O analista Olívio Kilumbo defende que 2021, em Angola, foi marcado pelo aumento da tensão política, com a repressão de protestos e ataques à oposição, devido a receios do Governo sobre os resultados das presidenciais do próximo ano.
Para este docente e politólogo angolano, a violência sobre a manifestação em Cafunfo, em janeiro, é um sinal do “desespero do regime” a um ano das eleições presidenciais de setembro de 2022: “a polícia reagiu negativamente, matando à queima-roupa um número considerável de cidadãos”, num processo em que “não se conseguiu saber exatamente quantos angolanos morreram”, já que o Governo apresenta números contestados por organizações e manifestantes.
A “questão de Cafunfo é para mim um assunto mal resolvido e uma demonstração de força digna dos regimes. Sabemos que Angola não é uma democracia, é um regime autocrático e essas são algumas características reativas do regime, sobretudo quando é pressionado”, considerou o politólogo, professor da Universidade Costa Ribas, em Luanda.
O caso constitui, para Olívio Kilumbo, a “demonstração inequívoca de que onde abunda a riqueza superabunda a miséria e as Lundas é um destes casos de Angola, tal como Cabinda ou Zaire, províncias ricas em petróleo, hidrocarbonetos”.
O líder da manifestação em Cafunfo, Zeca Mutchima, “está detido até agora sem culpa formada, em prisão preventiva há quase 11 meses e é quase um caso esquecido”, recordou.
O politólogo assinalou também a polémica em torno da revisão parcial da Constituição, por iniciativa presidencial, lembrando que a ação “foi muito contestada pelos partidos na oposição e a sociedade civil”, já que não colocou em causa o “excessivo poder do Presidente da República” ou “o retorno da eleição de forma direta” do chefe de Estado, “elementos fundamentais para a criação de contrapesos democráticos ou constitucionais”.
Neste processo, “houve apenas uma vontade do Presidente que foi defendida pelo seu grupo parlamentar” e “que custou inclusive a demissão do juiz-presidente do Tribunal Constitucional”, Manuel Aragão, que a considerou “um perigo para a democracia, sobretudo por causa da separação de poderes”.
“As constituições, como documentos reitores das Repúblicas devem ser referendadas e a nossa não foi”. Em Angola, “um grupo de um único partido fez uma Constituição completamente atípica, que dá hiper poderes a quem ela reveste ou veste. Essa Constituição é atípica e cria ditadores, torna indivíduos pacíficos em ditadores”, alertou Olívio Kilumbo.
A imprensa pública foi, segundo o analista, sujeita a “uma captura total” pelo Governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA): “Nós estamos a assistir hoje a uma imprensa pública completamente bloqueada e ao serviço do regime e ao encerramento sistemático de alguns órgãos privados de imprensa”.
Já a nova lei eleitoral, votada em 2021, mas, entretanto, vetada pelo Presidente, o que irá obrigar a uma reapreciação, é também sujeita a reparos de Olívio Kilumbo, que a considera “não democrática”.
“Às vezes queremos discutir Angola como se ela fosse uma democracia, de facto não é, e, portanto, esse é o comportamento característico dos regimes autocráticos e é a conformação de todas as irregularidades em lei”.
O diploma “retira a possibilidade de monitorização, fiscalização ou controlo eleitoral”, exemplificou, referindo que a revisão das leis, sobretudo a lei eleitoral, acontece próximo das eleições, visando melhorar os mecanismos de fiscalização.
Para o professor da Universidade Costa Riba, os ataques à oposição acentuaram-se também. “Não é novidade nos regimes autocráticos a criação de obstáculos a adversários políticos, porém, esta foi de facto a cereja no topo do bolo, a anulação de um congresso” partidário pela justiça angolana, impondo a repetição da reunião magna da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
“Foi um processo muito atabalhoado, que nos leva a crer pela forma como tudo aconteceu que foi uma ação mais política do que jurídico-legal. A anulação do congresso da UNITA foi em grande medida o pior ato político deste ano”, porque mostrou que “o regime está endiabrado, está numa situação de grande desespero, e quando os regimes estão em desespero tornam-se mais perigosos”.
Entretanto, o líder da UNITA que fora afastado, Adalberto da Costa Júnior, voltou a ser reeleito no cargo, numa lista única.
Este “desespero” do MPLA, salientou ainda Olívio Kilumbo, notou-se na recusa do partido no poder em aceitar a candidatura interna do militante António Venâncio.
“O MPLA conseguiu, em 2017, criar um documento reitor do seu partido muito bonito do ponto de vista do acesso ao poder, mas António Venâncio viu frustradas as suas pretensões de ser candidato a presidente do MPLA e agora esgotou todas as hipóteses a nível do seu partido” e levou o assunto ao Tribunal Constitucional pelas “grotescas violações aos estatutos do MPLA”.
O Tribunal Constitucional indeferiu na quinta-feira o pedido de impugnação do VIII Congresso Ordinário do MPLA por se tratar de uma “providência cautelar não especificada”.