É das revelações mais poderosas da obsessão do novo poder pelo controlo de todo o poder. É uma demonstração de força que só encontra paralelo na deslenização russa, sob o comando de Stalin, ou na desestalinização russa, sob a égide de Khrushchov.
Em menos de dois anos, João Lourenço consegue apear os presidentes dos dois principais tribunais no país. E fá-lo numa altura em que, no caso do Tribunal Constitucional, se colocam dois processos com impacto decisivo na agenda imediata da competição política.
“O Tribunal Constitucional terá a última palavra relativamente ao manhoso processo de impugnação da eleição de Adalberto Costa Júnior no congresso da Unita. E, como conclui o inquérito da AngoBarómetro que trazemos esta semana, Adalberto Costa Júnior não é apenas uma ameaça real ao cadeirão de João Lourenço”.
É o mais sério candidato à vitória na batalha prevista para o próximo ano, até ao momento. E, como se sabe, será também o Constitucional a ser revestido de tribunal eleitoral, em caso de conflitos que decorram do processo eleitoral. Mas não é apenas isso. Pelo Tribunal Supremo e pelo Constitucional, este último, em caso de recursos extraordinários de inconstitucionalidade, passam os principais processos que visam os alvos a abater, no alegado projecto de combate à corrupção e à impunidade.
Contas feitas, “com a saída dos desalinhados Rui Ferreira e Manuel Aragão, João Lourenço assegura o controlo total de todas as instituições nevrálgicas que decidem a justiça”. Quer para combater eventuais inimigos externos, como é o caso das ameaças reais da oposição. Quer para combater os achados inimigos internos, como são alguns dos nomes visados em processos na justiça.
A nova crise de confiança instalada na justiça está, portanto, muito além do debate técnico-jurídico. Não se trata de interpretações antagónicas quanto aos limites do Constitucional no exercício da fiscalização preventiva do texto constitucional.
Muito menos é a expressão da independência dos poderes. No sentido mais político, também não está em causa uma simples guerra geracional. O que está em questão é muito mais profundo e perturbador. É um passo decisivo no sentido da consolidação do poder unipessoal de quem governa. É a reafirmação da interminável instrumentalização das instituições, pelo objectivo único da preservação do poder.
Afinal, não é por mera casualidade que as instituições-chave do Estado se mantêm erguidas pelo paradigma partidário e a revisão constitucional sequer cheirou o tema. Em autocracias disfarçadas de projectos de democracia, a partidarização do Estado é a forma mais eficaz para se contornar os formalismos de separação dos poderes. Tão simples quanto isso: “se o Presidente não pode tomar as decisões que lhe interessam nos tribunais, toma-as pelo Presidente quem estiver nos tribunais. Se o Presidente não pode instruir os processos que lhe interessam na PGR, instrui-os pelo Presidente quem estiver na Procuradoria”.
Para os respondões com cargos constitucionalmente estáveis, aponta-se o inexorável caminho da rua. Como? Criando-se a pressão necessária para desistirem pelo próprio punho. Enfim, o que vamos assistindo hoje não é outra coisa, é apenas a consagração derradeira de um novo todo-poderoso.