da República, João Lourenço, disse isto: “(…) Que a Justiça angolana cumpra com o seu papel, o Chefe de Estado não vai interferir na acção da Justiça em violação da Constituição, como pretendem que o faça (…)”
No dia 7 de Agosto corrente, o Secretariado do Bureau Político do MPLA, cujas reuniões são presididas pelo mesmo João Lourenço, enviou esse “recado” ao Tribunal Constitucional: “(…) o projecto (Ampla Frente Patriótica para a Alternância) não tem credibilidade, não pode ser levado a sério e, portanto, não tem condições de se apresentar como alternativa democrática ao projecto de Nação do MPLA”
Perante isso, em quem os angolanos devem apostar as fichas? No João Lourenço do dia 30 de Março ou no do dia 7 de Agosto?