Entre os fumos e os fogos, passou despercebido o início de uma discussão fundamental entre o presidente da República, João Lourenço, e o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, sobre um tema de futuro para Angola: a diversificação.
Na sua conferência de imprensa no passado dia 5 de Janeiro, João Lourenço definiu a diversificação da economia como a bandeira da sua governação. Uns dias depois, o líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior veio dizer que a diversificação é uma utopia.
A verdade é que, se a diversificação da economia angolana não é ainda uma realidade, não pode, no entanto, ser uma utopia.
A dependência de Angola de uma matéria-prima essencial – o petróleo – tem sido um factor determinante para o modelo económico adoptado nos anos de paz, a seguir a 2002. A razão para tal pode ter sido meramente económica, pois o petróleo estava ali “à mão de semear” e tinha a capacidade de render biliões, sem grande trabalho; ou pode ter sido uma razão de política económica, assente numa qualquer teoria de especialização do comércio internacional ou de vantagens comparativas ricardianas.
Essencialmente, Angola focou-se no petróleo, porque estava ali e a preços atractivos. É sempre bom lembrar que, entre 2002 e 2012, o petróleo passou de USD 24,36 por barril (2002) para USD 94,1 (2008) e USD 109,45 (2012). O poder político angolano e as suas forças económicas nascentes estavam literalmente sentados num produto que em dez anos quadruplicou de valor.
O problema é que o ouro negro foi também uma maldição para Angola, desde logo porque a sua exportação teve o efeito de atrasar os restantes sectores da economia. Os economistas Torfinn Harding e Anthony Venables (2016, “The Implications of Natural Resource Exports for Nonresource Trade”) calculam que a exportação de matérias-primas pode conduzir à subida da taxa de câmbio da moeda nacional de um país, afectando a competitividade de outros produtos para exportação. Como se sabe, este efeito foi verificado em Angola, e a valorização oficial do Kwanza foi política oficial de José Eduardo dos Santos. O resultado foi o aniquilamento da capacidade produtiva e exportadora do país.
A este efeito económico adicionou-se um efeito político. Em Angola, os políticos tornaram-se empresários e passaram a dominar a máquina de decisão pública. Nesse sentido, foi-lhes fácil promover políticas internas que não favoreciam a competitividade económica, mas sim a protecção de mercados, mantendo pouca e não eficiente produção, com preços altos. Assim, não compensava criar indústrias domésticas, se tudo poderia ser importado a preços mais baixos.
Na verdade, criou-se uma elite político-empresarial focada na importação de bens e serviços, que funcionou em circuito fechado e centralizou as principais decisões de política económica. Ora, o efeito disto foi devastador.
O foco no petróleo teve consequências desastrosas para a economia angolana: redução e insuficiência da produção interna, com respectiva inflação e aumento da corrupção entre empresários e classe política, impedindo a criação de indústrias nacionais.
Por isso, quando hoje se propagam as angústias, muito justificadas, sobre a inflação, o desemprego e a falta de produção nacional, é no modelo passado não diversificado e somente assente no petróleo que temos de encontrar a culpa e responsabilidade.
Neste sentido, a dependência do petróleo não é apenas um problema de o país ficar à mercê das oscilações do valor do barril no mercado mundial. Isso é importante em termos de liquidez imediata, mas a questão é mais ampla e liga-se à riqueza natural do país e à pobreza geral da população angolana. A verdade é que, em termos de estrutura económica, todos os males de Angola derivam do petróleo.
Isto significa que é necessária e urgente a diversificação da economia nacional.
Há um factor sempre presente, contudo: o preço do petróleo acaba por ser, em qualquer circunstância, o determinante absoluto para a procura da diversificação. Se o preço está em USD 41,76, como aconteceu em 2017, haverá mais estímulo para procurar alternativas; se porventura o preço do barril sobe, como actualmente (em 2021, o valor médio foi de USD 69,3 por barril e em 2022 tem estado por volta dos USD 84,16), então a tendência será para se voltar a apostar no petróleo e esquecer as tentativas de diversificação.
O abandono da diversificação sempre que o preço do petróleo aumenta só será evitado com uma política estrutural inequívoca por parte do governo. E não basta apontar o caminho, ou criar determinados programas de apoio à diversificação, os quais sem contexto não trarão resultados. Aliás, os programas de diversificação têm tido resultados poucos expressivos em termos de percentagem de realização, devido à excessiva centralização das decisões e de poderes. É obviamente necessário um modelo descentralizado e deslocalizado de Luanda.
A intervenção do governo tem de ser estruturante, ou seja, o governo tem de criar condições para a diversificação, para que os empresários sintam que é em sectores não-petrolíferos que vão ganhar dinheiro e possam constituir empresas livremente nesses sectores.
Destacam-se quatro áreas em que o governo pode desempenhar um papel-chave na criação de condições para a diversificação da economia.
A primeira área é a educação. Existe hoje a convicção profunda de que a educação desempenha um papel primordial na sustentabilidade do crescimento económico e na diversificação da economia. Estudos do Banco Mundial, como “The Skills Challenge: Why Côte d’Ivoire Must Reform Its Education System” (2017), a propósito da Costa do Marfim, enfatizam que a diversificação económica necessita de um capital humano preparado e actuante. Na verdade, um forte investimento em educação, além de conceder instrumentos e desenvolver aptidões dos jovens, é, em si mesmo, uma forma de diversificar, ao criar um sector de serviços educacionais e conexos dinâmico e vigoroso. Consequentemente, apostar num sector educativo em economia de partilha e complementaridade entre o público e o privado será uma das melhores formas de incentivar a diversificação, quer porque prepara os estudantes para várias profissões diferentes, quer porque alarga um sector da economia.
A segunda área de criação de condições estatais para a diversificação também é de enunciação simples. Desde a análise do economista austríaco Joseph Schumpeter que se sabe que cada ciclo económico precisa de determinados elementos para arrancar. Um elemento fundamental é o crédito bancário (que também pode ser alcançado com subsídios do Estado). É primacial que o Estado defina algumas áreas de desenvolvimento estratégico para a economia (mesmo que se engane, tal não tem importância desde que deixe espaço para outros). Dentro dessas áreas de desenvolvimento estratégico, o sector privado deve ter ao seu dispor empréstimos bancários ou subsídios do Estado para avançar com as suas ideias. Não quer dizer que alguns dos actuais programas estatais não incluam já uma boa parte destes temas; contudo, falta uma ideia sistémica e organizada, com princípio, meio e fim, que permita ao empresário inovador obter o seu capital para iniciar as suas actividades.
Em terceiro lugar, um factor óbvio, que no velho manual de economia política do antigo primeiro-ministro francês Raymond Barre se denominava “acesso ao mercado”. Devem ser criadas condições efectivas, seja na lei, seja sobretudo no terreno, não sendo necessário pagar comissões corruptas, ou esperar que as repartições ministeriais tenham tinteiros, para se criar uma empresa numa semana. Se um empresário quiser ir a Angola e criar uma empresa em sete dias, deve conseguir fazê-lo sem obstáculos.
Investimento na educação, crédito bancário e simplificação real na criação de empresas são os três vectores de referência para que, definitivamente, Angola entre numa rota de diversificação.
Finalmente, há a medida a que chamaremos “abrir a janela e fechar a porta”. Trata-se de uma medida essencialmente política e destina-se ao desmantelamento estrutural do sistema político-económico centralizado, que funciona em circuito fechado. Como se referiu acima, foi criada uma elite de empresários que simultaneamente eram políticos e viviam das importações.
“Abrir a janela e fechar a porta” quer dizer o seguinte: é fundamental deixar entrar e constituir empresas que todos queiram. Não pode haver escolha de campeões. Antigamente, eram uns, agora são outros. Isto não pode acontecer.
O que tem de existir é competição entre empresas. Desde que respeitem a lei, todos os empresários devem ser tratados de modo igual e ter as mesmas oportunidades e acessos. Competição é isso. Um ponto de partida e uma corrida sem barreiras nem truques. Isto é “abrir a janela”. Venha o grupo Carrinho, a Gemcorp e a Omatapalo. Mas venha também o Antunes, o Dangote, o Oppenheimer, o Adenuga, a Joana e a Clarisse. Para todos deve estar a janela aberta e todos devem poder concorrer. Ao mesmo tempo, deve-se “fechar a porta”, ou seja, acabar com aquele ser híbrido designado político-empresário. Ou é uma coisa ou é outra. Claro que deve haver parcerias entre Estado e sector privado, bem como troca de experiências e conhecimento, mas os políticos devem desenvolver a sua actividade cívica e não ser simultaneamente líderes empresariais. Pode haver um ou outro político-empresário, mas deve ser a excepção e não a regra. É tempo de separar as águas entre actividade política e actividade empresarial. A partir daqui, o caminho será certamente mais auspicioso, livre e eficaz.