O número de chineses em Angola caiu de quase 300 mil em 2014 para menos de 20 mil, com a pandemia de Covid-19 a agravar a crise económica. Mas a Câmara de Comércio Angola-China acredita que os chineses já estão a procurar novas oportunidades na indústria e agricultura.
O início da construção do porto de águas profundas de Caio foi anunciado em junho de 2015 como o maior investimento de sempre na província de Cabinda, no norte de Angola: 1,9 mil milhões de dólares norte-americanos.
Mas, até ao mês passado, arrastava-se uma paralisação de dois anos que deixou as obras nem a meio, entre dívidas à construtora estatal chinesa China Road and Bridge Corporation. Um dos muitos projetos em banho-maria que refletem o recuo da presença chinesa em Angola.
O país lusófono foi o quarto estado africano que mais recebeu investimento direto chinês até ao final de 2020, segundo um relatório do Conselho Empresarial China-África, divulgado no final de agosto.
Com base em dados do Ministério chinês do Comércio, o Conselho estima que a China já investiu 2,6 mil milhões de dólares em Angola até ao final do ano passado.
Angola foi o destino de 5,5 por cento do investimento chinês em África, apenas ultrapassada pela África do Sul (13,7 por cento), República Democrática do Congo (12,2 por cento) e Zâmbia (7,2 por cento).
Menos 240 milhões de dólares: Queda no investimento chinês em Angola em 2020
No ano passado, com o emergir da pandemia de Covid-19, o investimento estrangeiro em África caiu 15,6 por cento para 39,8 mil milhões de dólares em 2020, segundo um relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento.
O investimento chinês no continente africano rumou contra a maré, atingindo 2,96 mil milhões de dólares, mais 9,2 por cento do que em 2019, diz o Conselho Empresarial China-África.
Mas Angola foi uma exceção. O Conselho estima que, em 2020, as empresas chinesas tenham retirado investimentos do mercado angolano no valor de 240 milhões de dólares.
De portas fechadas
“É normal”, disse ao PLATAFORMA Linda Liu Zhidan, vice-presidente da Câmara de Comércio Angola-China, “porque, se a pandemia não foi muito grave na primeira metade do ano, depois a situação ficou cada vez mais crítica”.
O Presidente angolano João Lourenço decretou o estado de emergência a 27 de março de 2020, restringindo a circulação de pessoas e colocando a capital, Luanda, sob uma cerca sanitária.
“Estava tudo fechado, porque as pessoas tiveram de ficar em casa em confinamento”, recorda Linda Liu.
20.000: Número estimado de chineses em Angola
Uma situação que criou muitos problemas ao comércio a retalho, precisamente um dos dois setores onde se concentra a presença de chineses.
Já em abril de 2020 um outro vice-presidente da Câmara de Comércio Angola-China, Francisco Shen, previa, numa entrevista ao Jornal de Angola, que as empresas chinesas poderiam perder até 500 milhões de dólares com a pandemia.
Linda Liu não arrisca uma estimativa, mas garante que nenhuma empresa chinesa saiu imune à queda no consumo, não apenas devido à Covid-19, mas também à desvalorização da moeda angolana.
Desde a liberalização cambial, em 2018, o kwanza perdeu 75 por cento do seu valor em comparação com o dólar – 25 por cento só em 2020 –, segundo cálculos do jornal angolano Mercado a partir de dados do Banco Nacional de Angola.
Num país que depende da importação de bens essenciais, incluindo alimentos, a queda do kwanza significou um aumento do custo de vida.
“Os angolanos sofrem mais porque os preços aumentaram, mas nesta altura nenhuma empresa do país tem capacidade para aumentar os salários”, sublinha Linda Liu.
Alguns empresários fecharam portas e voltaram para a China, a aguardar que a situação melhore para regressar a Angola, diz a vice-diretora geral do H&S Huashi Group.
Na outra área onde há mais chineses, a construção civil, as empresas mais pequenas “não aguentaram” e deixaram o país de vez, admite Linda Liu.
Crise do petróleo
No seu pico, por volta de 2014, haveria perto de 300 mil chineses em Angola, segundo estimativas de associações.
Linda Liu acredita que a comunidade não chegue atualmente aos 20 mil. Num comunicado divulgado no domingo, a Câmara de Comércio Angola-Fujian refere um número ainda mais baixo, 15 mil.
A pandemia não ajudou, mas Linda Liu lembra que já no final de 2019, o número de chineses em Angola tinha caído para menos de 50 mil.
O êxodo começou em 2014, quando o preço do petróleo caiu em flecha de 100 dólares por barril para apenas 30 dólares em dois anos.
Linda Liu: “Quem ficar, quem aguentar, também depois vai ganhar muitas oportunidades”
Com a produção a encolher e grande parte dos barris reservados para pagar empréstimos chineses, Angola ficou com menos crude para vender no mercado internacional e caiu numa crise económica.
O país está em recessão desde 2016 e o Produto Interno Bruto encolheu 5,1 por cento em 2020, a maior queda em pelo menos 40 anos.
A primeira vítima foi a construção civil, onde muitos chineses trabalhavam em obras de infraestruturas e habitação, parte do esforço de reconstrução de Angola após o fim da guerra civil, em 2022, e financiadas pelos lucros da exploração do petróleo.
“Muitas obras ficaram sem financiamento, algumas foram paralisadas e poucas obras novas foram lançadas”, diz Linda Liu.
Dos chineses que ficaram, “uma pequena parte não tem solução para voltar”, admite a vice-presidente da Câmara de Comércio Angola-China. Mas a maioria “já tem raízes e quer ficar em Angola, que vê como uma segunda casa”, acrescenta.
Aguentar e diversificar
A 31 de agosto o Governo angolano levantou a cerca sanitária a Luanda, defendendo que o país tinha controlado o alastrar da Covid-19. Mas a pandemia não acabou e o momento continua a ser muito complicado para os empresários chineses, sublinha Linda Liu.
Ainda assim, acredita que “quem ficar, quem aguentar, também vai ganhar muitas oportunidades posteriormente”, nomeadamente por haver menos concorrência, por exemplo na construção civil.
“Quem tiver capacidade real, quer técnica quer financeira, vai conseguir”, acrescenta a empresária.
O Conselho Empresarial China-África defende que o investimento chinês em Angola já ultrapassou o modelo de grandes projetos de infraestruturas financiados por bancos chineses, dando como exemplo a central elétrica a gás natural do Soyo, na província do Zaire.
O investimento de grupos privados chineses em setores como o comércio, imobiliário e indústria tem crescido rapidamente em Angola, refere o relatório.
A mudança está ligada aos incentivos ao investimento na agricultura e indústria lançados pelo Governo angolano para diversificar a economia, diz Linda Liu.
Já há chineses a fabricar mosaicos e contadores em Angola, lembra a empresária, referindo-se à Métrica Soluções, uma fábrica de contadores digitais de água e energia, inaugurada na Zona Económica Especial Luanda-Bengo, nos arredores da capital, a 20 de agosto.
Outros já exploram fazendas “super grandes e vai ter mais chineses a trazer know-how e tecnologia para a agricultura em Angola”, prevê a vice-diretora geral do H&S Huashi Group.
O grupo chinês começou a trabalhar em projetos agrícolas e de aquacultura no país africano em 2019.
Numa fase inicial, o peixe criado em tanques será vendido no mercado interno de Angola, “para baixar o preço do peixe”, sublinha Linda Liu. Caso a produção atinja uma determinada meta, o H&S Huashi Group começará a exportar peixe para a China.
Apesar da crise económica e da pandemia, a empresária continua otimista: “Angola tem muita terra, tem recursos ricos”.