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Liberdade de Imprensa: “Questão de Direito e Bom Senso”

Há polémicas políticas que têm sentido e outras que não, há disputas que se resolvem pelo direito e outras que não.

O diferendo estabelecido a propósito do impedimento que terá acontecido na elaboração de reportagens de televisão durante a manifestação da UNITA no sábado, dia 11 de Setembro, em Luanda, que poderá ter sido acompanhado por agressões ou ameaças, é daqueles que se resolveriam por uma simples aplicação das normas jurídicas. O frenesim criado demonstra que é fundamental criar instituições fortes para além das pessoas que as constituem, e que o Estado de direito ainda é algo de muito frágil e verde em Angola.

Tendo havido impedimento da cobertura da manifestação da UNITA em determinadas televisões, é evidente que se está perante uma violação da liberdade de imprensa, direito fundamental garantido pelo artigo 44.º da Constituição (CRA), que é directamente aplicável e vincula todas as entidades públicas e privadas (artigo 28.º, n.º 1 da CRA). Se a isto acresceu a agressão ou ameaça de agressão a algum jornalista ou membro da equipa de reportagem, poderemos estar perante um crime de ofensa (tipificado de várias formas no Código Penal) ou de ameaças (artigo 170.º do Código Penal). Tudo isto é evidente.

Facilmente se verifica que para todos os eventuais factos que têm sido reportados existe previsão legal, pelo que as eventuais vítimas – jornalistas, repórteres de imagem ou outros, as organizações como a TPA e a TV Zimbo –, sentindo os seus direitos violados ou que foi cometido um crime, o que tinham de fazer era apresentar as respectivas queixas à Procuradoria-Geral da República, interpor os competentes processos de responsabilização civil ou criminal nos tribunais e deixar que a justiça exercesse o seu curso.

O que, obviamente, as televisões – ou outra parte qualquer – não poderiam fazer era confrontar uma violação da liberdade de imprensa com outra violação da liberdade de imprensa, ou contrapor a uma agressão outra agressão.

Este comportamento é ilegal, denomina-se justiça privada e é expressamente proibido. O princípio da proibição da justiça privada, que é basilar numa civilização moderna e num Estado de direito, determina que ninguém faz “justiça pelas próprias mãos”, pois há mecanismos públicos para garantir a justiça.

Ora, o anúncio que determinadas instituições de comunicação social fizeram corresponde a querer realizar “justiça pelas próprias mãos”. Não tem qualquer sentido. Se têm motivos de queixa, devem recorrer aos tribunais. Isto é muito simples e é assim que tem de ser.

A este problema junta-se a questão da liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa não pode ser a primeira vítima da disputa política. Na verdade, sem liberdade de imprensa não há disputa partidária, nem formação de vontade política democrática, e é por isso que a CRA a consagrou como direito fundamental de aplicação directa que não pode ser violado por ninguém, seja pelo governo, pela oposição ou por qualquer televisão pública ou privada.

O imperador francês Napoleão Bonaparte terá dito que “quatro jornais hostis são mais temíveis do que mil baionetas”. É este, precisamente, o ponto. É melhor que as disputas sejam resolvidas com palavras e não com baionetas, e é evidente que as palavras e a informação são determinantes para a procura da verdade e a tomada de opções.

Neste sentido, há que assumir posições muito claras sobre a liberdade de imprensa: não são admissíveis violações da liberdade de imprensa. Esta não é um trunfo com que as entidades contam para fazer valer os seus interesses. As disputas e dúvidas resolvem-se nos tribunais, não em retaliações privadas.

Embora, os princípios e as normas que versam sobre a liberdade de imprensa e as agressões ou impedimentos sejam óbvias, após a manifestação de sábado, demorou tempo a surgir o bom senso que enviaria o assunto para a esfera do direito e terminaria com a polémica. Este bom senso surgiu apenas com o comunicado do Sindicato dos Jornalistas apelando ao diálogo, a que se seguiu a intervenção do presidente da República no mesmo sentido. E efectivamente a conversa entre as partes aconteceu e, de repente, tudo pareceu esfumar-se.

No entanto, esta aparente solução tem um problema manifesto. Não é solução. Na verdade, o que aqui se passou é que tudo ficou dependente das pessoas, das suas boas vontades e dos seus caprichos. E não pode ser assim. O segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, afirmou com sapiência: “[Queremos] um governo de leis e não de homens. (…) o poder corrompe.” É isto mesmo que a sociedade angolana deve exigir. Um governo de direito, e não de pessoas.

É que aqueles que deviam ter sido os principais actores deste drama público ficaram quietos. Não se mexeram. Naturalmente, face à eventual violação de um direito fundamental e à perpetração de crimes, a Procuradoria-Geral da República deveria ter agido. Poderá invocar que alguns dos crimes serão semipúblicos e por isso necessitarem de queixa dos ofendidos para iniciar o respectivo processo criminal. Então, as televisões deviam ter apresentado judicialmente as suas queixas e não emitir comunicados ilegais.

De uma forma ou de outra, a PGR devia ter aberto uma averiguação ao que se passou e, se concluísse ter havido algum comportamento passível de ser qualificado como crime público (que não necessita de queixa), avançar com a investigação. Caso contrário, informaria o público de que não se estava perante qualquer comportamento criminoso. O que não pode fazer é remeter-se a um silêncio adormecido. A PGR tem o dever de garantir que o país vive debaixo da legalidade democrática. Esse é o seu papel primordial e deve levá-lo a sério.

Além do mais, há aquela triste história da divulgação de uma imagem do jornalista guineense Adão Ramalho a ser falsamente retratado como um jornalista angolano agredido. Não basta desmentir a história infantilmente falsa. É preciso saber quem foi o autor da mentira e exigir a sua demissão, para que o sentimento de impunidade não continue a prevalecer.

Consequentemente, nada está resolvido, tudo foi varrido para baixo do tapete até ao próximo batuque.

O poder judicial não pode continuar a eximir-se a assumir as suas responsabilidades para garantir que em Angola haja um governo de leis, e a sociedade civil não pode continuar a olhar para os papagaios de papel que são lançados no céu e levados pelo vento sem tomar uma posição estruturada sobre o que quer.

A exigência tem de ser uma: “Um poder judicial que funcione e uma sociedade que resolva os seus problemas através da aplicação pacífica da lei. Só isso trará desenvolvimento a Angola”.

 

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