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Angola: “A democracia como refém das redes sociais” – Ismael Mateus

Quando estamos a um ano das eleições gerais, não há dúvidas de que a Internet vai ser um dos principais actores do processo eleitoral. A esta altura, a Internet já tem parte das responsabilidades pelo clima de insegurança e polarização que se vive.

Parte porque a discussão aqui é se a Internet é causa ou consequência da falta de informação crível e da rápida acção de denúncia e desmentido das inverdades.

Para já, todo o processo de comunicação a que estávamos habituados, está a mudar e a agenda mediática (e, às vezes a política também) está essencialmente a ser determinada pelo que se diz na Internet, seja verdadeiro ou não. As notícias postas a circular espalham-se a uma velocidade tão grande que às empresas tradicionais de comunicação não resta outra alternativa senão trazer os assuntos para a pauta jornalística. Se as empresas tradicionais não tiverem capacidade para antecipação ou rápido esclarecimento, as narrativas das redes sociais, falsas ou verdades, vão ter um papel dominante.

“O desempenho nas eleições também terá muito a ver com a capacidade de participação no jogo desse ecossistema onde qualquer pessoa pode divulgar a sua opinião, difundir as suas ideias e fazer chegar de modo directo, sem intermediários informações a diversos públicos. Com uma ferramenta tão poderosa, é natural que a Internet abrigue não só os bem-intencionados, mas também pessoas e grupos que deliberadamente resolvem usar as notícias falsas como estratégia de influência na tomada de decisão dos cidadãos”. O Governo tem sido o mais prejudicado, já que a grande maioria das fake news tem a ver com decisões ou pessoas do Executivo. No entanto, também existem, em menor número, noticias falsas sobre membros da oposição.

“As fakenews constroem uma ilusão da verdade, procurando desacreditar sobretudo as acções do Governo”. A cada projecto ou programa que o Governo faça ou a cada pessoa nomeada desencadeiam-se, de imediato, campanhas de desinformação para desvalorizar o impacto dessas medidas ou para desacreditar esses nomeados, que são logo acusados de coisas que não cometeram, ou estão por provar, ou de supostos crimes que nunca foram a julgamento.

E assim, por exemplo, foram postas a circular informações sobre a construção de um famoso hospital exclusivamente destinado a dirigentes do Governo e do partido no poder, o que mais tarde se veio a saber tratar-se,  em boa verdade, do Complexo Hospitalar público Pedro Maria Tonha “Pedalé, que se localiza no Morro Bento, e vai incluir serviços de que o país não dispõe como por exemplo um centro de formação em cirurgia robótica, um laboratório de histocompatibilidade e serviços clínicos como áreas de Radioterapia e de Medicina Nuclear.

O mesmo acontece com as últimas informações sobre a alteração da data de realização das eleições. Ao nível das personalidades, veja-se também o caso da juíza conselheira, presidente do  Tribunal Constitucional, que poucas horas depois da sua indicação enfrentava uma campanha de desacreditação visando ela própria com processos antigos da sua condição de advogada, e as empresas do seu marido. “As fakenews surgem nas redes sociais para manipular e confundir o cidadão eleitor e nosso caso, a fraca credibilidade dos órgãos tradicionais de comunicação contribuem e muito para que a disseminação de notícias falsas na Internet encontre um enorme campo aberto de pessoas que acreditam nelas”.

Quanto mais erros forem cometidos na gestão da comunicação social em termos de abertura politica e capacidade de abordar os assuntos candentes da sociedade, mais as pessoas vão acreditar nas fake news e serão levadas por sentimentos de surpresa, medo e repulsa. É a falta de informação credível que possibilita o aparecimento de fake news que depois geram os debates extremados, as campanhas de ódio e as posições radicais que assistimos nas redes sociais.

Embora os partidos não possam ser comprovadamente acusados de estarem por detrás das campanhas organizadas de falsas noticias, o seu silêncio em relação a isso, salvo quando são visados, cria a inquietante possibilidade de cumplicidade. Trata-se, fundamentalmente, de uma questão ética que permite a instituição do jogo baixo e do exercício de uma política de muito baixo recorte que em, última instância, se resume a ganhar votos com mentiras.

O efeito mais imediato para a nossa realidade é a polarização, que dita como consequências o radicalismo militante, a intolerância politica e o excesso de pessimismo geral em relação ao futuro.  “Nota-se nas redes sociais, sobretudo nos cidadãos que vivem fora do país (porque não podem realizar o fact-checking ou comparar com outras realidades), uma forte influência sobre factos divulgados nas redes sociais”. A imagem que têm do país está muito relacionada com o que lhes é oferecido a ver nas redes sociais, o que é obviamente insuficiente e susceptível à manipulação. Um dos exemplos é a pobreza em Angola. Existe pobreza e isso é indesmentível, mas a perspectiva de análise desse fenómeno pode ser feita só com o olhar para os cidadãos que sobrevivem dos restos dos contentores em Luanda ou a partir das centenas de famílias de Cambundi Catembo, Quilengues ou Tomboco beneficiários do subsídio social kwenda. Sem controlo, as redes sociais vão provocar resultados eleitorais baseados na mentira e na manipulação.

 

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